Nem todos os pores do sol são belos
Matheus Andrade
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 10/07/17 23:50
Editado: 13/07/17 18:17
Gênero(s): Crônica Suspense
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 10min a 14min
Apreciadores: 6
Comentários: 7
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Palavras: 1694
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Não recomendado para menores de catorze anos
Capítulo Único Nem todos os pores do sol são belos

Numa tarde com ventos fortes, frios e malquistos pelos três, eles estendiam as mãos e apontavam os polegares para os carros que transitavam na estrada. Afastaram-se um pouco da universidade porque era sábado e não tinham disposição para assistir a aula. Para não desperdiçarem o tempo, foram parar num sujo boteco cujo preço dos litrões era baixíssimo, o que foi decisivo para lá ficarem. Pensavam que uma tarde de algumas cervejas era a única opção interessante se comparada a uma tarde de aula. Não tinham condições de beber muito, mas mesmo que não os deixasse bêbados, esta bebida os inspira às conversas mais divertidas e longas, ainda que com uma moderação forçada pela falta de dinheiro.

Atendidos por uma simpática senhora, contaram uns aos outros com a empolgação de amigos de infância que eram as coisas legais e as banais que viveram desde o último encontro. Com o primeiro gole de cerveja, Carla foi a primeira a falar - com uma fala vagarosa, calculada e forçadamente despretensiosa, contou da noite anterior e fingiu desinteresse pela moça com quem saiu, e Ezequiel para não chatear fingiu não perceber a vontade que ela demonstrava de reviver a noite que passou.

- Tive uma corrida de bicicleta com dois caras que encontrei pelo caminho - neste momento foi Ezequiel quem tomou a palavra. - Eles estavam vestidos com aquelas roupas coladas e aerodinâmicas, enquanto eu tava com as minhas de sempre. Eles estavam muito bem preparados e me pegaram distraídos. Mesmo assim acabei com eles – finalizou ele, sentindo orgulho e com muita autoconfiança, esperando a aprovação e a admiração das amigas.

Alícia, dissimulando o fato de saber que tudo o que ele disse foi mentira, acenou afirmativamente ao fim da história. Para não remoer a história e aproveitar melhor a tarde, contou-lhes sobre as séries que assistiu nas horas vagas.

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O fim daquela tarde de cervejas já estava se evidenciando pelo excesso de cigarros que fumavam e pela grana que não tinham, quando o pôr do sol despontou no horizonte cinzento. Os três partiram para a estrada já sem dinheiro para pegar qualquer condução e foram buscar carona, balançando seus polegares para os carros que passavam. Por quinze minutos não conseguiram nada, mas foram persistentes, até que um Pálio azul parou para ajudá-los.

- Pra onde vão? - perguntou o motorista, com uma expressão séria.

- Para o centro.

- Entrem. – acatou ao pedido, mantendo um contato visual firme. Isto dito, entraram radiantes por terem encontrado o que precisavam e também por se sentirem isolados do vento gélido que soprava onde antes eles estavam.

O motorista era muito alto, tinha os braços muito largos e musculosos, com cabelo curto e castanho, cortado em estilo militar. Falava num sotaque forte de Pernambuco e possuía um olhar que nunca desviava dos olhos daqueles que a ele se dirigiam.

Com o carro já em movimento, se calaram mais por respeito do que por timidez. Nos oferece uma carona e vamos importuná-lo ainda mais com nossas conversas e nosso maldito hálito de cerveja? Já basta o cheiro de cigarro. E também, o que tenho para falar agora? pensaram entrementes. O motorista iniciou a conversação, não se sabe se pelo estrondoso ruído do silencio que o obrigou a assumir papel de anfitrião ou se, no entanto, por realmente ter um assunto sobre o qual falar.

Começou por perguntas convenientes, que exprimiam a insensibilidade normal, generalizada, do cidadão formado em uma sociedade mercadológica. O que fazem da vida os três jovens?... O que pretendem se tornar?... E o mercado de trabalho?... Não chegou a pensar em fazer Direito e não História, já que gosta de ler? Por que não Medicina ao invés de Biologia? Acostumados que são com situações do tipo, não se incomodaram mais do que o normal.

