SÉTIMA CENA (PARTE 3): INCONSCIENTE DA TERNURA - TEMPO CONGELADO
A jovem Ternura caminha descalça por um imenso e belo jardim. Ela olha ao redor encantada e, conforme anda, flores brotam em baixo de seus pés. Ao ver uma grande árvore no meio do jardim, ela sorriu.
TERNURA (sussurrando): Foi aqui que eu nasci…
VOZ DESCONHECIDA: Sim, foi ali que Diablair a encontrou.
Ternura olha para trás e, ao ver quem era, começou a chorar e correu na direção da mulher que era igual a ela.
TERNURA (chorando): Mamãe...
DEUSA (sorrindo): Você cresceu tanto… Sempre me impressiono como o tempo passa rápido.
TERNURA (bufando): Você sempre diz isso, mas eu não cresci nadinha.
DEUSA (rindo): Não estou falando do seu tamanho, querida. Estou falando do seu coração.
[A pequena Ternura sorri. Ambas passam a caminhar em direção à grande Àrvore das Maldições do Bem e do Mal, localizada no centro do Jardim da Deusa. Tanto a Deusa, quanto a Ternura deixam um rastro de flores conforme andam. Todos os animais do jardim acompanham a mulher e a pequena menina. Chegando na Àrvore, ambas se sentam.]
TERNURA: Por que estou aqui, Mamãe?
DEUSA (suspirando): Você é a mais nova, mas ainda assim é a mais direta, não é mesmo?
TERNURA: Bom, eu nunca fui boa com metáforas.
DEUSA: Algo que não puxou de mim, certamente… Bom, você está aqui para me fazer companhia, enquanto suas irmãs estão tendo batalhas internas.
TERNURA (arqueando a sobrancelha): Algum motivo especial para eu não estar em uma batalha interna, também?
DEUSA: Acredito que a luta que elas estão tendo, você já travou muitos anos atrás… com Diablair, só que de uma maneira diferente…
[Ternura encara o chão, mas seu olhar está vazio e distante. A Deusa se aproxima e coloca a mão nos cabelos ondulados e castanhos da pequena Ternura]
DEUSA: Sei que não foi fácil e que…
TERNURA (sussurrando): Sabe? Você não tem noção nenhuma do que eu passei…
DEUSA: Tenho, pois senti em meu coração todas as suas dores, medos e frustrações. Eu sentiria na pele, mas, como você bem sabe, sou só um espírito agora.
[Ternura permanece calada. Os pássaros cantam nas árvores ao redor e o vento sopra, levando as folhas para longe]
TERNURA: Eu senti você por perto o tempo inteiro, mas ainda assim me senti muito sozinha…
DEUSA: É assim que eu me sinto o tempo inteiro, tanto em relação a você e suas irmãs, quanto em relação aos meus seguidores.
[Ternura arregala os olhos]
DEUSA: Ternura, você simboliza a gentileza da natureza que nos permite viver em seu meio. Você é o instrumento pelo qual o homem descobre o significado da gratidão em existir. Entretanto, justamente por você ser tão boa, você é a mais subjugada. Você se esforçou para ser forte, quando ninguém enxergou força em você. As pessoas insistem em confundir ternura com fragilidade e esquecem de ver que por trás disso existe uma força da natureza imparável. Agora você entende porque sua forma original é a de uma criança? Você é uma garotinha, mas ninguém, nem mesmo suas irmãs, aguentariam o treinamento sombrio que você teve. Não digo isso para menosprezá-las, mas, sim, porque cada uma de vocês é especial de uma maneira diferente. Vocês três possuem forças diferentes...
TERNURA: Agora que a senhora explicou isso, realmente faz sentido… Mas eu não esperava que Tristeza e Tortura pudessem ficar mais fortes. Digo, elas já são tão poderosas...
DEUSA: Bom, não é como se elas fossem aprender um poder misterioso novo, é mais o que elas vão conseguir por meio dessas batalhas internas…
TERNURA: Acho que não estou entendendo, mamãe…
DEUSA: Você se lembra do artefato que ganhou após seu treinamento?
TERNURA: Sim, eu o chamei de Frasco da Bondade. Após meu treinamento, eu o reduzi e transformei-o neste pingente.
