Breve história sobre a ansiedade de todos os dias
Romão de Fonseca
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 08/11/16 06:45
Gênero(s): Drama Reflexivo
Tags: entrevista
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
Apreciadores: 7
Comentários: 4
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Palavras: 506
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Não recomendado para menores de dezesseis anos
Capítulo Único Breve história sobre a ansiedade de todos os dias

O narrador pergunta ao personagem o que ele sente, o personagem por sua vez, distante e com agonia responde:

Rodrigo: É uma sensação, cara. Uma sensação estranha, nunca senti algo parecido na vida. Toda vez que bebo café, sinto o quente passando pelo meu corpo e meu coração vai em disparate como se fosse explodir - porém, no momento em que toco meu peito, os batimentos mostram-se seguros e firmes, como se não houvesse nada demais. Meu corpo defasado, chora. Minha cabeça cansada, sente. Eu já não sei mais o quê fazer.

O narrador por sua vez, efusivo e interessado, aprofunda a pergunta para o personagem.

- Você acha que vai morrer?

Rodrigo: Quando estou na rua, no transporte público ou sentado em casa, uma angústia me assola... Eu olho para as pessoas, para a televisão e só vejo uma única coisa: um cinza. É um cinza estranho, de vez em quando, tonto, sorrio pensando em música. Acho que eu morreria com música, sabe? Também penso em minha amada, procurando conforto e uma casa segura. Essa sensação tomou meu dia a dia, respiro isso, vivo isso e é como se não respirasse ou vivesse.

O narrador surpreso pela resposta, indaga uma questão certeira sobre a música e a amada.

Rodrigo: É, minha amada, Tânia, a qual tomou-me o coração. E sim, a música, presente nos dias de qualquer ser que se preze - porque só quem se preza, preza a música -, talvez seja um deleite morrer enquanto se houve algo ao lado de sua amada. Eu tenho medo, insegurança e uma certa aflição todas as vezes que penso sobre isso. É um tiro.

O narrador já não se faz mais narrador e sente-se obrigado a continuar.

- Um tiro?

Rodrigo: Um tiro. Rápido, ríspido e constante. Como a noite em uma boa festa com os amigos que não se tem mais. Um projétil lançado como o ato de deleitar-se nos brancos de folhas colombianas. E o coração dispara, junto dele, minha insegurança e dificuldade em respirar atrapalham um possível resguarde, mas, eu não culpo ninguém.

- Culpar quem?

Rodrigo: A falta de sentir, mesmo sentindo tanto. Quem explica a demasiada vontade de se viver? Essas noites em claro, sempre esperando alguém ou algo, sempre paciente em frente ao computador. É como estar em um aquário do tamanho do Oceano e sentir a solidão de todo um Mar.

O narrador não é mais necessário, pois, tornou-se o próprio personagem.

Rodrigo: É uma prisão, aposto eu. Encarceirado em meu próprio ser, sem conseguir respirar direito ou mesmo pensar. Independente da direção que olho, incertezas, dúvidas e aflições aparecem - sem espaço para qualquer outra coisa. Socorro, eu quero morrer! Antes, por favor, um café e um cigarro.

O narrador volta e explica que a entrevista fora realizada por algum jornalista ou coisa do tipo. O entrevistado em questão, matou os seus sentires, Tânia, a música e foi encarcerado, condenado por prisão perpétua na solitária, nos confins do Mundo. Eu estou preso e não pretendo sair. A ansiedade vai matando a mim, cada vez mais.

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Apreciadores (7)
Comentários (4)
Postado 08/11/16 13:49

Que texto diferente temos aqui, sua proposta foi incrível, senhor, e seja muito bem-vindo ao site! :3

De início pensei se tratar de um roteiro, e já estava pensando em comentar isso até ler os últimos parágrafos. O narrador tornou-se narrador-personagem, e o narrador-personagem tornou-se o próprio autor. Uma confusão de emoções, um desabafo de três pessoas que ao final se convertem em uma, e você fez as vozes do texto convergirem em harmonia.

Parabéns pela obra, foi uma experiência maravilhosa lê-la *-*

Postado 09/11/16 13:09

Gostei do site. Obrigado e obrigado.

Postado 25/01/17 12:16

Outra obra apaixonante, Romão. Parabéns.

Postado 25/01/17 20:44

Olá!

Que bom que gostou dessa. Foi difcil escrever.

Obrigado e obrigado por mais um caloroso comentário!

Postado 08/02/17 16:51

"Cantarei enquanto você coaxa, dançarei sobre seu cadáver sujo... É para você, Tânia, que estou cantando. (...) O mundo ao meu redor está se dissolvendo, deixando aqui e acolá manchas de tempo. O mundo é um câncer que está comendo a si próprio... Estou pensando que, quando o grande silêncio descer sobre tudo e todos, a música triunfará por fim. Quando tudo se retirar de novo para o útero do tempo, o caos será restabelecido, e o caos é a página sobre a qual a realidade está escrita."

Postado 19/11/17 02:56

Esta sem dúvida alguma é para mim uma das obras mais originais, complexas e bem elaboradas deste site e foi uma experiência deveras peculiar tal leitura! Estou por demais fascinado pelas comparações e simbolismos no/do texto, bem como toda a carga emocional que nele existe e se impõe de modo gradual e inexorável no leitor.

Esta obra é um retrato do Homem moderno ou mesmo/tão somente do Humano desde que tornou Sapien Sapiens... Simplesmente excelso e arrebatador!

Ainda que, no fim (e em todo o restante, na verdade), a amargura e o desespero se fazem presentes e imensos...

Parabéns e muito obrigado por compartilhar algo tão sublime conosco, Sr Romão!

Atenciosamente,

Um ser encarcerado em uma camisa-de-força de sua própria Existência, Diablair.

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