- A universidade está lotada de duas gentes que eu não entendo, vocês concordam comigo? – disse ele.

- Quais? – perguntou Alícia, franzindo o cenho e lutando consigo mesma para transparecer curiosidade, já que o papo do motorista começou a estranhá-la. – Tem várias pessoas que eu não entendo, sinceramente...

Ela era a mais diplomática dos três amigos, agia com a naturalidade própria dos grandes oradores. Em situações do tipo, assumia o diálogo em qualquer grupo que estivesse. Alícia já foi diretamente atingida por muitos discursos com lugares-comuns, cujos argumentos a diminuíam pelo fato de ter pele negra e um grande cabelo Black Power. Era natural que ela tivesse receio de ser atingida pelo discurso que viria.

- Ah, mas não é óbvio? Já é o estereótipo, garota! – ele continuou.

- Mas não te entendo – disse Alícia,

- Ah! O que mais tem nesse lugar é, um – disse, levantando o dedo indicador. - , comunistas e dois – continuou, com o indicador e o anelar -, drogados. O que fode é que não é tão difícil de achar universitários que são comunistas e drogados ao mesmo tempo.

“Primeiro, os esquerdistas derrubam um regime mais do que consolidado na Rússia, se utilizando de uma doutrina mais do que falida, que já nasceu falida e se tornou ainda mais. Depois chamaram mais nações para participarem da união dos sovietes – da sua farsa -, e elas pereceram por muitas décadas naquele governo. Fome, eu falo de fome! Eu falo de milhões de ucranianos mortos!”

Entreolharam-se chocados.

EM QUE LUGAR ESSE CARA APRENDEU A TER CORAGEM DE DIZER TANTA MERDA? ONDE FUI PARAR?” pensou Carla. Não era a primeira vez que cada um deles se sentia desajeitado numa carona, mas nunca a eles havia acontecido com tanta veemência, por isso sempre consideraram uma boa opção na falta de dinheiro. Boa ou má, é a única.

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Carla ficou absorta na paisagem da cidade que se movimentava pela janela. Intercalou a visão de seu cabelo liso que ia até os ombros, de sua face alva e rosada no reflexo do carro, com a outra vista das ruas e dos transeuntes. É uma excelente cronista, presta muita atenção nas pessoas que passam para tentar adivinhar o que estão a pensar, quais as suas motivações para quererem chegar em casa ou para estarem fora dela. O carro do Motorista Exaltado ultrapassa as casas, e ela analisa a personalidade dos contornos arquitetônicos e o que pode haver dentro delas. A arquitetura do domicílio expõe muito sobre os donos e se nada dizem sobre seus gostos e interesses, são claras sobre a condição social.

Demorou a perceber, mas eles estavam indo bem mais para o leste ao passo que o centro em contrapeso era para oeste. O condutor não dava sinais de que mudaria a direção e rumaria ao centro. No sol desaparecendo por completo, entraram em um bairro bem afastado, pontilhado por terrenos baldios cujas ruas eram estreitas e escuras. Se Carla já não estava assustada o suficiente, esta visão, na circunstância na qual estava, bastou.

- Sabiam que é em situações adversas que a gente mais aprende? – disse o Motorista, lacônico.

- De fato, algumas vezes aprendi alguma coisa em situações que eu não tinha previsto – disse Alícia.

- Pensem dessa forma – Olhou para Alícia e voltou-se para os outros dois colegas no banco traseiro. – Será melhor se pensarem assim.

- Sabe, esses universitariozinhos tem tanta pretensão. – recomeçou o Motorista.

- O que disse? – respondeu ela, sobressaltada. - Pra onde estamos indo?! – Alícia enfureceu-se.

- Têm imaginações pretensiosas e ficam em saraizinhos banais recitando seus poemas e pedindo carona a estranhos porque leram Jack Kerouac e acham que fazendo isso ficarão mais legais. Ainda ficam distribuindo sorrisos falsos. Mas vocês não mudam porra nenhuma do mundo, sabia?