[Ternura mostra o pingente com cordão de ouro que sustentava um pequeno frasco com água dentro]
DEUSA (sorrindo): Não, criança, eu o chamei assim. Esse artefato foi oferecido para conter o meu sangue no altar de separação. Foi através dele que você nasceu. A água dentro do frasco foi o meu sangue.
TERNURA (incrédula): O sangue se tornará água e a água gerará vida¹.
DEUSA: Exatamente… Você está começando a se lembrar.
[Ternura coloca as pequenas mãos nos olhos, tentando absorver a enxurrada de lembranças do dia em que a Deusa separou sua alma em três partes.]
DEUSA: Agora você entende o porquê consegue mudar de forma agora?
TERNURA: Sim, realmente... Mas não consigo ficar na minha segunda forma por muito tempo. Apesar do treinamento que tive e dos estudos que fiz, não encontrei uma solução para isso… É como se o tempo passasse e eu nunca crescesse de verdade…
DEUSA (rindo): Uma alma velha em um corpo jovem.
TERNURA (bufando): Olha só quem fala: a Deusa de 3 milênios de idade.
[A Deusa inclina a cabeça para trás e solta uma risada alta. Ternura sorri com a reação da mãe. Após se recompor, a Deusa coloca carinhosamente o dedo indicador no nariz de Ternura]
DEUSA: Minha pequena Ternura, eu amo todas as suas formas, mas já está na hora de você começar a crescer como os outros. Você já é muito forte, mas foi necessário esse tempo de provação para que você entendesse que: não importa o tamanho do seu corpo, se a sua alma é grande.
[A Deusa se levanta e caminha até o lago. Ternura a segue.]
TERNURA: Mas eu não sei como me manter em minha segunda forma permanentemente.
DEUSA: Querida, tem certeza que não sabe? Alguns minutos atrás você havia dito a resposta.
[Ternura permanece calada e com o semblante confuso por algum tempo. Após alguns minutos, ela arregala os olhos]
TERNURA: O sangue se tornará água e a água gerará vida!!!!
[A Deusa sorri para a Ternura, que está desrosqueando o Frasco da Bondade]
TERNURA: Não acredito que a resposta estava, literalmente, embaixo do meu nariz o tempo inteiro.
DEUSA (rindo): Definitivamente você não é boa com metáforas.
[Ternura encara o conteúdo do Frasco da Bondade]
TERNURA: À sua saúde, Mamãe.
[Ternura bebe a água dentro do Frasco da Bondade. Após fazê-lo, ela pisca e encara o próprio corpo, buscando mudanças]
DEUSA (rindo): Você precisa acordar para ver sua última forma.
TERNURA: Então esse é o meu último momento como pequena Ternura…
DEUSA (cobrindo a boca com a mão para abafar a risada): Bom, você ainda vai continuar sendo a mais nova e mais baixa que suas irmãs.
TERNURA: Para uma Deusa de 100 milênios de idade, você tem um senso de humor sem igual, não é?
[A Deusa se aproxima de Ternura e a abraça]
DEUSA: Parece que o nosso tempo juntas terminou… Saiba que eu tenho muito orgulho de você e das suas irmãs. Vocês três são as melhores partes do meu coração.
[Os olhinhos de Ternura ficam marejados]
TERNURA: Eu não quero c-c-c-chorar, porque hoje é meu aniversári-i-i-o de verdade e eu finalmente vou crescer… Ma-a-a-a-s…
[Ternura está aos prantos. A Deusa continua abraçada com ela, enquanto acaricia seus cabelos castanhos]
DEUSA: Está na hora de você voltar para as suas irmãs, minha pequenina Ternura.
TERNURA: Mas eu não quero… Não quero abandonar você… Não quero te deixar sozinha, porque eu te amo tanto…
DEUSA (sorrindo): Como eu me sentiria sozinha, sendo que você e suas irmãs sempre estão em meu coração?
VOZ DE FUNDO: Antes que a pequena Ternura pudesse responder, seus olhos se abriram e duas figuras idênticas a ela estavam encarando-a. Era possível ouvir estrondos do lado de fora, mas Ternura só conseguia ouvir as batidas aceleradas do próprio coração. Tristeza e Tortura sorriam para Ternura.
