Querido diário,
Tenho vinte quatro anos é essa é a última página. Bem, não é como se fosse o final de tudo. Na verdade, acabarei esse para começar outro – afinal de contas livros não têm folhas infinitas, certo? Como eu ia dizendo, sou um homem jovem, trabalho de segurança numa empresa de valores e estudo à distância faculdade de administração. Confesso-lhe, querido diário, que nem sempre fui assim. Nem sempre tive uma vida estável, tranquila, com dificuldades e objetivos para serem vencidos todos os dias – exatamente como uma pessoa normal. Na realidade, você bem sabe, certo? Eu já te contei como eu era antes. Permita-me voltar algumas páginas e reler dias passados antes de prosseguir.
“… foi muito complicado continuar daquele jeito. A abstinência tomava meu corpo com a mesma volúpia na qual eu antes possuía…”
É difícil ler essas coisas outra vez, sabe? Fico até me sentindo mal, mas serei forte e continuarei lembrando. Logo após tudo fará sentido para você, querido diário. Infelizmente.
“Apenas outro dia carregando um fardo demasiadamente pesado. Graças dou por ao menos ter-te, meu amigo diário. Como eu continuaria a viver se você não existisse?”
Ah, eu me lembro bem dessa época e não sinto saudades desses sentimentos. Definitivamente não. Culpa é algo muito pesado a se carregar, especialmente sozinho. Lembro bem que o tempo que passava escrevendo aliviava-me de alguma forma, mas ainda sim… Só piorava meu estado.
Bem, as linhas estão acabando, infelizmente, e antes de ficar sem espaço eu gostaria de dizer algumas coisas. Primeiro, obrigado por me ajudar com os momentos ruins de desespero. Você bem sabe que eu nunca gostei de tudo aquilo, mas tem algo em mim… não sei… algo que me faz sempre fazer o contrário do que eu quero. Segundo, quero me desculpar, eu tive esperança até aqui de que você iria me ajudar com essa doença. Eu realmente acreditei, pois vários anos se passaram, evoluí minha vida e até arrumei uma namorada – muito linda, diga-se de passagem. Eu me sinto tão idiota ao ler poucas páginas atrás. Ali descrito um idiota que realmente acreditou que tinha se livrado de sua obsessão por necrofilia, um idiota que realmente achou que jamais tornaria a cometer tais atos…
Mas aqui estou eu com o corpo em mãos da mulher que viveu comigo por dois meses. Morta, fria, sem sangue e completamente atraente. Muito mais do que quando estava viva.
Me perdoe, querido diário. Eu perdi a esperança em mudar o que sou.