Diário de Vera Lúcia Batista Aguiar

Quando amamos enxergamos com o coração.

Escrito 28/11/22 20:39

Quando amamos enxergamos com o coração.

Em um pequeno sítio morava um casal muito apaixonado, não tinham filhos, pois casaram com a idade já avançada. O homem era um dos melhores sanfoneiros da região e sua esposa fazia deliciosos bolos para vender na feira da cidade.

Eram muito felizes, mas queriam muito ter uma criança. Na vida é só ter fé somada com paciência para que um sonho aconteça. Assim, todos os dias uma atitude de fé com paciência, o destino presenteou o casal. Numa certa madrugada, a mulher escuta um choro fora de casa.

Ela pensou que poderia ser um gatinho miando em sua porta, pois aquele choro era fraquinho e parecia de um bichano. Quando a mulher abriu a porta segurando uma lanterna, viu uma caixinha na porta, então ela baixou e abriu a caixinha clareando com a lanterna.

Teve uma surpresa grande, quando olhou dentro tinha um pequeno bebê.

_ Veja deixaram na nossa porta um bebê, a mulher gritou para o seu marido.

O homem correu para olhar o acontecimento, apanhou a caixinha e levou para dentro de casa. A caixa tinha um bebê muito pequeno com aparência de ter nascido prematuro.

Aquele ser humano pequenininho ainda estava com seu cordão umbilical. A mulher colocou uma chaleira no fogo para aquecer água, desinfetou na água quente uma tesoura e usou para cortar o cordão umbilical daquele bebê, amarrou com cuidado e, depois, com ajuda do seu esposo deu o primeiro banho naquele bebê, em seguida, o nenê foi envolvido em lençóis quentinhos (aquecidos em um ferro de brasa usado para passar roupas).

O homem foi no curral e tirou um pouco de leite numa vaquinha, trouxe para a mulher que colocou um pouco de água e ferveu aquela mistura. Aguardaram o leite com água ficar morno e, a mulher, deu ao menino com uma colher pequena.

No outro dia, o homem foi na cidade comprar roupas e fraldas para o bebezinho. (Naquele tempo, por volta dos anos 1940, era comum alguém chegar com um bebê e registrar no cartório como seu filho). Assim, o casal registrou aquele menino como filho dando a ele o nome de Miguel, porém eles o chamavam de Sereno (Diziam: _ No sereno da noite ele foi trazido para nossas vida. Nós, amamos ele muito).

Aquele casal ficou feliz com a chegada daquela criancinha. Ao completar 6 meses de vida, seus pais perceberam que Sereno não enxergava, pois não acompanhava movimentos do mundo em volta com seu olhar.

Os pais de Sereno ensinaram tudo ao menino, andar passo a passo sentindo os detalhes do chão, conhecer nomes de objetos com toque de mãos. Aquele menino cresceu esperto com sabedoria, ele percebia e sabia de tudo em volta (onde ficava a água, a comida, o fogão e tudo mais dentro de sua casa). O menino quando andava em casa parecia que não tinha nenhuma deficiência visual.

Sereno, tinha muitos amigos, ele conhecia o passo de cada um quando se aproximava, o som da voz, a risada e, também assim, reconhecia na natureza o som de todos os animais à sua volta (o canto dos pássaros, o canto das aves domésticas, as vacas com seus barulhos no curral, etc.) e som de cada objeto humano (o rádio, o chocalhos do gado, o barulho do pilão de sua mãe, os cantadores de viola que passavam na comunidade no mês de São João, o grupo de pastoril chamado Súditos do Rei que passava na comunidade do mês de dezembro até a primeira quizena de janeiro.

Sereno, tinha um mundo cheio de sons que servia como um livro para ser lido. Porém, entre tantos sons na sua vida, ele ouvirça muita música no rádio de sua casa.

Muito além de tanta sonoridade no mundo, o menino cresceu ouvindo seu pai tocar sanfona. Sereno era muito bom de ouvido, logo aprendeu todas as notas musicais (agudos e graves) na sua memória, rápido se familiarizou com o instrumento musical de seu pai.

Aquele som típico da sanfona (Fom Foron Fom Fom Foron Fom Fom) aquele guri sabia fazer na boca, não tardou para saber usar os acordes dos "baixos" da sanfona. A maior dificuldade, no começo para o menino que começo tocar cedo, era a sanfona ser muito pesada para uma criança.

Reconhecendo o talento nato do filho, seu pai comprou na "Feira de Caruaru", já que no seu estado era raro esse instrumento naqueles tempos, uma pequena sanfona de 30 baixos e presenteou seu menino.

O menino, fazia jus ao nome carinhoso dado pelos pais, era uma criança serena, pouco a pouco foi tocando aquela pequena sanfona e num tempo muito breve já sabia tocar as músicas clássicas do repertório do nordeste, entre tantas músicas estava "Asa Branca".

Depois, conforme seu corpo cresceu, seu pai comprou uma sanfona de 60 baixos e o menino executava as músicas cada vez melhor, com a idade de 12 anos já acompanhava o seu pai nos "Forrós".