- Pra onde estamos indo?! – perguntou Alícia. O motorista estava fazendo menção de continuar, mas ela, enfurecendo-se, cortou a fala.

“TÁ LEGAL, AGORA FICOU MUITO ASSUSTADOR!” pensou Alícia.

Ao virar uma vez mais para a direita e afastar-se ainda mais do ponto de carona combinado, chegaram a uma rua deserta. O homem manobrou o carro, encostando-o ao paralelepípedo que ficava defronte a um terreno relativamente pequeno, porém vazio e tenebroso.

- Vocês sabem o que faço com quem me interrompe? – disse com uma fúria transparecida na face, com as veias das têmporas e do pescoço saltadas. Alícia, Carla e Ezequiel ficaram acobardados. Numa pausa, ele encarou cada uma das faces dos estudantes.

- DESÇAM JÁ DO CARRO! – gritou ele. Assim como outros, abriu a sua porta.

A calçada estreita ficava ao lado direito do carro e eles saíram pelas portas nesta direção. O Motorista saiu pela esquerda como que para cercá-los... Fora de si, num passo vagaroso, abriu um pequeno sorriso de canto de boca e encarou-os parados na escada a olharem de volta para ele, sem entender bem aquilo.

PUTA MERDA, EU SÓ QUERIA IR PARA O CENTRO!”, pensou Ezequiel, ainda mais transtornado do que as outras, porque esteve dormindo durante todo o percurso.

Ele sacou uma pistola 9mm e a apontou para os três jovens, com um sorriso completo de contentamento (o primeiro que deu durante toda a viagem) que só conseguiu mostrar ao usar toda a elasticidade do seu rosto.

- Solta essa arma, seu babaca! – disse Ezequiel, num ímpeto irracional.

- Não me provoque, você não sabe o que eu posso fazer com você. E não só com você, disso você também sabe... – ratificou o Motorista, com teu sorriso a sumir por inteiro do rosto, empunhando um revólver na mira da cabeça de Ezequiel. Este se assustou ainda mais de forma a não conseguir parar de tremer. Num momento como este, sua imaginação era maior inimiga do que o louco que apontava uma arma em sua cabeça.

- Você não precisa fazer isso. A gente só estava sem dinheiro e precisávamos chegar ao centro da cidade! – disse Alícia.

Não tinham para onde correr. Não tinham como correr. Sentiam arrependimento e incompreensão por terem se metido nessa.

Ao invés de avançar, o Motorista foi recuando passo a passo em direção à porta do carro, tão lentamente como havia saído dele, ainda com a arma apontada para a mesma pessoa. Num lento passo, o homem chegou à porta de motorista do veículo, ainda com a arma empunhada...

- Sou Policial Federal. E vocês deviam ter mais cuidado ao saírem como uns loucos pedindo carona por aí – disse ele. Desviou lentamente a mira da cabeça do garoto. - Jack Kerouac não tem vez aqui. – e nisso ele abaixou a arma por completo.

Entrou no carro, deu partida e acelerou.

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Notas de Rodapé

Este é um dos meus primeiros contos. É o primeiro que publico e bateu aquele cagaço aushusah. Tenham paciência, mas critiquem, enviem sugestões porque precisarei

:D

Apreciadores (6)
Comentários (7)
Postado 11/07/17 00:25

Conto muito bem desenvolvido e engraçado Hahaha adorei como o final surpreende, mas há pistas sobre ele no desenvolvimento do conto (como na fala do motorista "Sabiam que é em situações adversas que a gente mais aprende?")

E você tem diálogos muito bons!!!!!!!!

Amei ❤️

Postado 11/07/17 00:44

Sim, ficaria ainda mais surpreendente sem essa fala

Obrigado!! <3

Postado 11/07/17 00:51

Gostei do conto e que fiinal interessante, porém tem alguns erros de conjugação e de plural, que eu consegui notar. Também quero pedir para que tente não repetir tantas vezes uma mesma palavra em na oração (por enquanto é isso, espero que minhas digas não tenha saído rudimente).

