Uma estrela para Luna.
Lirismo Defeituoso
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 26/01/17 16:34
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 13min a 18min
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Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

Esse é o texto do meu amigo secreto literário, ficou meio grandinho, mas espero que gostem <3

Capítulo Único Uma estrela para Luna.

Ela o olhava de cima a baixo com certo desprezo, o que haveria nele que agradasse a alguém mesmo? Era só um rato de biblioteca que usava roupas mais velhas que a sua avó. Além disso, parecia possuir uma deformidade no crânio que lhe causava incômodo só de olhar, seja o que for, ela não havia gostado da ideia de tê-lo em sua classe.

Espero que meu oxigênio não seja totalmente empesteado.

O menino simples e aparentemente miserável, após ser apresentado à nova turma, seguiu esbarrando-se nas primeiras cadeiras de uma fileira. Tentou conter o constrangimento, e assentou-se na terceira cadeira. Chamou mais atenção do que imaginava, pelo visto, já que a garota do lado oposto da sala não havia tirado dele os olhos desde que chegou.

Foi uma aula tediosa, era chato mudar de escola e recomeçar assuntos que já haviam sido estudados. Mesmo assim, física era sua disciplina favorita, e ele não podia desperdiçar a oportunidade de relembrar tudo outra vez.

Depois de uma manhã estranha [quase se sentindo triste como outrora], o sinal que indicava que todos estavam finalmente livres daquelas quatro paredes, soou.

Se perdeu na saída e foi parar em outro ponto de ônibus, ele nunca foi bom em gravar caminhos... malmente gravava suas músicas preferidas. A propósito, Ode To Joy, uma música muito mais velha que sua existência, lhe transmitia uma paz irrefutável. Lembrava-se de sua mãe toda vez que a escutava. No início, não entendia uma palavra, após ler sua tradução, concluiu que aquela era mesmo sua música favorita.

''Mundo, pressentes ao Criador?

Buscais além da abóbada estrelada!

Sobre as estrelas Ele deve morar.''

Sobre as estrelas Ele deve morar... Seus pensamentos foram interrompidos pela chegada do ônibus, no qual ele entrou sem hesitar. Cumprimentou o motorista, e deparou-se com a mesma menina que o olhava na sala de aula. Ela interrompeu a conversa com a amiga e o encarou. Ele, mais rápido do que poderia imaginar, assentou-se no primeiro lugar vazio que encontrou. Gostaria que fosse o mais distante possível dela, mas infelizmente não conseguiu.

Ah, nossa, isso não poderia ficar pior... Moramos no mesmo bairro? Que azar! Esse dia poderia acabar logo. – Ela pensou.

Chegou em casa muito mais tarde do que pretendia e sua avó logo foi perguntando:

- Dan, o que aconteceu?

- Desculpe, entrei no ônibus errado e foi meio complicado voltar pra casa. Mas não se preocupe, amanhã acordarei cedo e irei à pé, o dinheiro está mesmo contado e não te darei trabalho.

- Tudo bem, que bom que está bem. - disse ela, beijando-o.

A primeira semana na escola foi marcada por olhares tortos, murmurinhos e congratulações por parte dos professores. Parecia que ele nunca faria um amigo naquele lugar. Mas tudo bem, era normal.

Ponto alto da semana: aprendi a voltar pra casa pegando o ônibus certo.- sorriu.

Depois de um dia comum de aulas, ele novamente a encontrou. Será que era a vez dela de pegar o ônibus errado? Ele ainda não entendia o que, de fato, fazia pra que ela o detestasse. Talvez existir já fosse o suficiente. Mas isso já não o abalava tanto. Sua mãe dizia que as pessoas colocavam para fora tudo do que seus corações transbordavam. Talvez ela fosse só uma menina que precisava de ajuda pra cultivar coisas boas no coração.

Decidiu ousar e, ao passar, a cumprimentou:

- Boa tarde, Luna. - disse. Não obtendo resposta.

Assentou-se uma poltrona atrás dela e pôs-se a ler seu livro.

- Boa tarde. - disse a menina que agora se assentava do seu lado.

