A Raposa, A Ira e O Deus do Arroz
HaterDoMundo
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 26/09/16 10:09
Avaliação: 9.73
Tempo de Leitura: 19min a 26min
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Não recomendado para menores de catorze anos
Notas de Cabeçalho

Texto feito para um desafio em outro site. Perdoem-me qualquer erro de português, pois a revisão não fora das melhores.

Capítulo Único A Raposa, A Ira e O Deus do Arroz

A Raposa, A Ira e O Deus do Arroz

A luz fraca das estrelas iluminava calmamente o jardim de pedras e o lago de peixes, dando à pequena ponte de madeira que o cruzava, sombras finas de uma melancolia sem final.

Era possível, para meus olhos, admirar a dança de pequenos espíritos brilhantes. Eles dançavam em volta de toda a casa, trazendo consigo pétalas das hortênsias plantadas no jardim em outros tempos. E alegravam o espirito daquela a qual eu mais amava.

Eu a olhei pela janela e sorri. Seu sorriso era tudo para mim. Eu amava a ver feliz. Afinal, apesar de estar morto, eu vivo, por ela.

Minha princesa. Minha doce filha sorria para a lua naquela noite. Ela olhava para a lua cheia do céu noturno.

Para as duas luas cheias do céu noturno...

Quando percebi que haviam, não uma, mas duas luas no céu, eu entendi que o dia finalmente havia chegado. A noite que Inari, meu deus guardião, tanto me falou. A noite para a qual ele manteve meu espirito em terra. A noite das duas luas. A noite da raposa.

Desesperei-me com o medo repentino de falhar em minha missão: Proteger minha preciosa princesa.

Entro na minha casa, como fantasma, e, como fantasma, ninguém me nota. Nenhum empregado faz alarde. Nenhum soldado se assusta. Não havia ninguém para dizer: "Nosso senhor voltou dos mortos!"

Cheguei facilmente ao quarto da minha filha. Nem mesmo ela conseguia me enxergar em meu kimono branco repleto de vermelho. Agradeci, pois o vermelho era meu sangue irremovível.

Não queria espanta-la com uma aparição minha neste estado. Já se foram meses para que ela voltasse a sorrir após minha morte. Embora, devo confessar, sentia saudade de qualquer palavra sua direcionada a mim.

Ela ainda mantinha aquele doce sorriso de inocência. Vestia um kimono branco, como o meu, mas repleto de flores vermelhas, não sangue. Seus cabelos negros estavam presos pela habilidade de nossa serva mais confiável. E sua tez branca era acentuada pela coloração avermelhada de suas bochechas. Só de olhar em seus olhos eu podia me sentir derreter, mesmo sendo um fantasma.

Então ela riu, olhando na minha direção. E, por um momento, pensei que ela me via, mas não era possível.

Não foi possível.

Ela ria para Hainu. Nosso pequeno filhote corria pela casa animado como só o mesmo.

Me senti bem de ele estar lá. Cães afastam raposas...

Mas então ouvi a voz de uma serva. Ela dizia à minha filha que era hora de dormir. Ela fechava as janelas de seu quarto. Ela beijava a testa de minha princesa. E ela tirava de lá o cão.

Pensei ter visto um brilho violeta em seus olhos.

Minha filha estava quase que completamente desprotegida, novamente. Mas eu a guardaria. Era meu dever. Eu era seu pai e seu guardião. Era para isso que Inari me dera essa meia vida. "Salve a sua herdeira" Dissera seu mensageiro. E era minha meta.

Esperei pacientemente o movimento da raposa. Era fácil o tempo passar enquanto via minha pequena dormir tranquila.

Todavia, a primeira aparição da noite fora nossa serva confiável. Ela trazia consigo uma cesta de doces que tinha acabado de fazer. Entendi de onde vinha aquele bafo doce de toda a manhã que minha princesa usava para me acordar enquanto era ainda vivo. Aquela serva sempre cuidou bem dela. Sinto que devia tê-la tratado melhor. Mas não tive tempo para arrependimentos.

A serva depositou os doces ao lado do futon em que minha filha dormia. Ela a olhou amorosa e afagou seus cabelos, tomando cuidado para não a acordar.

E então ela berrou.

A serva gritou por ajuda com todo o ar de seus pulmões e todo o desespero de seu coração. Quando percebi o porquê de ela gritar eu poderia ter feito o mesmo.

Profundo como um telho, no belo rosto de minha doce criança, havia uma marca de corte, ainda sangrando sobre os lençóis.

