Aydan acordou no outro dia com uma terrível dor de cabeça. Um dos efeitos colaterais de tomar inibidores, mas preferia isso, a ter que passar a noite com o corpo em chamas.
Ele colocou suas vestes comuns em tom de terracota e foi até o refeitório.
No momento, o templo continha apenas quatro ômegas, contando com ele. Os monges cultivadores se resumiam em apenas cinco. Por ser um templo de uma aldeia pequena, até que tinha bastante gente.
− Irmão! − Um garoto de apenas quinze anos fez uma breve reverência da mesa, o sorriso de ponta a ponta. Deixando Aydan curioso da razão de tanta felicidade tão cedo.
− Irmão, então você ainda está aqui − Ele se chamava Rinne, e tinha cabelos tão dourados que o deixava iluminado com a claridade.
− Sim, Rinne. Obrigado por destacar o óbvio.
Uma jovem surgiu da porta da cozinha com uma forma de pães e cortou a frente do rapaz.
− Não liga para ele, irmão. Ele não tem filtro cérebro e língua. Eu fiz a receita de bolo que você me deu, acabou de sair do forno. − Ela sentou no banco entre os dois.
Rinne se sentou com o rosto corado.
− Desculpe, irmão. Eu fiquei feliz por você poder continuar sendo nosso professor.
− Tudo bem, eu também fico feliz de dar aulas para vocês, e obrigada Rute parece ter ficado uma delícia.
−De nada.
Aydan observou a jovem cortar um pedaço do bolo e colocar no seu prato. Ela possuía um gênio forte, porém alegre. O rosto era delicado e recém perdia os traços infantis. Tanto ela, como Rinne ainda não tinham passado pelo primeiro cio. Aydan sentiu saudade da adolescência, naquela época tudo era tão simples.
Com o passar dos anos seu mestre tinha atribuído a função de professor dos mais novos. Eles não ensinavam técnicas de cultivação ali ou lutas, mas os monges ensinavam a ler, habilidades básicas do dia a dia e fitoterapia (cura através das plantas)
Aquilo para algumas seitas não era nada demais, mas para os humildes moradores que não tinham acesso sequer a um livro, era muito.
Aydan tinha sido deixado no templo por seu pai quando não tinha completado nem três anos e não tinha nenhuma lembrança dele. O homem tinha dito para os monges que era garimpeiro e sua esposa tinha falecido na viagem até ali, ele informara o nome da criança e nada mais.
Ele não culpava seu pai, ali ele foi bem cuidado, teve comida na mesa todos os dias, roupas limpas e um teto sobre sua cabeça, ainda ganhara o luxo de estudar.
Aydan terminou seu café e foi com os dois até a estufa onde ficavam as plantas medicinais.
O sustento deles dependia dos remédios e cultivo de ervas de nível baixo.
Os monges faziam remédios para desinfetar feridas, florais para dores e também vitaminas para revigorar a saúde.
Tudo isso era vendido na cidade mais próxima.
Os três começaram o trabalho de separar as plantas nos sacos.
− Eu queria ir junto com os mestres na cidade. −Rinne começou a reclamação e Aydan apenas ouviu em silêncio.
− Para quê...Para cuspirem na sua cara?
Rute parou para prender os cabelos grossos num rabo.
− Haha. Muito engraçado. Eu usaria uma faixa na testa, idiota!
− Os alfas iam saber só de olhar para o seu corpo magrelo e cara de menina. − Rute alfinetou sem nem se virar para olhá-lo.
− Quem tem rosto de menina!? Sou um HO-MEM. − Rinne largou o saco no chão. − Eu apenas não criei músculos. Sou jovem, logo ficarei alto e forte assim como o irmão mais velho.
Aydan não aguentou e soltou uma risada.
− Aí essa foi boa, Rinne. Onde eu sou forte e alto? − Aydan assim como a maioria dos ômegas, tinha a altura média de 1,70, e ele se considerava com sorte de atingir essa altura, quanto ao corpo, ele continuava magro, mesmo comendo muito. A única coisa que ele tinha era bunda.
− Termina de encher esse saco e cuidado para não amassar as plantas. Os mestres tem suas razões de não deixarem a gente sair. Para a grande maioria das pessoas, somos aberrações.
Rinne juntou o saco e continuou a encher com as plantas.
− Pois para mim, são elas que estão perdendo. Isso é inveja de sermos destinados a bestas mágicas − Rute jogou os cabelos. − Aposto que meu companheiro é magnífico! Machos humanos não tem graça nenhuma.
− Ah claro, pois ser uma besta demoníaca que come gente tem muita graça.
Aydan sentiu-se triste. Alguns ômegas eram influenciados pelo preconceito das pessoas. Bestas mágicas eram frequentemente caçadas por outras seitas, algumas eram forçadas a criar contratos de sangue e serem escravizadas por toda a vida. Outras eram mortas e seus corpos vendidos aos pedaços para fazer todo tipo de material. Nessa luta contra os seres humanos, elas aprenderam a se defender e serem o mais cruéis possíveis para que os humanos mantivessem distância.
Rute irritou-se e foi até Rinne.
− Bem feito! Por que os humanos não os deixam em paz? Se esses malditos não os caçassem, eles não morriam!
− Eles são criaturas vingativas e cruéis! Monstros! Fico com medo só de pensar − Rinne passou as mãos nos braços para espantar o calafrio
− Medo? Não precisa ficar com medo. Pelo tanto que você é medroso, seu companheiro deve ser uma besta-tatu.
Rinne não aguentou e jogou um punhado de terra nela e ambos se pegaram pelos cabelos.
Aydan suspirou cansado. Aqueles dois passavam o dia brigando.
− CHEGA!
Os dois ômegas se soltaram encarando o mais velho.
− Eu desejo sinceramente que os dois entrem no cio logo e que os companheiros de vocês os levem! E já vou deixar avisado que não aceito devolução!
− Que maldade irmão...− Rute fez um beiço e Aydan simplesmente entregou os sacos para os dois.
−Trabalhem mais e falem menos.
Aydan deixou os dois sozinhos e foi até o mestre responsável pela venda do dia.
Rute aproveitou a saída dele para encarar Rinne.
− Esse amor unilateral que você sente é perda de tempo. E ter vergonha do seu destino é o mesmo que dizer que nós também deveríamos nos sentir envergonhados.
− Quem eu amo não é da sua conta. Eu e nosso irmão mais velho não precisamos de nenhum alfa para sermos felizes.
Rute ficou em silêncio. Era perda de tempo falar qualquer coisa.