Espantou-se. Será que ela tem planos de me matar?

- Preciso de ajuda com Física, acha que pode me ajudar? Se não fosse por meus pais insuportáveis, não estaria passando por essa humilhação. Vir até aqui só pra isso nunca estaria em cogitação.

- Sim, eu posso.

A semana de provas se aproximava, sempre se dava no fim do mês, estudar com Luna já havia se tornado parte da rotina. Vez ou outra ele fazia piadas para quebrar o gelo, em algumas ela até ria! Ela era o tipo de garota popular que quase ninguém suportava, exceto suas amigas. Tinha um histórico longo no departamento "Pisarei Em Qualquer Um Para Conseguir O Que Quero" e, pelo visto, nunca seriam amigos.

Ela começou a tirar boas notas em Física e a ter facilidade com assuntos que lhe pareciam perturbadores antes. Isso era muito bom e ele ficava feliz por ter participação nisso.

Ela o havia observado por tempo suficiente para saber que era calmo e gentil - coisa que ela jamais foi - além disso, também era muito comprometido aos afazeres domésticos e ajudava a sua avó que tirava seu sustento de uma barraquinha de lanches. Nunca entendeu porque sempre o detestou, mas sabia que lhe devia um sincero pedido de desculpas... Principalmente por ter ditado a regra "na frente das pessoas, finja que nunca nos falamos", que ele aceitou sem questionar, apesar de certamente ter se ofendido.

No mesmo momento, aproximou-se dele que estava no canto da sala lendo e o cumprimentou. Ele não sabia o que fazer agora e ela prosseguiu:

- Desculpe por ter te proibido de falar comigo aqui.

- Tudo bem, Luna. Sorriu.

Antes que pudesse continuar, parte da turma dos maiorais da escola, entraram na sala e direcionaram à Luna a afronta:

- Então a patricinha agora é amiga do pé-rapado?

Ela somente os olhou. E uma de suas amigas mais próximas declarou:

- Tudo bem, Luna, fingiremos que não vimos nada, deixaremos você com seu novo amiguinho.

- Não somos amigos - protestou. Eu apenas vim dizer o quanto me canso de todos os dias ter que olhar pra ele. O que você está fazendo, Luna? Levantou-se e foi com eles.

Dan, perplexo, olhava pra um ponto fixo. O que teria sido tudo isso? Não poderia ficar nem mais um minuto ali. Pegou suas coisas e foi embora.

Sentou-se debaixo de uma árvore, lembrou daquela música e da sua mãe, começou a chorar. Não conseguia mais conter. Parecia mesmo estar fadado a sofrer. Em todos os diversos cenários, com o mais diversos personagens, a história parecia sempre se repetir.

Mãe, seria tão mais fácil se a senhora estivesse aqui...

Lembrou-se das tantas vezes em que ela o abraçava e dizia baixinho: O que mora sobre as estrelas deve se perguntar o que você faz perdido aqui embaixo... Tenho certeza que você é a mais brilhante estrela já criada. Chorava junto com seu filho, o beijava e já imaginava como seria quando ela não mais estivesse aqui. O câncer em fase terminal já havia sugado todas as suas forças.

Dan dormiu ali. Depois de muito chorar, decidiu levantar e ir à pé pra casa. Só não esperava ver Luna caminhando bem à sua frente. Ele estava sujo de terra e mais parecia um louco. Ela estava indo na mesma direção e ele a observou calmamente. Tentou sentir raiva ou qualquer outra coisa. Pensou que talvez se fosse vingativo um chute bem posicionado a faria nunca mais brincar com as pessoas assim... Mas não era disso que era cheio seu coração, somente diminuiu os passos, não queria falar com ela, não queria sequer vê-la. Ao ter diminuído os passos, viu passar mais rápido do outro lado um homem alto e encapuzado, com um andar suspeito, estava atravessando a rua na direção da garota. Ele correu, saltou sobre o homem e surpreendeu-se ao ver alguém que havia crescido consigo.

Luna deixou escapar um grito e depois paralisou-se.

