Te Aguardo em Tua Sepultura
Maycon Guedes
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 25/08/21 17:18
Editado: 11/10/21 14:13
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 8min a 11min
Apreciadores: 3
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Palavras: 1438
[Texto Divulgado] ""
Não recomendado para menores de catorze anos
Capítulo Único Te Aguardo em Tua Sepultura

Não sei quanto tempo mais eu tenho, mas preciso registrar isso. Ela tenta me impedir de várias formas; sussurrando palavras aleatórias em meu ouvido, e assim, me atrapalha enquanto escrevo; Ela pode, sutilmente, empurrar minha mão, fazendo da minha escrita um garrancho; Ela pode, também, apagar a vela que ilumina as folhas em que eu escrevo e, mesmo que eu volte a acender, alguns segundos depois, Ela vem e apaga novamente. Não posso morrer sem antes deixar tudo registrado, e de alguma forma, fazer com que minha irmã leia o que escrevi, os horrores que passei, e alertá-la do perigo que a espera. Espero poder concluir esta carta, tentarei ser o mais breve possível. Acredito não ter muito tempo.

Ontem eu acordei com a luz do Sol ardendo em meu rosto; um jeito horrível de despertar, era como se o Sol viesse ao meu encontro, dentro do meu quarto, pronto para me devorar. Minha janela estava sem cortina, e às duas da tarde, o horário em que acordei, o Sol ardia e minha cabeça doía muito; uma ressaca horrível! Nem lembro como cheguei em casa, mas lembro das dores que me assolam há alguns dias. Disse para mim mesmo que nunca mais beberia assim novamente - disse isso tantas outras vezes. A dor em meu tornozelo direito aumentara; foi preciso massagear e fazer alguns movimentos com o pé - ainda na cama - para depois de alguns minutos, eu finalmente conseguir me levantar. De onde vem essa dor? Perto das oito da noite a dor no tornozelo diminuíra bastante: um alívio! Mas, eu sentia uma sensação estranha, e não era culpa da ressaca; era uma sensação fúnebre, melancólica, gélida; até mesmo em meu olfato, pois o cheiro das coisas, que eu estava acostumado a sentir, parecia ter um odor diferente. O aroma do coentro que eu tanto adoro, por exemplo, invadia minhas narinas com um leve cheiro de vela de cemitério. Mais tarde, me preparei para dormir, e a partir daí, tudo piorou! Foi uma madrugada horrível, mas não tão horrível quanto o que eu encontrei ao acordar.

Esta noite tive um pesadelo desesperador. Sonhei que um grande rato negro, do tamanho de uma panela de pressão, com sua cabeça duas vezes maior, estava em minha cama enquanto eu dormia, próximo aos meus pés, e ele me fixava com seu olhar macabro. Seus olhos pareciam duas pequenas bolas de fogo, que iluminavam sua face demoníaca na escuridão, deixando aparente seus grandes dentes sedentos por carne humana. Impulsivamente ele abocanhou minha perna e começou a roer; eu não podia me mover, enquanto ele cravava os dentes em minha carne, ligeiro - imagine uma enxada cavando na terra dura - era essa imagem que eu via, seus dentes como enxada, arrancando pedaços de mim, cavando sem parar. O sangue escorria no lençol, e eu sentia seus dentes potentes batendo em meu osso, fortemente, e os olhos infernais da criatura pareciam brilhar cada vez mais; um brilho de prazer; e por um instante, eu juro ter visto aquele rato maldito sorrir, e sem desviar os olhos de mim, cravava os dentes em meu osso. A dor foi tanta que me fez acordar.

O pior parecia ter acabado, mas, assim que tomei consciência de que tudo não passava de um sonho, eu vi... vi aquela imagem que me causou um arrepio tão forte, mas tão forte que minha nuca começou a formigar, e o arrepio foi descendo por toda minha espinha dorsal, como água que desliza pelo interior da mangueira. Lá estava Ela, agachada e pousada em cima dos meus pés, com seu rosto escondido por longos cabelos grisalhos. Era uma mulher vestindo camisola branca, a responsável pelas dores que eu sentia, a mulher que passou as últimas noites pisando em mim. Ela não fazia movimento algum, e meus pés não aguentavam mais todo aquele peso. Eu não podia me mover e, de repente, senti duas mãos geladas e úmidas saindo de trás do meu travesseiro, deslizando pela minha cabeça até chegar em minhas mandíbulas, se firmando com força, uma de cada lado, impossibilitando minha cabeça de fazer algum movimento. E então, eu pude ver aquela mulher se levantar bem devagar, ainda em cima dos meus pés, e eu, sem poder me mover, observei ela vindo em minha direção, pisando agora em minhas coxas, passando pela minha barriga com aquele pé frio e sujo, lentamente. Quando ela chegou mais perto, pude notar sua camisola encardida; uma sujeira que parecia terra molhada. Ela agachou e sentou em meu peito; ficou me observando por alguns segundos. Foi aí que um forte vento, surgido do nada, elevou seus cabelos, deixando sua face à mostra; era um rosto velho, enrugado, com olhos negros e opacos, e ela tinha algodão no nariz. Sua boca se aproximou de minha face e começou a espumar, uma espuma úmida e branca, e logo uma espécie de gelatina densa e amarelada saía daquela boca decrépita, despejando aquele excremento fétido em meu rosto. Finalmente pude me mover e, de súbito, me levantei, e ela desapareceu instantaneamente.

