O Camatotz
vhladrac
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 28/02/21 21:16
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 5min
Apreciadores: 2
Comentários: 1
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Usuários que Visualizaram: 7
Palavras: 606
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Não recomendado para menores de catorze anos
Notas de Cabeçalho

Oi gente!

Mais um conto que faz parte do "Livro de Contos Estranhos do tio Franz"

Espero que vocês gostem!

Boa leitura!

:)

Capítulo Único O Camatotz

Eram eternos os degraus dourados que levavam ao topo da grande estrutura central de Xibalba. Eternos o suficiente para que toda vez que Iktan os subisse carregando seus semelhantes, parasse para refletir o acordo que havia feito há muito tempo. Lembrava-se perfeitamente de cada momento e instante que sua tribo sofreu nas mãos do deus-monstro. Quando se deitava para descansar, ao fechar os olhos podia ouvir o incessável ruído dos morcegos que tomaram o céu naquele período. Foram dias longos e escuros, o monstro recusava qualquer oferta de paz que lhe era proposta, por um momento deixaram de ter esperanças e foram observando as criaturas levarem um por um, sem deixar nenhuma gota de sangue sequer.

Iktan se recusava a deixar que sua tribo se esvaísse nas mãos de criaturas infernais, propôs então um acordo de servidão e sacrifício. As almas seriam entregues à ele em Xibalba e ele pouparia a extinção da tribo, levaria suas criaturas para o submundo e elas não mais reinariam na superfície. Servidão e sacrifício exigem fardos com pesos inexplicáveis, as oferendas não poderiam ser apenas membros da tribo, mas também de seu sangue e deveriam ser mortas por suas próprias mãos para que o sofrimento do jovem espertalhão fosse tão longo quanto seu juramento. O deus-monstro amaldiçoou o homem com a vida eterna e seus descendentes com a infertilidade, e todo ano o já não tão jovem, subia os degraus do templo da besta com alguém que um dia lhe fora parte da vida. Andava sob do ruído que lhe roubava os sonhos todas as noites, cruzava vez ou outra com mortalhas que não sabia se eram suas ou não.

Se olhasse para cima com esforço, podia ver relances das chamas das gigantes fogueiras que eram feitas nas noites de sacrifício e ouvir o som dos tambores que só paravam com o nascer do sol para terem a certeza de que a névoa de morcegos não mais voltaria.

O corpo que era carregado naquela noite era de seu último filho, seu último sacrifício. Ele não havia contado essa parte da história aos membros da aldeia que comemoravam mais um ano na luz, se sentia um traidor, mas havia sofrido tanto após incontáveis sacrifícios que já não lhe importava mais o que aconteceria dali em diante.

O deus-monstro estava sentado em seu trono de ossos, seu nome era Camatotz, a grande criatura com corpo de homem e asas e cabeça de morcego, governante da noite. Sorriu ao ver que no homem já não havia mais o corajoso e destemido guerreiro que sacrificaria tudo por seu povo, a imagem era deprimente, um velho cansado e amargo que havia perdido tudo, inclusive sua fé. Um prato cheio para o submundo e para seu exército.

“Já pagou caro demais e não me é mais útil.” disse a criatura. “Deixe que a água seja tingida de vermelho agora, Iktan.”

E então, quando um ponto laranja surgiu no céu, a tribo comemorou, agradecendo o nascer do sol. Os gritos eram tão altos que quase amenizaram o bater de asas e os ruídos dos morcegos que surgiram de dentro do grande círculo. O ar soprou quente como brasa quando Camatotz pousou no centro das grandes fogueiras e conduziu a névoa de suas criaturas envolta de todos ali presentes. Um por um, foram caindo com os olhos ainda abertos de espanto restando neles apenas o brilho de esperança de quem ansiava um grande ano de luz e em seu reflexo, as névoas da besta festejavam a chegada da tão esperada noite eterna.

Parte de sua jornada era aceitar que nem sempre a luz do horizonte traria coisas boas.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Espero que tenham gostado!

Gratidão!

:)

Apreciadores (2)
Comentários (1)
Comentário Favorito
Postado 01/03/21 05:55

Caralho! (Desculpa, às vezes não resisto.) É um conto tão pequeno em questão de palavras mas enorme no que diz respeito as profundidades que consegue explorar, especialmente com o fim.

O fim da relação do Camatotz com o Iktan fez com que eu me perguntasse se o ato do deus-monstro não fora um de piedade, pondo um fim ao sacrifício de um e iniciando o sacrifício de outros. A moralidade cinzenta de praticamente todos os personagens (excetuando talvez o Iktan que estava numa situação bem complicada) faz com que ao conto sejam dedicadas certas leituras e releituras, prestando atenção aos detalhes e descobrindo que eles são magníficos; os sons e as visões ambíguas (as mortalhas que vestem a não sabe-se quem, a escuridão e os ruídos que pairam pertencendo a noite ou ao que está por vir, mesmo; o Sol enganador, etc.) unem personagem, cenário e tema, tendo como resultado um conto divino (trocadilho intencional, hihi).

Como bônus, também me deixou muito curioso acerca da mitologia maia.

Parabéns, Thai.

Postado 22/04/21 22:14

Uau, muito obrigado, Sena!!

Fico muito contente com sua análise, de início, pensei em ir para o lado bom e deixar um final "feliz", mas não faria sentido, ao menos, não para esse conto.

Muito obrigada de verdade! Me alegra muito saber que gostou!

A mitologia maia é incrível, talvez eu traga um pouco mais sobre ela aqui!

Gratidão!!

<3

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