-- C-Como?! - Berrei para o nada, em completo pavor e terror.

Eis que então me lembrei de um brilho violeta e um beijo na testa, e entendi que a raposa já estava lá. Nos sonhos da minha inocente criança.

Estaquei. Não sabia o que fazer para além de gritar e chorar. Enfrentar uma Kitsune, por mais difícil que fosse, não era impossível para mim, mas o que eu poderia fazer para lutar contra um pesadelo?

O mensageiro veio me responder:

-- Ele está quase concluindo seu objetivo. - Quando ouvi a voz de Shouzaa, o mensageiro do deus Inari, me surpreendi e saltei para trás. - Logo a Noguetsune findará a vida da herdeira do clã. Logo a linhagem morrerá para todo o sempre.

Nem mesmo a visão do ser de cabelos prateados cumpridos, olhos dourados brilhantes e expressão estranha conseguia me fazer esquecer do simples fato de que a "herdeira" que Shouzaa falava era minha filha, que agora corria perigo de morte.

-- Não há nada que eu possa fazer para salvar minha filha? - Perguntei em horror.

-- Ha um método. Mas ninguém que escolhe esse caminho seguirá para o paraíso ou inferno. Pertencerá eternamente ao deus Inari-sama. - Seus olhos brilhantes me fitavam com uma cálida empolgação sombria, enquanto seus lábios selecionavam fios de cabelo prateado que lhe caía no rosto.

Algumas pétalas azuis de hortênsia advinham do corredor aberto por onde mais e mais servos vinham ao socorro de minha pequena criança.

-- Não me importo mais com minha eternidade. Somente existo para proteger minha filha.

Mirei determinado o mensageiro que me fitava intrigado, de costas para a luminosidade do corredor cheio de lâmpadas de óleo e cercado de pétalas de hortênsia que voavam com a brisa.

-- O que tenho de fazer? - Perguntei decidido.

-- Terás de tornar-se uma Kitsune. Mais precisamente uma Kiko, Kitsune fantasma, ou mesmo um bakemono-Kitsune. Assim será capaz de seguir essa noguetsune para dentro dos sonhos da herdeira.

-- E como farei isso? - Perguntei confuso.

Então ele fechou seus maliciosos olhos dourados e estalou os dedos. No momento seguinte havia uma espécie de máscara ritualística em sua mão. Uma máscara de raposa repleta de detalhes em vermelho e dourado.

-- Ponha isso. - Ele atirou a máscara para mim como se fosse uma simples maçã. - Servirá como catalisador para a transformação.

-- E como entrarei nos sonhos dela? - Perguntei.

-- Eu cuidarei dessa parte - Disse ele com um suspiro. - Apenas preocupe-se em derrotar essa Yako amaldiçoada.

-- Certo! Estou pronto! - Disse.

-- Ah... E um aviso: Quando duas Kitsunes ocupam o mesmo sonho, o tempo passa mais depressa.

-- Como assim?

-- Deixe para lá... não deve haver problema algum. Apenas a destrua o mais depressa possível... - Falava de forma preguiçosa. – No mais, te desejo sorte. Que Inari olhe por você.

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Era pura e simplesmente um corredor sem fim ou começo. Um caminho de chão luminoso e paredes escuras que subiam para muito além da vista. Tão alto que pareciam se encontrar no fim.

Correndo por sua vida, entre uma e outra mancada, havia uma pequena jovem exausta.

Seus delicados pés já apresentavam bolhas. Tinha suado quase toda a água do corpo. Parecia que toda sua pele estava simplesmente seca, como sua saliva, que fora trocada pelo sangue de gosto metálico que escorria do corte em sua bochecha esquerda.

A garota já estava correndo há dias.

Até que finalmente ela tropeçou nos próprios pés, caindo em câmera lenta para o solo luminoso.

Atrás de si podia ouvir, entre latidos e gritos, o som das risadas diabólicas da raposa. Sua sombra percorria as paredes escuras do corredor num andar elegante e sinistro.

-- Não! - Suplicou a garotinha, com uma expressão de total horror. - Por favor! Não me machuque!

Então as risadas foram ouvidas novamente e, da silhueta de raposa na parede, uma Kitsune de dois metros de altura surgiu. Como tudo mais lá, ela era escura como os olhos da morte. Enquanto os seus olhos eram azuis brilhantes. Tinha uma cauda de pelugem grossa, que dançava num vento inexistente ao lado de seu focinho, contraído para mostrar presas assustadoras e cobertas de sangue. Em suas patas enormes haviam garras do tamanho de cutelos, e em seu semblante um sorriso de prazer sádico.