O homem o olhou e pondo uma arma em sua direção, disse: Nunca tive razões pra te fazer mal, menino. Lembro de você. Lembro também da sua mãe... Mas agora eu estou com raiva! - berrou - O que pensa que está fazendo? Desde quando o cabeça de elefante é o salvador das madames?

Luna tremia e chorava. Se lembrou daqueles olhos que só queriam vingança... Cada palavra que disse para aquele homem a um ano atrás ecoava em sua mente. Se ao menos soubesse ser gentil uma vez na vida, se não sentisse tanto prazer em humilhar as pessoas...

- RESPONDA! - Disse em alta voz o homem, enquanto o Dan engolia em seco.

- Ela é... minha amiga. Por favor...

Minha amiga... a cena de algumas horas atrás, dentro daquela sala, veio à mente de Luna como uma martelada. Ela não conseguia falar ou mover-se, somente chorava... O homem subitamente abaixou a arma e deu meia volta. Dan abraçou Luna, como que por impulso. Olhou pro lado e quase seu coração parou.

Ele nos enganou.

Jogou Luna atrás de si e caiu no chão, contorcendo-se de dor.

Após o disparo, o homem saiu correndo.

Luna gritava aos quatro ventos pedindo socorro e ninguém parecia a escutar. O desespero em seus olhos só aumentava. Até que um carro parou bem ao lado uma mulher amável pôs Dan dentro do carro. Ela tremia, chorava, mas queria contar o que havia acontecido.

Chegaram rapidamente ao hospital, mas ainda no caminho ele perdeu a consciência.

[Nada tão surpreendente pra uma bala alojada na cabeça.]

Pediram a Luna para esperar, conseguiram contatar a avó do Dan e a moça que o levou também ficou a esperar. Abraçava Luna com toda a força e pedia-lhe para respirar fundo.

O médico, com semblante caído, olhou aquelas três moças e disse:

- Fizemos tudo que podíamos, mas ele entrou em coma e há grandes chances de não mais acordar.

- Não - Luna gritou desesperada. Suas forças se foram e ela caiu de joelhos. Como eu pude ser assim? Eu tinha tanto pra mudar, sempre quis ter um amigo, mas sempre os soube repudiar. O que eu farei agora? Nem poderei pedir perdão por tudo que eu fiz.

Naquele momento um filme lhe passou na mente e ela se via ouvindo as piadas e contendo seus risos só pra parecer mais durona. Poucas vezes sorria, quando realmente o riso lhe escapulia. Ela se viu o ignorando e fazendo piadas sobre suas roupas com os maiorais da escola. Ela o viu sorrir ao ouvi-la pedir desculpas e depois viu seu semblante cair quando, minutos depois, retirara tudo o que disse. Ela o viu pálido ao colocar sua vida em risco por algo em que ela havia tido culpa. A culpa sempre foi dela... Nunca conseguiu perdoar seus pais ausentes e por causa disso achava seu prazer em humilhar os outros. Talvez seus pais aparecessem para dar-lhe a tão sonhada lição. Nada justificava. Seus pais não justificavam. O problema estava nela decidiu não mais ser assim.

Viu seus pais entrarem no hospital e chorou ainda mais. Pediu perdão por tudo e também os perdoou. Todos abraçaram a avó de Dan, ele era tudo que ela tinha. Ainda estavam em choque e não sabiam pelo que esperariam.

Durante dois meses Luna fazia à Dan visitas semanais.

Estava se aproximando o dia em que todos teriam que finalmente decidir se desligariam ou não a máquina que o mantinha vivo. Até então, ele não apresentava melhora alguma. Ela foi visitá-lo mais uma vez, com o radinho de pilha que comprou pra deixar no quarto e uma música linda inundou o ambiente, a fez chorar. E ela decidiu escrever pra ele e ler logo em seguida.

Dan,

Nunca terei palavras suficientes para te agradecer por tudo o que fizeste à mim. Todos os dias que venho aqui, espero que você reaja, mas sei que estaria pedindo demais.

Nos últimos dois meses, muita coisa mudou. Não sou mais uma pessoa tão amarga, sua vó tornou-se amiga da família e disse que sempre ensinou a sua filha que "as pessoas colocavam para fora tudo do que seus corações transbordavam" e eu entendi porque você era tão amável mesmo quando todos te humilhavam.