A sanfona do pai do garoto era de 120 baixos e o menino também já tocava umas músicas nela. Quando o rapaz já estava com 19 anos seu pai faleceu e ele ficou só com sua mãe. Os ensinamentos do seu pai valeu muito e permitiu ele trazer algum dinheiro para o sustento seu e da mãe.

Todo final de semana o rapaz tocava, às vezes naquele mesmo sítio que morava, sempre tinham moças e rapazes que ficavam dançando perto dele. Sereno conhecia todos os seus amigos através da voz, do cheiro e dos passos sobre o chão. Uma das suas melhores amigas era a Mariana.

Mariana, às vezes dançava com alguns rapazes, outras vezes ficava só por perto de Sereno girando o corpo e rodando sua saia rodada e arrastando seu pé no forró. Enquanto que, noutros momentos, o rapaz tocava e a moça cantava. Sereno achava linda a voz daquela moça, ele não via com os olhos mas enxergava com o coração. Aquela moça tinha longos cabelos que às vezes batia no rosto do rapaz sentado, tocando maravilhosamente sua sanfona.

Todas as amigas de Mariana falavam que ela sentia amor Sereno não era só amizade a moça e sempre sorria mas não falava que sim nem que não.

Quando o dia estava para amanhecer, Sereno sempre ia para casa acompanhado do seu primo, pois ele o conduzia pelo caminho para o rapaz não cair. Porém, uma noite o primo de Sereno foi embora para casa cedo, devido uma dor de barriga, enquanto isso, Sereno continou tocando.

Quando o baile acabou Mariana pediu ao seu pai para deixar ela conduzir Sereno até em casa. O pai da moça concordou, pois era perto da casa de Sereno a casa da família da moça. Por isso, os dois se conheciam muito bem desde criança.

A moça falou que ia conduzi-lo até em casa. Sereno colocou sua sanfona nas costas. A moça deu o braço para o rapaz e os dois saíram vagamente pela madrugada serena.

_ Seus cabelos são muito cheirosos (O rapaz falou para a moça), gosto quando você fica dançando à noite perto de mim e ela batem no meu rosto.

_ Como você sabe que eu danço perto de você a noite?, a moça perguntou.

_ Sinto o seu cheiro, falou o rapaz.

_ Você também é muito cheiroso Sereno, seu sorriso é lindo, seus olhos também bonitos (Verdes como o verde das canas do canavial ali perto de nós), falou Mariana.

Aquela moça sonhava em beijar a boca daquele rapaz, assim como ele que nunca tinha provado um beijo desejava beijá-la. O rapaz não sabia o que era um beijo, apesar de cantar sobre beijo.

Queria sentir aquela moça mais próxima do seu corpo. E, aquela moça queria muito beijar o rapaz, pois o amava e falou para ele que iria lhe dar um beijo.

O rapaz esperava um beijo no rosto como sua mãe sempre o dava. Ele tomou a iniciativa e falou: _ "Quero o seu beijo?". Então, a moça, aproximou-se do rapaz e colou seus lábios sobre o dele e assim sentiram juntos aquele beijo.

O rapaz perguntou: _ "O beijo quer dizer o quê?". A moça respondeu: _ "Que estamos namorando".

O rapaz tocou toda face da moça, cheirou seus longos cabelos, deslizou os lábios seus até os lábios da moça boca e beijou ela novamente.

Quando chegou em casa, sua mãe abriu a porta para seu filho e, rápido, ele falou que estava namorando com Mariana.

Sua mãe não acreditou, entretanto a moça confirmou que sim. "Amo muito o sereno", ele disse para a mãe do rapaz.

Algum tempo depois, eles fizeram um grande forró para comemorar o noivado, depois casaram na capelinha toda enfeitada de flores brancas. Marina estava linda com um belo vestido de noiva sendo conduzida pelo seu pai, enquanto Sereno tocava a "Marcha Nupcial" do próprio casamento, já que o rapaz sempre tocou a marcha nos casamentos de outras pessoas.

Naquela cerimônia, os dois disseram "Sim ao Amor". Na lua de mel os dois pouco a pouco foram se tocando: O rapaz conheceu todo o corpo de sua amada com o toque de suas mãos lentamente, despiu ela, e, juntos, entregaram-se ao amor.

(Aquele rapaz enxergava o belo corpo de sua amada com alma).

Sereno casou com Mariana, mas morava na casa de sua mãe, pois no lar materno ele sabia onde estava no lugars cada objeto e detalhe. Mariana era costureira e ajudava na renda da família. Daquele feliz casamento nasceram quatro filhos (2 meninos e 2 meninas) e, aquela família era muito feliz. Sereno era um homem realizado, trabalhava no que gostava, tinha uma esposa maravilhosa, filhos e cuidava de sua mãe na velhice (Mulher que lhe deu abrigo, ensinamentos, coragem e amor).

Conto escrito por mim, Sol Lúcia, inspirado numa história real de um jovem sanfoneiro que era cego. Meu tio e sogro, Daniel Aguiar, contava-me que tinha conhecido nele o melhor sanfoneiro.

Tags: Conto de amor

Comentários (0)

Ninguém comentou este diário ainda. Seja o primeiro a deixar um comentário!