Era claro que a Noguetsune podia ter matado a garotinha muito antes, a espremendo entre suas presas, todavia ela possuía um péssimo habito: Brincar com a comida.

-- Eu nunca faria isso, minha pobre criança. - Disse a raposa sombria com uma voz monstruosa, fingindo estar ofendida. - Parece até que não conhece a mim. Mesmo que tenhamos passado tanto tempo nessa brincadeirinha.

-- S-so-Socorro! - Tentou gritar a criança. - Papai! Mamãe!

-- Errado, errado, minha pequena, eles dois não viram, pois os dois foram mortos a muito tempo. Mas você sabe disso, não é? Você é a culpada.

-- N-não! Calado! - A criança chorava desesperada, enquanto tampava os ouvidos com as mangas do que sobrara de seu kimono branco florido. - Você não sabe de nada!

-- Não sei? - Perguntou a maldita raposa. - Sei muito bem que nunca um senhor feudal entraria na linha de frente de uma batalha se sua família não estivesse em jogo.

Tudo o que a raposa narrava surgia quadro a quadro nos muros infinitos, como se fossem televisores para toda a desgraça de uma jovem vida.

-- Calado! - A pequena tentava se arrastar, pois a última queda fora o impacto necessário para que sua perna esquerda quebrasse.

-- Sei muito bem que se não fosse para proteger sua filha, para ganhar anistia, a esposa de um senhor feudal nunca aceitaria a proposta de servir de puta ao inimigo e seus soldados, sendo morta logo depois.

-- CALADO!!! - Implorava a criança, chorando sangue, pois acabaram as lágrimas.

-- O que eles fizeram mesmo? Ah sim! Puseram sua cabeça na ponta de uma lança e a esporam em praça pública. Bom... pelo menos tiveram a decência de colocar marido e esposa lado a lado.

-- PARE! Por favor... por favor... por favor... por favor... pare... - Os olhos da criança pareciam os de uma boneca sem emoções.

Sua alma se partira.

-- Hum... - Dissera a raposa para si mesma. - Ela quebrou rápido... Bom... O que se esperar da filha de uma puta e um imbecil? Vou devora-la logo e acabar com isso.

Então a Kitsune caminhou suave e elegante, para junto da presa de mente quebrada. Abriu suas presas o suficiente para consumi-la com uma mordida, e ia fazê-lo, porém...

-- Se a morte e o ódio emitissem grunhidos em meio a sua sangrenta e triste lua de mel... - Uma voz surgiu de todos os cantos. - Essas seriam minhas palavras para você agora.

Então um raio cruza o corredor, advindo do infinito, e termina numa violenta mordida no pescoço da Kitsune sombria.

Uma segunda raposa surgira. Esta de pelos vermelhos e cinzas, com também uma só cauda. Sua forma tremeluzia como um fantasma. Não era possível enxergar qualquer tipo de pupila onde deviam estar os olhos. Somente sombra e instinto de matar.

O ódio adveio violento do mundo dos mortos.

A raposa obscura não se deixou derrotar tão facilmente. A mesma se livrara da mordida em seu pescoço entrando numa parede próxima e tornando-se sombra novamente.

-- Ah... - Ela dizia de todos os lados. - O enviado de Inari finalmente chegou. Talvez você me divirta mais que essa boneca de porcelana...

Ao mesmo tempo, a cinza-rubra já se aproximava da pequena criança, com um olhar sombrio na face.

-- Não! Por favor! Me deixe! - Ela gritava apavorada.

-- Kogitsune konkon... - A Kitsune fantasma começava a cantarolar enquanto se aproximava da menina. - Yama no naka...

-- Essa música... - A jovem então abriu seus olhos cheios de lágrimas. - Será?

-- Yama no naka... - A Kiko agora começava a mudar. Seu corpo, à medida que se aproximava, ia ficando menor e mais parecido com um homem adulto. - Kusa nomitsubushite...

-- P-papai? - Perguntou a jovenzinha na ameaça de um sorriso.

-- Okeshou shitari... Momiji no kan zashi tsuge no kushi... - Então o pai abraçou sua filha ainda cantarolando a mesma canção de ninar que cantava para a mesma todas as noites enquanto vivo.

-- Papai... eu senti tantas saudades... - Dizia a menina afundando-se no abraço caloroso de seu pai.