Queria poder te pedir perdão por tudo isso.

Queria que você pudesse ouvir essa música linda... coincidentemente, é a mesma música que ouvi semana passada... chama-se "Ode To Joy", você certamente gostaria.

Ajudo alguns alunos com física e por isso não posso te visitar sempre. Meus pais tinham um ponto de vendas que nunca usaram e deram à sua avó, de presente. Ela faz os melhores lanches da região.

Acho que estou superando tudo aos poucos, sei que é muita informação, mas queria dizer que seu abraço é incrível.

Você é meu primeiro e sempre será meu melhor amigo.

Amor,

Luna.

Enquanto se recompunha da leitura, enxugava as lágrimas, e deixava sobre a mesinha de canto a pequena carta, olhou novamente pro seu amigo e sorriu. Certamente ele era uma estrela perdida aqui embaixo. A realidade a forçava a acreditar que era aquela sua última visita.

Deu as costas e caminhou em direção a porta.

- O melhor amigo? - uma voz rouca e fraca cortou o silêncio.

Ela não conseguiu virar-se, seu corpo vibrava, seus olhos marejavam.

- O único. - respondeu sorrindo enquanto corria e jogava-se naquele leito.

Chamou todos, fez festa, gritou. Nada foi tão maravilhoso quanto ouvir aquela voz de novo.

Aos soluços, ela pediu perdão outra vez, agradeceu-o por tudo que fez.

Sua avó chegou minutos depois, parecia incrédula, anestesiada, prantos foram partilhados entre todos .

Os dias voltaram ao normal no hospital, na escola, nas famílias envolvidas, mas nunca ninguém usaria "normal" para explicar o que Luna sentia.

Mãe, queria que estivesses aqui.

Vou te contar o que eu descobri:

O que mora sobre as estrelas

nunca deixou de sorrir pra mim.

Amor,

Dan.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Eu tirei a Savoir e admito que fiquei com medo de não conseguir. Espero que tenhas gostado <3

Apreciadores (5)
Comentários (3)
Postado 26/01/17 19:59 Editado 26/01/17 20:03

Olá! Eu realmente adorei a história e confesso que imaginei o final deprimente, com os dias se acabando e avó dele, finalmente, optando por desligar aquela máquina.

Ode to Joy <3, realmente é uma melodia incrivel e me surpreendeu, de certa forma, ao ver a pequena referência relembrei de quando praticava essa música no piano! É tão linda!

O modo que colocou as estrelas foi tão fofo, certamente as pessoas que moram sobre as estrelas devem estar sorrindo para ele! Eu realmente amei, muito obrigada. <3 Adorei do começo até o fim, e fico feliz por ter conseguido terminar. :D

Eu também me encantei com a Luna mudando, foi algo dificil e tão notável. Também quando aceitou aquela culpa e perdoou os pais, foi uma coisa que talvez, se fosse comigo, não conseguiria fazer isso. Apesar de parecer simples, aceitar e perdoar são coisas tão difíceis.

Novamente, obrigada pela história, eu amei! <3

Postado 26/01/17 20:02 Editado 26/01/17 20:03

Não imagina como foi reconfortante pra mim ler isso <3 - eu vi depois que uma das regras foi infrigida e fiquei meio desesperada , mas que bom que você gostou.

O final não poderia ser deprimente, tirei a moça que pediu um final feliz <3

p.s.: praticar piano sempre foi um sonho pra mim.

Postado 26/01/17 20:04

Eu sei, mas não consegui pensar em algo triste hahaha, mas eu realmente adorei! <3

Postado 19/02/18 13:21

Menina, quase chorei.

Esse texto está incrível demais para simplesmente dizer algo.

Parabéns

Postado 17/10/22 15:34

Oooohhh meu Deus, eu estou completamente dividida entre pensar de modo feliz, e pensar de modo triste...

Socorro, eu só sei que esse conto foi perfeitamente perfeito, e eu amei demais fazer essa leitura <3

Meus parabéns por sua escrita tão maravilhosa!

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