Bem-vindo ao site, obrigado por posta este pelo conto.

Shizu <3

Postado 11/07/17 13:24

De maneira alguma. Estou aqui pra aprender.

Obrigado!! :D

Postado 05/08/17 17:54

Que história!!!!

Achei surpreendente!!!!

Cada detalhe foi essencial para a história!!!

Uma obra prima incrível e maravilhosa!! *-----*

Sr. Matheus, meus sinceros parabéns por esse texto!!!

Um abraço,

Meiling!!

Postado 06/08/17 23:36 Editado 06/08/17 23:37

Amei os adjetivos, e novamente me sinto derretido. Um dos presentes favoritos que o acaso me reservou na minha -ainda- curta vida foi a de ter leitores atentos ao que escrevo: são pouquíssimos, mas as críticas e os elogios me elevam.

E é uma novidade para mim, visto que nunca tinha publicado em nenhuma plataforma. Quantas sensações eu conheci, enfim, com a escrita literária... com este site <3

Postado 09/08/17 17:37

Fico muito feliz em saber que meus comentários e elogios te fizeram feliz!!!

Quando gosto de algo, faço questão de demonstrar bem demonstrado rsrs

Eu gosto de escrever desde que sou pequena... mas só fui criar coragem para postar algumas coisinhas lá pra 2012, e era só fanfic sobre Pokémon e Inazuma Eleven <3

Depois demorou para postar os textos autorais assim, como os que eu posto aqui na Academia!!

E você, gosta de escrever desde pequeno? Ou criou gosto já adolescente?

Um abraço, Meiling!

Postado 17/11/17 10:12

Muito bom. Particularmente, não gosto de textos que tentamos criar mocinhos e vilões por questões de ideologia política. Pra mim, desfavorece o texto.

Mas como disse, o texto tá muito bom. A narrativa é bem elaborada, pois conta a história de forma clara e que prende o leitor.

O enredo também agrada, pois conta uma história diferente do que se lê por aqui e traz uma história realmente de suspense.

Só achei o final meio nada muito ver, hehe. A história simplesmente acabou. Acho que faltou descrever melhor essa parte, com mais detalhes.

Parabéns!

Postado 27/03/18 01:35

Obrigado pela sinceridade. Até concordo com as suas críticas, com excessão da que afirma que eu crio mocinhos e vilões - posso até me expressar mal nos enredos, mas discordo de qualquer visão maniqueísta. Talvez tenha um erro em sua interpretação: fascistas realmente são perigosos, e isso é o que foi retratado.

As críticas só elevam.

Obrigado! :D

Postado 11/12/17 22:19

Nossaaaaaaa, que história sensacional.

Quando eles entraram no carro, imaginei que daria alguma merda. Aprendi que não falar com estranhos, é a mesma coisa que não aceitar caronas de estranhos. Acho que depois desse susto, os três mosqueteiros nunca mais vão pedir carona de um desconhecido.

Como sempre, tua escrita está impecável. Meus parabéns, moço ❤

Postado 27/03/18 01:38

Gosto tanto dos seus comentários <3

Muito obrigado. Espero conseguir voltar a conseguir visitar o site com mais frequência. Você, por exemplo, eu nem conhecia no tempinho em que eu visitava frequentemente. Vou voltar pelo menos nos fins de semana pra conhecer os novos textos e os velhos que eu não havia notado.

Um abraçoooo

Postado 05/01/18 00:13

Eu amei esse final. Realmente, carona com estranhos não rola!

Sua obra é muito boa! Parabéns!

Postado 27/03/18 01:38

Agradecidíssimo, como de costume! :D

Postado 21/10/18 23:07

Não tenho nem o que dizer depois de tantos comentários e sensatíssimos e maravilhosos sobre essa sua primera obra aqui, incrível, engraçada e surpreendente!

Parabéns, é muito boa!