-- Minha pequena. Eu sempre estive ao seu lado. E eu sempre estarei, pois eu te amo.

-- Mas... Mas foi por minha causa que você e a mamãe...

-- Que vivemos os momentos mais felizes de nossa vida? Que ganhamos um sentido para ela? Minha princesa, tudo o que você deu a nós foi felicidade. - Pela primeira vez em dias dentro daquele pesadelo, a menina conseguiu sorrir. - Nosso amor está encarnado em você. Nunca se esqueça disso. Viva por muitos anos, feliz, sabendo disso, mas primeiro tens de acordar, minha garotinha.

-- Acordar? Como assim, papai? Não quero perder você de novo!

-- Minha pequena...

-- Desculpem interromper este momento lindo, - Dizia a voz torpe da noguetsune. - Mas já esperei demais!

A fera sombria surgia, por cima do ombro direito do homem, numa mordida fatal. Suas presas pareciam prestes a lhe arrancar o corpo, todavia.

-- Minha pequena... - Continuou o senhor feudal. - Eu já não te disse?

No momento seguinte, o braço direito do fantasma tornou-se uma enorme pata de raposa, que atingiu em cheio o queixo do oponente, fechando sua boca fétida.

-- Eu sempre estarei ao seu lado. - A fantasma sorriu enquanto a raposa obscura era mandada para longe.

-- Tá... - A garota também sorria agora, já perdendo pouco a pouco sua cor e forma. Deixando aquele pesadelo pelas palavras de seu pai. - Até mais, papai!

Enquanto sua filha desaparecia, sorrindo, em pequenos flocos de luz rósea, o homem virava para enfrentar o inimigo cara a cara. Sua expressão obscura de puro repudio e ódio retornara, mostrando o quão pronto ele estava para aquele embate.

-- Achas mesmo que será tão fácil assim? - Perguntou a voz das sombras. - Você só sairá daqui depois que um de nós dois morrer. Então você só sairá daqui morto!

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Queimando como o fogo de mil sóis, eu parti para ver o sangue escarlate da maldita raposa.

Minhas pernas inquietas corriam à toda velocidade, causando ondulações no espaço, já distorcido, daquela dimensão. Minhas garras, arrastadas no solo, produziam faíscas que cegariam meus olhos, caso já não estivessem cegos de ódio.

-- Morra! - Gritei com toda a força de meus pulmões, ao ponto de sentir sangue subir por minha garganta.

Mas o inimigo agira mais rápido. Em uma investida potente e uma mordida poderosa, a Kitsune sombria arrancara meu braço esquerdo, fazendo com que sangue jorrasse imediatamente da ferida aberta e musculo rasgado. Entretanto, meu braço de fera contra-atacou no mesmo instante, fazendo jus aos meus novos instintos de fera.

Enquanto meu sangue jorrava, arranquei um dos olhos azuis frios daquele desgraçado com um arranhão de minhas garras.

Na tentativa de ganhar espaço para pensar no próximo movimento, desferi um golpe vertical com o joelho, de baixo para cima no focinho da besta, a fazendo girar no ar e a atirando longe uns sete metros e meio.

Estávamos os dois, um de frente para o outro, regenerando nossas feridas rapidamente e derramando as primeiras horas do que poderia durar anos, ou séculos, visto que ambos possuíamos poderes no mesmo nível e capacidade regenerativa sem falhas.

Dois semi-imortais estavam lutando até a morte. Parecia o início de uma piada de mal gosto.

Então assim fizemos. Lutamos um contra o outro, Kitsune versus Kitsune, raposa versus raposa, monstro versos monstro, ódio versus ódio... lutamos até perdermos a consciência e nossos instintos continuassem a luta por nós. Lutamos até nos tornarmos corpos destroçados que se mexiam como marionetes da ira e da raiva.

Nosso combate durou séculos. E de cem em cem anos, que nos tornávamos mais fortes, uma cauda a mais crescia para ambos, aumentando nosso poder ainda mais.

Foi quando se passaram quinhentos anos que percebi o que Shouzaa queria dizer. Enquanto nossa luta durasse, o tempo fora da mente da minha amada filha nunca correria. E ela nunca teria tempo de ser feliz.

Desde então lutei com mais e mais afinco, até que, depois de novecentos anos, nossa nona cauda surgiu e nosso poder ultrapassou o imaginável. Ambos nos tornamos capazes de ouvir e ver tudo no mundo congelado em que lutávamos. Ambos adquirimos a onisciência.

