Se arrependimento matasse, Diablair já estaria estirado no chão de sua enorme mansão naquele exato momento. Ele não possuía vocação alguma para cuidar de uma criança, principalmente no estado em que se encontrava. Havia acabado de travar uma das maiores batalhas de sua vida, estava mental e fisicamente destruído.
Ter que cuidar de uma criança era a última coisa que o líder Infernal desejava naquele momento, ele apenas queria contemplar toda a sua solidão na tranquilidade da mansão infernal.
Amaldiçoava Ternura a cada dois segundos. Se ela não tivesse saído correndo feito louca, se não tivesse pego a criança, se não tivesse colocado nos braços dele, se ele não tivesse pego a criatura, se... Por alguns instantes, até mesmo os monstros do passado deram uma trégua ao Líder Infernal, afim de assistirem de camarote toda a decadência de um ser condenado a cuidar de alguém.
Em outros tempos, ele simplesmente teria deixado a criança onde encontrou e voltado para sua escuridão aconchegante. Ela provavelmente seria devorada por algum demônio menor ou morreria de fome e sede antes que pudesse perceber, desde que o problema não viesse parar em suas mãos, conseguiria dormir tranquilamente, independente do resultado.
Deixou seus devaneios de lado quando a pequena, que havia acabado de abandonar os braços de Morfeu, lhe acertou uma faca no ombro. Não sabia de onde a criança tirava aqueles objetos, mas aquilo lhe deixava profundamente irritado, já que os arremessos não possuíam técnica alguma.
A pequenina era extremamente hostil e Diablair não tinha um pingo de paciência, o que tornou a comunicação entre eles muito difícil. O homem percebeu que ela sabia falar, mas que preferia não o fazer. Ele até tentou descobrir de onde ela tinha vindo ou o que havia acontecido, mas a criança limitou-se a esbravejar palavras desconexas e Diablair decidiu que seria melhor deixar ela sozinha por um tempo, para que pudesse se acalmar.
Mesmo sob uma chuva de facas, pegou a menina no colo mais uma vez e subiu as escadas negras de sua mansão, parando apenas quando já estavam de frente para uma porta de pinho. Diablair precisou usar toda sua destreza para segurar a criança e abrir a porta, revelando um quarto com uma decoração simples. Paredes de cimento queimado, uma cama de solteiro com lençóis acinzentados, alguns travesseiros e um pequeno lustre de cristal no teto. Escolheu aquele quarto por não possuir janelas. Seria mais fácil evitar uma possível tentativa de fuga.
Colocou a criança na cama da melhor forma que sua paciência lhe permitiu, saindo do quarto em seguida e trancando a porta. Ouviu a menina gritar e arremessar facas na porta, mas sabia que ela não conseguiria sair de lá sem que ele abrisse a porta. Decidiu não pensar muito no que tinha acabo de acontecer, apenas foi tirando as facas que ficaram presas em seu corpo enquanto caminhava na direção de seu quarto. Estava extremamente cansado, precisava dormir antes de pensar no que fazer.
E ele tentou. Deitou em sua enorme cama de casal e afundou a cabeça nos travesseiros negros, mas, quando os primeiros raios de sol escaparam por entre as frechas da cortina de veludo, desistiu de continuar deitado. Levantou, exausto, apenas para tornar a deitar. Passou as mãos no rosto. Seus pensamentos estavam uma verdadeira bagunça naquele momento.
— Eu sou o líder das Hordas Infernais e não uma babá. Maldita seja, Ternura!
Sem muitas opções para o momento, vestiu seu robe de cetim e saiu do quarto, descendo as escadas, em direção a cozinha. As empregadas até se assustaram com a presença sombria de seu mestre, mas ele apenas ignorou e ordenou que fizessem um café da manhã infantil. Claro que houve ainda mais estranhamento com o pedido inusitado, mas ninguém ousava sequer questionar o homem.
Já com a bandeja em mãos, Diablair rumou para o quarto onde a Imperatriz estava trancada. Ele segurou a bandeja com uma mão e abriu a porta com a outra, já preparado para um eventual ataque da infante. Para sua surpresa, nenhuma faca lhe acertou descuidadamente.
— Parece que a fera ainda não despertou. — Comentou Diablair, entrando no quarto e colocando a bandeja em cima da cama.
— Fera?
Diablair ficou surpreso. Não podia acreditar que apenas uma noite em um quarto escuro foi o suficiente para acalmar o coração daquela criaturinha problemática. Ele nem ao menos conseguiu responder, apenas ficou olhando uma Imperatriz sonolenta e completamente descabelada, que olhava para a bandeja com os olhos brilhando.
— Pode comer, é para você.
A menina não esperou que ele repetisse, apenas atacou as panquecas e o leite, como se nunca tivesse comido na vida. Diablair permaneceu ali, ainda incrédulo. A pequena não se parecia em nada com o monstro invocador de facas da outra noite. Pensou até que a fúria da menina fosse devido ao veneno das fadas.
— Qual seu nome, menina? — Perguntou, sem paciência, assim que ela terminou de comer.
— Acho que é Flávia, moço. E o seu?
— Diablair. De onde você veio?
— Não sei. Acho que sempre estive aqui. Eu lembro de estar caindo, de alguém chamar o meu nome e... Não sei.
Diablair suspira, cansado. Passou a noite tentando encontrar um meio de se comunicar com a criança, para chegar no quarto e se deparar com uma criatura aparentemente fofa e completamente diferente.
— Você tem família?
A pequena olhou profundamente nos olhos do Líder Infernal, inclinando um pouco a cabeça para o lado, como se estivesse tentando lembrar de alguma coisa. Diablair ficava cada vez mais intrigado com toda a situação.
— Não. — Falou, abaixando a cabeça. — E você?
— Não.
— Você me deu uma cama e comida.... Quer ser minha família? — Perguntou ela, sem jeito.
Diablair engasgou. O que diabos estava acontecendo? De uma hora para outra teve sua vida completamente revirada. Primeiro com a aparição da Ternura, e agora com o sumiço dela e a aparição de um capeta em forma de menininha fofa e carente. Sua intenção era sair correndo e trancar a menina, na esperança de quando ele retornasse, ela tivesse voltado a ser o capeta das facas, mas todo o seu plano se foi quando olhou mais uma vez para a criança.
A pequena estava com os olhos cheios de lágrimas, agarrada ao seu cobertorzinho roxo e mexendo os dedos, demonstrando ansiedade e medo. Diablair decidiu que seria melhor mandar seu plano de abandonar a menina para o inferno, e aceitar o pedido da infante, a fim de evitar um rio de lágrimas das quais ele definitivamente não saberia como lidar.
— Bom, eu posso ser.... seu tio. O que acha?
— Tio! Tio Diab!!! — A menina começou a pular na cama.