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01 - E no duodécimo mês, Hefreon regressou de sua incursão, e todos lhe quiseram saber as boas novas.
02 - E respondeu-lhes ele com grande contentamento: "Comemoremos, porque foi achada nova província para a extensão do domínio de Lebeel. E é terra fértil, ensolarada e mui boa para cultivo. Entremos pois para festejar!"
03 - Ora, estando eles a banquetear o retorno dos militãos, as filhas de Hefreon se sentaram aos pés de seu pai e lhe disseram o que sucedera na sua ausência.
04 - Falaram-no que os outros militãos haviam matado seus mal-nascidos, porquanto tiveram eles crescido, se tornado como homens e perdido suas riquezas naturais, mas suas carnes ainda podiam ser usadas como mantimentos para o inverno.
05 - Contaram-lhe ainda sobre o mal-nascido da casa de Amedeque que entrara em sua terra, e fora queimado.
06 - E escutando a tudo quanto diziam, Hefreon então dirigiu-se à seu primogenito, Benafe:
07 - "E quanto a tu? Que pensas? Achas bom fazermos como estão a fazer os outros?"
08 - Benafe então respondeu-lhe: "Penso que sim, meu pai. O governo de Lebeel é próspero, temos tudo quanto necessitamos, e agora foi achada uma boa província.
09 - Não é bom termos um mal-nascido que encontrou à outro como ele. Nos tomará por mentirosos e levantar-se-á contra nós. É bom que livremo-nos dele agora para que nenhum problema nos suceda."
10 - E Hefreon achou boas as suas palavras.
11 - Retirou-se então dali e foi visitar à Elor, que se encontrava aprisionado entre os porcos, comendo de um feixe de grama.
12 - Vendo-o, Hefreon cuspiu-lhe no rosto, e o ergueu dizendo: "Tenho sido seu provedor desde que nasceste. Dou-lhe de comer e beber. Porque tramaste fugir das minhas mãos?"
13 - Elor não ergueu para ele sua cabeça, antes respondeu-lhe dizendo:
14 - "Perdoe-me senhor, porquanto fui tolo e me deixei enganar. O demônio se fez parecer comigo, veio até à mim e ofereceu-me de bom vinho e frutas frescas para comer.
15 - E nunca antes eu provara algo como aquilo, porque me foi ensinado que engasgaria se o fizesse. Porém alimentei-me e não sufoquei, por isto fui com ele.
16 - Mas o demônio se deixou ver, e agora serei castigado também."
17 - Hefreon convenceu-se das palavras de Elor, porém seu coração estava inclinado aos dizeres de seu filho Benafe. E por isto disse ao mal-nascido:
18 - "Por hoje lhes serão arrancadas as últimas midras encrustadas que estão sobre sua pele. Não possuis mais nada que possa nos servir. Deste modo, faça tuas orações esta noite, despeça-te de ti mesmo, pois ao amanhecer, lhe darei a tua sentença."
19 - E dito isto, retirou-se.
20 - Contudo, o sono de Hefreon não veio à noite, e madrugou ele, meditando no arrependimento de Elor. E seu espírito foi tomado de grande insegurança.
21 - Quando o outro dia raiou, tendo já seus homens arrancado as últimas gemas de Elor, ele foi trazido à presença de Hefreon.
22 - E eis que os presentes na sala gritavam para que ele fosse morto.
23 - Temendo tomar uma decisão que não satisfizesse ao povo, Hefreon perguntou à sua esposa "Que pensas tu que eu devia fazer à ele?" E ela repondeu "Queime-o na caldeira para que nos seja servido."
24 - E perguntou à Benafe, e Benafe respondeu "Que ele seja vendido aos estrangeiros. Isto nos será proveitoso"
25 - E perguntou à sua filha mais velha, e ela o respondeu: "Leve-o à terra da qual se tem falado, para que se una aos escravos na construção da nova cidade lebeelita."
26 - E perguntou à um de seus conservos e ele respondeu: "Sacrifique-o à Deus na cerimônia de safra para que nos seja concedida boa colheita."
27 - Então Hefreon dirigiu-se por ultimo à Elor: "E tu, mal-nascido? Que destino quer para que sua alma se redima do teu crime?"
28 - Elor então curvou a cabeça para baixo em sinal de humildade e falou-lhe: "Me leve com os escravos, meu senhor militão. Ou deixe-me para sacrifício. Conteto-me em poder servi-lo uma última vez, é o que mais almeja a minha alma"
29 - Ouvindo isto, a vaidade de Hefreon foi tocada e ele decidiu atender ao desejo de Elor.
30 - Desta forma, decretou à todos que o "Filho de Sidir" seria sacrificado para a cerimônia de safra. E antes que fosse findo seu decreto, Elor ergueu a cabeça e pediu pela palavra, ao que lhe foi concedida.
31 - Disse ele então: "Peço que não me sacrifiques agora, meu senhor militão, pois se assim o fizerdes, Deus não se atentará para tua oferta, sendo eu uma criatura tão imunda e cheia de feridas no corpo.
32 - Deve se ofertar o melhor à Deus, isto vós me ensinaste. Então deixe que eu me torne digno deste sacrifício. Esperai as cascas do meu corpo caírem para que me ponhas limpo sobre o altar."
33 - Convencido daqueles dizeres, voltou-se Hefreon para todos os que estavam ali presentes e anunciou-lhes:
34 - "Façamos então como vos digo: Ponham-no numa alta colina, amarrem-no à um tronco e exponham-no ao sol, e sua pele morta apodrecerá, deixai os abutres sobre seu corpo para que eles se fartem da pele morta. Então o mal-nascido nos voltará limpo."
35 - E todos ali acharam boas as suas ordens.
36 - E por não sentir ameaça da parte de Elor, sendo-lhe somente um moribundo que anseava agradar seu senhor, pareceu cousa vã à Hefreon que muitos homens levassem Elor até a montanha.
37 - Dessarte, ordenou à seu filho Benafe que o fizesse.
Elor Mata A Benafe
38 - E Iam pois ambos, Benafe e Elor na estrada rumo ao monte chamado Sedã. E o filho de Hefreon trazia consigo os abutres famintos que agitavam-se pelo odor da carniça de Elor.
39 - Aconteceu pois que, estando próximos ao monte, Elor fingiu cansaço e pediu para que diminuíssem a passada pois sentia o corpo desfalecer.
40 - Tendo desta forma, Benafe parado para apear seu cavalo, Elor escapou-lhe das mãos e intentou fugir pela floresta.
41 - Porém Benafe alcançou-o nos espinheiros e ali travaram árdua luta.
42 - Era Benafe homem robusto e guerreiro, não obstante, encontrou-se preso entre os ramos de aguilhões.
43 - Estendeu então sua mão e arrancou uma das asas de Elor, que gritando em dor, puxou para si um galho e o cravou na garganta de Benafe, de maneira que o sangue do mancebo aspergiu em sua face como chuva.
44- E quando o filho de Hefreon agonizou na morte e resfriou-se o seu corpo, Elor sentiu o próprio coração pesar, e não conseguiu falar ou mover-se, porquanto nunca antes houvera se levantado contra nenhum de seus amos.
45 - Todavia, ao entardecer, tendo lhe voltado a força, descerrou o corpo de Benafe e soltou os urubus sobre ele, para que lhe pousassem no âmago e se fartassem de suas entranhas.
46 - E feito isto, fugiu Elor dali.