Foi só aí que descobrimos a verdade.

Foi só aí que aquele brilho violeta nos olhos da minha serva fizeram sentido.

Não era a Noguetsune que tinha entrado na mente da minha filha. Era àquele que planejara tudo isso desde a minha morte, ou até antes dela, por puro capricho e divertimento. Era nosso verdadeiro inimigo.

-- INARI! - Ambos nós dois berramos seu nome com toda a ira de uma marionete que despertou.

Tudo ficou claro.

Fora Inari que incentivara a rebelião que acarretou minha morte. Fora ele que botou a ideia torpe e doentia na mente dos homens que abusaram de minha esposa. Fora ele também quem criou aquela Kitsune em toda a sua maldade, somente para que ela pudesse cumprir seu destino de morrer por minhas mãos. Inari brincou com nossas vidas, como o deus que era.

E ele de tudo isso somente pela diversão de ter feito.

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-- Maldito... - Dizia a raposa sombria, caindo de joelhos para sua forma humana.

Um menino de cabelos prateados que tinha vendido toda sua vida para o mal, e agora percebera o quão sem sentido era a mesma.

-- Mate-me... - Ele dizia, chorando lágrimas misturadas ao sangue. - Termine meu destino, como previu Inari.

-- Não quero. - Respondeu, também desabando de joelhos, porém mantendo o olhar sério. - Meu ódio nunca devia ter sido por você. Devia ter sido por ele. Não vou deixar que tudo acabe como ele quer.

-- Então... deixe que eu o faça... - A criança pareceu mais calma, mas mesmo assim, nada superava suas lamúrias. - E assim você poderá sair daqui e vingar-se por nós dois.

O homem assentiu, sério, antes de dizer:

-- Depois de todo esse tempo. Acho que sentirei falta de você e seus golpes fracos, meu velho amigo...

As lágrimas quentes caíam por seus lábios desatadas, enquanto somente uma escorria pela face ríspida do senhor feudal.

-- Posso dizer o mesmo... - Então o Kitsune transformou somente uma de suas garras, de seu dedo indicador, apontando-a para a própria garganta infantil. - E posso dizer que sinto muito por toda a dor que causei a você e a sua filha. Eu não entendia nada há novecentos anos, mas depois de tanto tempo, acho que finalmente consegui decifrar os seus sentimentos, meu amigo.

-- Nunca fora culpa sua... - O homem dissera simplesmente. - Adeus... meu velho amigo...

Então a criança rasgara a própria garganta, no seu primeiro gesto de amor e último gesto de vingança.

E o tempo finalmente voltou a correr. O vento voltou a passar levando os espíritos. O rio voltou a refletir a luz do sol no orvalho da velha ponte de madeira vermelha. E a jovem princesa acordou, e voltou a sorrir para as flores.

Mas algo voltou junto a tudo.

No topo do templo mais próximo, empoleirada no telhado, havia um raposa fantasma de pelos prateados e nove caudas.

Um espirito pronto para matar um deus.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Legendas:

Bakemono-Kitsune: É uma Kitsune má e espectral (como um fantasma), muito parecido com Reiko, Kiko e Koryo.

Kiko: Espírito de uma Kitsune. Normalmente as kitsunes não são fantasmas, no entanto, elas podem aparecer como espíritos. Também conhecida como “raposa fantasma”.

Kitsune: Termo geral para a palavra “Raposa mágica”, Kitsunes podem ser retratadas tanto como boas ou más em suas lendas.

Genko: Kitsune negra, normalmente é vista como um “Omen” (bom presságio).

Koryo: Kitsune Amaldiçoada. Conhecida como “raposa demônio”.

Kyuubi no Kitsune: São as Kitsunes que alcançam os 1.000 anos de idade. Nessa idade, a cor de sua pelagem muda para prateada ou dourada. Alcançam até 9 caudas e é quando ganham a habilidade de poder ver e ouvir tudo em qualquer lugar no mundo, atingindo assim, a sabedoria infinita e onisciência.

Nogitsune: Kitsunes selvagens, normalmente é usada para diferenciar entre as boas e más Kitsunes. Assim eles usam o termo “Kitsune”, para as boas Kitsunes, aquelas que seguem e são mensageiras do Deus Inari. As que não o seguem, são chamadas de Nogitsunes. Porém, nem todos os tipos de Nogitsunes são necessariamente más. Existem algumas que apenas gostam de pregar peças nos seres humanos, como a Kitsune-Tokoya.

