Despertou.
Nada mais fazia sentido desde que o levaram à força de onde habitava para aquele lugar estranho. As coisas de pé o deixaram preso em um lugar escuro com outros. Agora o barulho e a claridade tiraram o único momento de paz que tivera desde então. Medo. Muito medo por dentro. Queria sair dali com eles.
Todos só queriam voltar para onde estavam antes. Só isso.
Quando aquela mão foi em sua direção, seu coração disparou, pois sentia que nada de bom poderia vir dali. E não estava errado: logo a outra mão, com a ajuda de algo grande, fino, brilhante e pontudo, lhe perfurou. Retalhou. Arrancou nacos e couro com rapidez e brutalidade. Não pode reagir ou fugir em nenhum momento. Morria. Mas... Quando?
Dor... Quanta dor!
Era algo tão intenso quanto inédito aquela sensação de ser ter toda a pele da parte inferior do corpo arrancada.... Não bastou ser esfolado, virado pelo avesso, ter suas entranhas removidas... Não, o resto ainda foi lavado com água fervente. Depois jogaram ervas e alguns pós sobre seus músculos cozidos, fazendo com que tudo acabasse cheirando bem. Por fim, o colocaram em uma pedra fina e fria cheia de gelo, onde estava à mercê de outro monstro gigante.
Ele se mexia e remexia em desespero. Sofrimento indescritível a cada movimento. Queria sair dali, não queria morrer. Não daquele jeito. Era inútil: como iria saltar se suas antes vigorosas pernas estavam inutilizadas? Olhou, suplicou com o olhar por piedade, pelo fim daquela agonia. Contudo, a criatura imensa fez sorrir enquanto pegava porções dele com objetos de madeira e devorava alegremente.
Ficou imóvel. Não por querer, mas porque suas forças se esgotaram. Ainda tentou implorar, mas a criatura que o comia devagar não parecia entender ou se importar. Então ficou observando, com toda a dor do mundo, a trucidação de si mesmo.
Era assim que as coisas funcionavam: um se alimenta do outro. Lembrou, por um momento, dos outros seres menores que também engoliu a vida toda. Eles ao menos morreram na hora. Quanta dor! Porque não o matavam logo?
Seu corpo sumia. O monstro ria. E ele sentia toda a angústia dos últimos momentos. A lagoa. Tão bonita... Ele a viu antes que o apanhassem com as peças de madeira e enfiassem o que restou de si na água quente. Mais dor. Nasceu na água. Viveu nela e perto dela. E agora morria sob um calor excruciante vindo do vapor e do próprio líquido que tanto lhe fez bem antes.
Morreu confuso. Triste. Desesperado. Sofrendo. Sem palavras. Ao menos, não as que os seus captores, torturadores e devoradores imensos falavam.
Pelo menos a dor enfim acabou.