Os meninos e o poeta.
Nilton Victorino Filho
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 17/07/19 22:25
Editado: 18/07/19 21:29
Gênero(s): Cotidiano
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 4min a 5min
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Palavras: 702
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Livre para todos os públicos
Capítulo Único Os meninos e o poeta.

Nas férias escolares de 79/80, o Banco do Brasil promoveu, entre as escolas de São Paulo, um concurso de literatura, conhecimentos gerais sobre autores e obras literárias brasileiras.

Bom, é certo que ninguém contava que os ganhadores por São Paulo fossem oriundos de escola pública e, muito menos que eles fossem internos de um orfanato no Butantã.

O Satírio respondia sobre José Lins do Rego, ao Miguel coube defender a obra de Graciliano Ramos e, esse seu criado representava o Josué Montello, cada estado tinha quatro representantes e, como não havia um quarto membro, eu respondia também pelo grande Jorge Amado.

Como eu, os outros integrantes gostavam de gibis de super-heróis, eram comunistas e fãs do Grêmio Educandário, fundamos o clube dos maus, cujo os únicos membros éramos nós e, o nome era uma alusão à nossa perébice crônica no futebol.

Numa das etapas, minutos antes da disputa, uma menina de origem japonesa, que representava Minas Gerais, me disse que estudava oito horas por dia e queria saber se eu fazia o mesmo.

_. Estudar???Está maluca???Tenho a minha vida para viver.

Naquele momento, eu sabia que todos os internos do Educandário Dom Duarte estavam esperando a sua hora de cair na piscina, os meus amigos do 14 estavam tentando achar o cacho de bananas que eu havia enrustido na véspera.

A certa altura percebemos que, às nossas custas, algumas pessoas estavam lucrando e ganhando prestígios, eu fui o primeiro que falei a respeito e, havia uma questão mais séria ainda...o Grêmio jogava sem a nossa presença.

Resolvemos que acharíamos um jeito para sair desse barco furado, por hora, as medalhas eram bem-vindas, cada etapa valia uma medalha, enquanto eles ganhavam uma, eu ganhava duas.

Na etapa do Rio de Janeiro a dona Djalmira nos vestiu com roupa de gala, calça da Liga, Bamba branco e camisa azul da fanfarra...aqui eu faço uma pausa para lembrar que a camisa da fanfarra lembrava a roupa da tripulação de "Jornada nas estrelas", ficamos bem bonitos mesmo.

Como turismo, essa experiência não foi grande coisa, sequer tivemos tempo de ir à praia ou saborear a piscina do Copacabana Palace, tínhamos uma babá particular, que não nos largou nem por um segundo.

Depois do concurso, onde arrastamos mais quatro medalhas, corremos para o elevador do hotel, iríamos ao quarto que estávamos hospedados, pegaríamos as nossas coisas e embarcaríamos de volta para São Paulo, quando já se fechava a porta, um senhor veio correndo no saguão e pedindo que alguém segurasse para ele entrar, travamos a porta, ele agradeceu e entrou.

Olhamos o poeta com um ar de admiração e ele sorria para nós, pensando que eu não havia reconhecido o grande Carlos Drummond de Andrade, o Miguel me cutucou.

Vendo que usávamos roupas combinando, ele perguntou:

_. Vocês são de alguma escola de Minas???

Balançamos a cabeça em negativa e o Miguel respondeu:

_. Não, somos de um colégio de São Paulo.

_. Sabem quem sou eu??

Respondemos ao mesmo tempo:

_Carlos Drummond de Andrade.

O poeta ficou espantado, o mais velho de nós era o Satírio e, ele tinha 13 anos, explicamos o motivo da nossa presença ali e ele entendeu o motivo das crianças o reconhecerem sem pestanejar.

_ E, vocês sabem algum poema meu???

Rimos e tomamos fôlego, na cabeça dele, agora viria o poema que todas as crianças sabem de cor e salteado, ele se preparou para ouvir "E, agora José" e o que veio de nós o deixou sem fala.

O Satírio declamou os dois primeiros versos, eu continuei mais dois versos e o Miguel arrematou o último.

"Eu preparo uma canção

Em que minha mãe se reconheça

Todas as mães se reconheçam

E que fale como dois olhos

Caminho por uma rua

Que passa em muitos países

Se não se veem, eu vejo

E saúdo velhos amigos

Eu distribuo um segredo

Como quem ama ou sorri

No jeito mais natural

Dois carinhos se procuram

Minha vida, nossas vidas

Formam um só diamante

Aprendi novas palavras

E tornei outras mais belas

Eu preparo uma canção

Que faça acordar os homens

E adormecer as crianças"

Quando terminamos ele estava completamente boquiaberto, pediu para a nossa acompanhante nos liberar, nosso café da manhã foi em companhia de um imortal.

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Apreciadores (3)
Comentários (3)
Postado 17/07/19 22:59

Voce tem uma escrita interessante e significativa. Muito bom ver escritores assim. Continue

Postado 20/08/20 20:14

Existem autores que nos prendem em suas histórias por meio de risadas, eventos extraordinários e uma narrativa cativante. Você, como sempre, consegue fazer tudo isso e mais um pouco!

A leitura me prendeu do início ao fim, mas quando a leitura chegou perto do final e aquele ocorrido começou a se iniciar, fiquei boquiaberta como o poeta em questão. A narrativa é leve e espontânea, e nos embala em uma leitura cheia de aventuras, risadas e poesia!

Obrigada por compartilhar essa obra incrível conosco!

Parabéns, como sempre, Nilton ♥

Postado 31/08/20 15:37

Nilton!! Essa história foi de uma beleza muito imensa!!

É tão bonito ver como vocês participaram do concurso!! E como foram tão bem! Me enche o coração de alegria!!

E essa experiência de terem conversado com Drummond em pessoa, isso foi realmente lindo!!

O encontro com o poeta imortal deve ter marcado cada um de vocês de tal modo que deve ter sido maravilhoso e inesquecível <3

Parabéns pelo lindo texto <3

Um grande abraço <3