Reiko: Fantasma de uma Kitsune. Não chega a ser uma Kitsune extremamente má, mas algumas podem ser muito maliciosas.

Shakko: Kitsune vermelha, estas também podem ser consideradas tanto como boas ou más, pois não têm o conhecimento do que é moral.

Shouzaa: Espírito Seiryu, supervisor das raposas.

Yako/Yakan: Termo geral para a palavra “Raposa” (Igual à Kitsune).

Futon: Tipo de cama japonesa.

Obs 1: A música de ninar citada no texto existe. Trata-se de uma música infantil denominada “pequena raposa. Não consegui a tradução literal, mas se quiserem saber mais o link é esse: http://www.japaoemfoco.com/musicas-infantis-japonesas/

Obs 2: Quando o texto é separado por traços, é porque o tipo de narrativa mudou de primeira pessoa para terceira ou o contrário. Na formatação original isso se evidência pela parte em itálico e parte normal (itálico sendo primeira pessoa).

Apreciadores (7)
Comentários (5)
Postado 26/09/16 20:31

Que belo texto ^^ gostei demais!Bem criativo!Parabéns!

Postado 26/09/16 23:56

Muito obrigado. Esse aqui deu muito trabalho.

E, respondendo seu convite de amizade, tenho sempre espaço para novos amigos.

Postado 04/10/16 23:39

Bah, adorei!

É um texto que é muito feliz em como transmitir seu conteudo, sua história, sua cenas de dor, de alegria, de confrontos. Sinceramente, um texto fácil de ler e encantador.

E que aula de cultura japonesa. Nossa, haahah. Adorei, principalmente as notas finais.

E sobre o texto, que Deus sacana. Como uma criatura tão poderosa dedica de seu tempo para importunar pobres almas? Felizmente, essas almas conseguiram se elevar e descobrir a verdade sobre isso. E fiquei curioso se exisitira o combate entre o pai e o Deus, heeh. Terá continuidade?

E se eu pudesse te sugerir uma única coisa, seria dar um revisada no português. Não que esteja ruim, mas há o que melhorar e tornar a leitura ainda mais agradável.

Parabéns! Adorei ter todo esse texto! =D

Postado 05/10/16 17:01

Amo escrever cenas de luta, de dor e etc... por isso quis colocar de tudo nesse texto. Que bom que ficou fácil de ler ^^^

Eu tive que estudar um pouco sobre cultura japonesa para escrever esse texto, e não achei justo deixar o povo sem entender nada.

Provavelmente não vai ter continuação. Era para esse fim ficar em aberto mesmo. Todavia, serve para tirarmos algumas lições sobre confiança e etc..

Eu preciso REALMENTE melhorar minha gramática. Isso é, se quiser conquistar meu objetivo de tirar nota máxima na redação no ENEM.

Muito obrigado pelo comentário.

Postado 26/12/17 18:29

Adoro textos com elementos da cultura nipônica. Tenho influência e inspiração literária direta deles. A maneira como tu trabalhaste também é original, de forma que não me pareceu mais um dos clichês à moda manga/anime que a literatura anda sofrendo em demasia. Parabéns pelo texto.

Postado 24/03/18 11:17

Fiz uma vasta pesquisa antes de começar a escrever. Talvez esteja aí um pouco da diferença. A maioria simplesmente se guia pelo clichê ou o facil.

Obrigado pelo comentário, atensiosamente, um guardião da fúria eterna.

Postado 29/12/17 16:06

Que obra extraordinária. A tensão que vaga pelas palavras é palpável, tornando cada momento da história completamente surpreendente.

Meus parabéns ❤

Postado 24/03/18 11:18

Obrigado. Encheste esta minha alma de felicidade com suas palavras tais.

Postado 03/03/21 23:21

É bom! Cara é muito bom!!! Eu não esperava por esse final!!! EU AMEI A SUA OBRA!!!

Toda a ideia do texto desde seu inicio até seu final foi em minha sicera opinião muito bem construído e eu queria ter lido antes essa obra maravilhosa. Parece que pesquisou bastante para fazer este texto, meus parabéns!

Eu fui enganda junto dos personagens e desejo vingança como pode um deus por puro capricho brincar com os outros? Espero que ele tenha conseguido vingar a raposa amaldiçoada, nunca imaginaria que seria um garotinho.

Agradeço por demais por compartilhar sua obra, foi um prazer ler, sinceramente obrigado por me porprocional tal leitura!

assinado uma pequena vampira amante de raposas, <3

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