Mesmo após dois anos de convívio com a pequena, Diablair ainda buscava meios para encontrar Ternura. Não que ele tivesse alguma esperança, estava mais para uma negação. Ele se recusava a aceitar que estava começando a gostar da criança resgatada. Seus dias de solidão haviam acabado, mas ele lutava, com todas as forças, para não assumir que estava extremamente feliz em ter com o que se ocupar.
Por isso, quando percebeu que a menina se interessava por livros, tratou de encher a biblioteca com os mais diversos contos, obrigando-se a acreditar que manter a menina ocupada seria o melhor para a sua solidão interrompida. Ele só não esperava que, ao comprar um livro para presentear a sobrinha, mais um problema surgiria em sua vida.
O livro em questão era de capa dura e avermelhada, com uma coruja dourada e alguns raios em alto relevo: Harry Potter e a Pedra Filosofal. Imperatriz ficou tão encantada com o mundo mágico que se assemelhava tanto ao seu, que até mesmo acreditou que ele pudesse existir de fato.
Graças ao deslumbre da menina, os problemas que Diablair acreditava que tivessem sumido, reapareceram com força total. Em uma bela manhã de domingo, enquanto tio e sobrinha cumpriam o ritual matutinho do café da manhã, uma conversa deu início ao caos.
— Tio, me compra uma varinha? — Começou a menina, colocando um pedaço de bolo de cenoura em um pratinho.
— Varinha? — Diablair sentiu um frio percorrer sua espinha. Algo lhe dizia que nada de bom sairia daquela conversa.
— Uma varinha. Se nessa tal de Londres existe o Olivaras, aqui deve ter alguma loja que vende varinhas, certo?
Naquele instante, Diablair percebeu o erro que havia cometido, ao escolher justo uma ficção mágica para a criança que invocava facas do além.
— Eu sei que só crianças de onze anos podem ter varinhas, mas eu queria tanto!
— Nem pensar! Varinhas são perigosas! — Agradeceu ao inferno, quando a sobrinha anunciou, mesmo sem saber, a solução do problema.
— Tudo bem, eu achei que você não ia aceitar mesmo.
Um bico enorme ornava a boca da pequena, mas não durou muito mais que alguns segundos, para o completo desespero de uma das criaturas mais temidas do inferno.
— Tio, como é o nome da escola de magia e bruxaria daqui?
— Nunca fui em uma escola, menina! — Respondeu nervoso, enfiando uma fatia inteira de pão de forma na boca, na intenção de acabar com a situação o mais rápido possível.
— Que triste, tio. Mas, o senhor sabia que para entrar na escola, além da varinha, o aluno precisa ter um animal, né?
— Um animal? — Naquela altura do campeonato, ele cogitou até mesmo abrir um portal e sair correndo.
— É, um animal! Pode ser um sapo, um gato, um rato ou até mesmo... Uma coruja!
Diablair sabia que aquela conversa lhe colocaria na pior das situações e que não teria como fugir. Por mais que ele pudesse simplesmente levantar da mesa e se trancar no quarto, uma hora ou outra a menina iria lhe importunar com o assunto. Pensou por alguns segundos e decidiu acabar com o martírio de uma vez.
— Vamos direto ao ponto, criança.
— Eu quero uma coruja.
— Uma coruja?
— Vai repetir o final de tudo que eu falo, tio? E, não, eu não quero uma coruja.
— Mas você acabou de-
— Eu quero uma Tyto! É simplesmente a espécie mais linda que eu já vi!
— Viu?
— Está começando a ficar chato isso. Eu vi, em um sonho. Sonhei que estava segurando uma coruja linda. Eu quero uma coruja!
Diablair era ótimo com batalhas, mas quando o assunto era criar uma criança, ele não sabia exatamente como agir. No dicionário dele não havia sequer uma parte sobre impor limites. Graças a isso, o homem acabou saindo imediatamente, na esperança de encontrar a tal da Tyto o mais rápido possível. Pensou que aquela seria a melhor maneira de findar o problema.
Naquele mesmo dia, enquanto Flávia estava deitada na cama, terminando de ler seu livro, ouviu três batinas na porta e, quando se virou para olhar, deu de cara com Diablair e uma enorme gaiola negra, minimamente coberta por uma lona preta.
— Olha o que eu tenho aqui para você!
O homem puxou a lona, revelando que dentro da gaiola havia uma coruja dourada. A infante pulou da cama, sem ao menos fechar o livro, e foi correndo para perto do tio.
— Ela é tão linda. Quero morder! Acho que vou ter um ataque! — A menina pulava e batia palmas.
— Respira!
— Vou tentar. Posso segurar?
— A gaiola é muito pesada. Vou colocar na sua escrivaninha, assim você vai poder ver melhor.
Diablair, que até então estava próximo a porta do quarto, adentrou o cômodo e depositou a gaiola em cima da escrivaninha, enquanto uma Imperatriz totalmente eufórica subia em uma cadeira, para conseguir ficar na altura de seu novo bichinho de estimação.
— É um macho. — Disse Diablair, inconscientemente rodeando o braço nas costas da sobrinha, para que ela não caísse.
— Vai se chamar Wolf.
— Wolf? Você vai chamar a coruja de lobo?
— Não, tio! Eu vou chamar de Wolf! Não questione, apenas aceite.
— Tudo bem. Agora eu vou para o jardim. Desde que o jardineiro ficou doente, aquilo lá virou uma zona de guerra.
Antes que Diablair pudesse dar qualquer passo em direção a porta, sentiu algo puxando sua roupa.
— Tio...
— Qual o próximo pedido egoísta que me colocará em apuros? — Suspirou, vencido — Manda, eu aguento!
— Então, é que você só me deu o primeiro livro de Harry Potter. São sete, sabe?
— Tudo bem, acho que o jardim pode esperar mais um pouco, não é mesmo?