Eu não podia voltar a dormir; eram quase três da manhã. Saí de casa mancando, por causa da dor que eu sentia. Havia uma carta em minha caixa de correio; devia estar ali há alguns dias. Estranhei quando vi que era de minha irmã. Já faz algum tempo que não nos comunicamos. Comecei a ler e tudo fez sentido. Na carta dizia que, nossa tia Melissa faleceu, há cinco dias. Eu sabia que, mesmo com as deformidades no rosto daquela mulher que estava em minha cama, ela me parecia familiar. Era ela! O ser que me pisoteava durante a noite; era minha tia Melissa; a velha voltou para se vingar de todos os nossos maus- tratos. A deixamos sozinha para que morresse logo, pois ninguém aguentava passar um minuto sequer ao lado da velha. Isso não é tudo, fizemos com ela coisas que eu me envergonharia de contar a alguém.

Eu ia responder a carta de minha irmã, que vive na cidade vizinha, mas antes, vim até a casa de meu irmão, que não fica muito longe da minha, para dar-lhe a notícia. Chegando aqui, entrei pela janela da cozinha depois de chamar e bater na porta sem resposta. O motivo da minha invasão foi perceber que seu rádio estava ligado, na madrugada, tocando jazz em alto volume, impedindo que ele ouvisse meus gritos. Dentro da casa, chamei por ele, até que entrei em seu quarto e vi uma cena tão assustadora quanto a que eu vi minutos atrás. Meu irmão estava estirado na cama, com seu pescoço estranhamente deformado, como uma peça de roupa que, depois de lavada, fora torcida por mãos fortes; em seus tornozelos havia uma mancha negra e espessa, e seu rosto demonstrava muito pavor; olhos arregalados, boca aberta, como se, mesmo depois de morto, ainda tentasse gritar; uma visão horrível. Tentei correr para fora dali, mas não podia, eu mal conseguia me mexer quando chegava perto da porta; era como em um filme que eu tinha assistido anos atrás, onde as pessoas, misteriosamente, não conseguiam sair de dentro de uma casa. O rádio que tocava jazz, agora chiava, e me causava arrepios. Fui desligá-lo, quando uma voz gutural saindo do aparelho me disse: te aguardo em tua sepultura!

Terei o mesmo destino de meu irmão? Poderei escapar? Preciso avisar minha irmã. Tudo se apagou e eu fiquei na escuridão, sem energia. E aqui estou, no quarto, com o corpo de meu irmão à luz de velas. Estou tentando escrever, e espero que alguém encontre esta carta, e possa entregar para minha irmã o mais depressa possível. Meu irmão parece me encarar enquanto escrevo, parece estar vivo e rosnando baixinho, querendo rir da minha cara. Sinto que ele vai vir para cima de mim. Ele me encara com aqueles grandes olhos que refletem a chama da vela. Estou convicto de que ele já faz parte das trevas, juntamente da tia Melissa, que tenta me atormentar enquanto escrevo; maldita! Não posso vê-la, mas posso senti-la bem próxima. Agora tenho certeza de que meu irmão está se tornando uma criatura maligna; enquanto eu escrevia, eu percebia alguns pequenos movimentos que ele fazia na cama, e seu olhar parece estar cada vez mais fixado em mim; sinto que ele vai se levantar, eu sinto, e tenho muito medo; minhas mãos tremem muito, estou desesperado; ele me assusta mais que a velha; que rosto maléfico! Por que não para de me encarar? Sinto que ele está prestes a me atacar. Não sei como terminará esta noite, não sei se estarei vivo, mas se você encontrou esta carta, por favor, entregue a......

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Apreciadores (3)
Comentários (3)
Postado 13/09/21 00:51

Eu definitivamente me tornei fã da tua escrita! É tudo tão intenso e bem colocado. Eu fiquei totalmente imersa na leitura e nem percebi que estava próxima do fim (literalmente... kkk)

Parabéns!

Postado 22/09/21 10:03

Muito obrigad pelo comentário. Estou postando um novo conto - caso tenha interesse. Se chama "O Caixão na Estrada". É o quarto conto da minha antologia de 13 Contos Fúnebres. :)

Postado 17/11/21 10:12

Nossa, estou impressionada com todas as reviravoltas que aconteceram no final!

Você sabe muito bem como criar um clima propício ao medo e ao suspense!

Parabéns pela história!

Um abraço <3

Postado 17/11/21 16:45

Agradeço muito o seu comentário :)

Postado 06/11/22 06:14

Como eu amo amo amo amo textos assim, onde o terror se sente na mente, nos olhos, na pele na cama... O terror noturno e a sensação do fim próximo e concreto me assombram dia e noite, talvez algum dia eu aprenda a cirandar com isso.

Que obra incrível!

Parabéns, parabéns, parabéns!

Postado 24/01/23 10:45

Muito obrigado pelo comentário. :D :D :D

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