TERNURA: Irmãs… Tristeza, você está sorrindo!!!!
TRISTEZA (sorrindo): Sim, aprendi muitas coisas em minha batalha.
TORTURA (cruzando os braços): E você andou viajando no tempo para estar com toda essa cara de adulta?
[Ternura se levanta abruptamente e corre na direção do espelho. Ao ver seu novo eu, a garota fica com os olhos marejados. Tristeza e Tortura se aproximam, ambas com o semblante mais maduro, como se os minutos que houvessem passado enquanto estavam desacordadas, tivessem durado anos. Ternura toca o próprio rosto, encantada com sua aparência]
TERNURA: Eu sou tão… tão… tão…
TORTURA (apertando as bochechas de Ternura): Bonita?
TRISTEZA: O tempo lhe foi generoso, minha irmã.
TORTURA: Não tanto quanto foi comigo. Olhem só o tamanho desses peitos!
[Tristeza e Ternura riem, mas um estrondo do lado de fora da sala quebra o encanto do momento]
TRISTEZA: Nossa família está lutando para nos proteger. É o que a chuva do lado de fora me diz.
TERNURA: A chuva?
TORTURA: A sonambula dominou completamente a água.
[Ternura bate palmas, orgulhosa da irmã. Tristeza fica corada. Tortura caminha em direção a garrafa dos 7 Ventos e a segura]
TORTURA: Eis aqui o nosso plano: vamos prender o Duende aqui dentro.
TERNURA: Mas como? Ele não vai entrar aí de boa vontade.
TORTURA (bufando): Sim, é claro. Precisamos lutar contra ele. O que quero dizer é que essa garrafa possui os 7 Ventos de Éolo, quando tirarmos a tampa, esses ventos irão puxar para dentro do recipiente tudo o que estiver na frente. Acredito que tudo em um raio de 1000 quilômetros pode ser sugado.
TERNURA: Mas pessoas inocentes podem acabar morrendo por causa disso.
TRISTEZA: Sim, mas nós temos um plano para não permitir que isso aconteça.
TORTURA: Nós três vamos criar uma barreira. Não foram somente os nossos corpos que cresceram, mas também os nossos espíritos e, automaticamente, os nossos poderes.
TERNURA: Ainda assim, alguém teria que ficar dentro da barreira para abrir a garrafa.
TORTURA: Sim, eu ficarei.
TERNURA (gritando): O QUE?
[Tristeza coloca uma das mãos no ombro de Ternura.]
TRISTEZA: Ela é a única que pode fazer isso.
TERNURA: Mas ela pode morrer, Tristeza!
TORTURA: Assim como posso reviver. É meu trabalho proteger vocês e minha família. Além disso, eu não pretendo morrer.
[Ternura arqueia as sobrancelhas]
TERNURA: E como você pretende se manter presa dentro de uma barreira segurando uma garrafa para prender um duende maluco, enquanto luta com ele?
[Tortura sorri sombriamente.]
TORTURA: Usando um clone.
[Ternura fica boquiaberta. Tristeza ri]
TRISTEZA: Vamos confiar em nossa irmã mais velha, Ternura.
[Ternura coloca uma das mãos na testa, demonstrando preocupação, mas solta um suspiro de rendição. Ela se aproxima de Tortura.]
TERNURA: Se você morrer, eu juro que te mato.
TRISTEZA: Não acho que ela vai morrer nessa altura do campeonato, principalmente agora que ela pode, finalmente, reproduzir e não é somente dos clones que eu estou falando.
[Ternura cora]
TORTURA: Ironia não lhe cai bem, Tristeza.
TERNURA: Já chega! Vamos sair, encontrar aquele duende maligno e salvar a nossa família.
VOZ DE FUNDO: As trigêmeas se viraram no exato momento em que a porta voou para o outro lado da sala. Passando por dentro da nuvem de fumaça da explosão, Rumpelstiltskin ri e caminha para dentro do cômodo. A verdadeira batalha começaria agora.
FIM DA SÉTIMA CENA (PARTE 3)