Eram eternos os degraus dourados que levavam ao topo da grande estrutura central de Xibalba. Eternos o suficiente para que toda vez que Iktan os subisse carregando seus semelhantes, parasse para refletir o acordo que havia feito há muito tempo. Lembrava-se perfeitamente de cada momento e instante que sua tribo sofreu nas mãos do deus-monstro. Quando se deitava para descansar, ao fechar os olhos podia ouvir o incessável ruído dos morcegos que tomaram o céu naquele período. Foram dias longos e escuros, o monstro recusava qualquer oferta de paz que lhe era proposta, por um momento deixaram de ter esperanças e foram observando as criaturas levarem um por um, sem deixar nenhuma gota de sangue sequer.
Iktan se recusava a deixar que sua tribo se esvaísse nas mãos de criaturas infernais, propôs então um acordo de servidão e sacrifício. As almas seriam entregues à ele em Xibalba e ele pouparia a extinção da tribo, levaria suas criaturas para o submundo e elas não mais reinariam na superfície. Servidão e sacrifício exigem fardos com pesos inexplicáveis, as oferendas não poderiam ser apenas membros da tribo, mas também de seu sangue e deveriam ser mortas por suas próprias mãos para que o sofrimento do jovem espertalhão fosse tão longo quanto seu juramento. O deus-monstro amaldiçoou o homem com a vida eterna e seus descendentes com a infertilidade, e todo ano o já não tão jovem, subia os degraus do templo da besta com alguém que um dia lhe fora parte da vida. Andava sob do ruído que lhe roubava os sonhos todas as noites, cruzava vez ou outra com mortalhas que não sabia se eram suas ou não.
Se olhasse para cima com esforço, podia ver relances das chamas das gigantes fogueiras que eram feitas nas noites de sacrifício e ouvir o som dos tambores que só paravam com o nascer do sol para terem a certeza de que a névoa de morcegos não mais voltaria.
O corpo que era carregado naquela noite era de seu último filho, seu último sacrifício. Ele não havia contado essa parte da história aos membros da aldeia que comemoravam mais um ano na luz, se sentia um traidor, mas havia sofrido tanto após incontáveis sacrifícios que já não lhe importava mais o que aconteceria dali em diante.
O deus-monstro estava sentado em seu trono de ossos, seu nome era Camatotz, a grande criatura com corpo de homem e asas e cabeça de morcego, governante da noite. Sorriu ao ver que no homem já não havia mais o corajoso e destemido guerreiro que sacrificaria tudo por seu povo, a imagem era deprimente, um velho cansado e amargo que havia perdido tudo, inclusive sua fé. Um prato cheio para o submundo e para seu exército.
“Já pagou caro demais e não me é mais útil.” disse a criatura. “Deixe que a água seja tingida de vermelho agora, Iktan.”
E então, quando um ponto laranja surgiu no céu, a tribo comemorou, agradecendo o nascer do sol. Os gritos eram tão altos que quase amenizaram o bater de asas e os ruídos dos morcegos que surgiram de dentro do grande círculo. O ar soprou quente como brasa quando Camatotz pousou no centro das grandes fogueiras e conduziu a névoa de suas criaturas envolta de todos ali presentes. Um por um, foram caindo com os olhos ainda abertos de espanto restando neles apenas o brilho de esperança de quem ansiava um grande ano de luz e em seu reflexo, as névoas da besta festejavam a chegada da tão esperada noite eterna.
Parte de sua jornada era aceitar que nem sempre a luz do horizonte traria coisas boas.