Havia uma lenda que há muito rondava os confins da internet. Lá, na mais profunda e quase inacessível camada da mesma, circulava para muito poucos um vídeo aterrorizante que se afirmava que quem o visse, teria um fim lastimável. Os que viram (ou que sobreviveram?) falavam muito pouco sobre o mesmo em fóruns e coisas do tipo sempre dizendo em comum quase que as mesmas palavras: “não procurem saber”, “tem que ser banido da internet”. Mas eu era teimoso. Na realidade, curioso e teimoso podiam ser meus dois nomes. Eu não aguentaria viver com essa curiosidade, pois a mesma me consumia de tal forma que o sono a muitos dias não me fazia companhia. E não era para pouco, pois em muitas pesquisas sobre o ocorrido eu descobria cada vez mais coisas aterrorizantes. Claro que eu não acreditava piamente em tudo que lia, contudo, invenções ou não, tudo era muito… maleficamente diferente. Eu precisava com todas as minhas forças descobrir a veracidade de tais afirmações.
— Download completo. — Programei especialmente aquela voz para que soasse no momento que acabasse o mesmo.
Custou muitos dólares – os quais não desejo que você descubra como eu adquiri – e horas verificando a segurança da transação antes (e durante) de efetuar a compra. Mas estava ali. Na pasta de downloads recentes. Bastava um único comando na maldita tela preta para que o vídeo executasse. Meu corpo soava frio. Aquilo que eu busquei por semanas estava a um enter de se revelar. Suspirei fundo e pressionei a tecla. O que vi me deixou atônito. Um humanoide, sé é que posso chamar assim, cuja aparência era de gênero duvidosa, estava num chão gramado. Era noite, havia apenas a iluminação precária de uma câmera fajuta a explicitar o ser. O autor do vídeo afirmava desesperado que o ser caiu do céu, que era um anjo. Se era um anjo, eu não sei, mas a beleza era de um certamente - embora eu não fosse capaz de definir se era um homem ou uma mulher.
Tinha cabelos longos e sobrancelhas cinzas, uma pele num tom de marrom que eu não saberia nomear. Parecia pele morena, mas era levemente prateada. Eu não sei explicar, mas era realmente linda e única. Não era humana. Suas feições eram sutis como a de uma mulher jovem, não tinha barba, e seu maxilar era fino. O homem que gravava não parava de repetir quão belo aquela criatura era. Compartilhávamos o mesmo pensamento. O autor o virou de barriga para cima e foi quando pude notar sua fisionomia. Possuía ombros largos, braços sutilmente musculosos e um pomo de adão. Seus pés eram oblongos, suas unhas esbranquiçadas como se estivessem pintadas e suas pernas… Como eu descreveria tais pernas sem parecer um maldito necrófilo pervertido? A propósito, um fino pedaço de pano branco servia de vestimenta para o ser.
— Mas que porra é… — Observei atônito o que o gravador do vídeo estava a fazer.
Despertei-me dos pensamentos de admiração para o corpo desconhecido morto quando notei que o rapaz pôs a câmera de lado e pôs-se a masturbar-se perante a criatura desfalecida. Bem, eu realmente queria julgá-lo, contudo, como poderia? Em minhas calças pulsava de desejo e curiosidade pelo ser “angelical”. Era simplesmente lindo. Único. Se aquilo era um anjo, como as pessoas poderiam imaginar um céu ser perversões? Eu só pensava no quanto soava doentio ao pensar tudo aquilo, mas realmente a imagem daquela criatura despertava em mim algo estranho.
De repente, a câmera estremeceu e a imagem tornou-se incompreensível. Pude ouvir um som alto e logo em seguida o que parecia uma voz arrastada que soava como um trovão. Mas não era só uma. Bem, na verdade eu percebia que vinha de uma só “pessoa”, mas eu conseguia ouvir um eco de vários outras a falar junto. Não era meu idioma, não compreendi o que dizia, mas parecia claramente perigoso. Na realidade, dada as circunstâncias eu nem diria que aquele era um idioma humano. O que quer que seja, faltando poucos segundos para o vídeo acabar, fez com que o rapaz urrasse tão alto que eu só pude imaginar que seus membros foram arrancados instantaneamente. Não sei o que aconteceu. O grito do homem cessou e a visão da câmera tornou a ficar normal. Faltando dois segundos, o vídeo terminou focando no rosto belo da criatura.
Encarei a tela preta atônito. Eu não sei que porra foi essa que eu vi, mas eu não estava com muita vontade de rever. Bem, rever pelo “crime” – ou o que quer que tenha acontecido com o homem – eu não estava afim, mas… para admirar outra vez aquele belíssimo ser… E assim o fiz. Novamente pus para executar, mas dessa vez pausando algumas vezes para olhar com atenção a criatura. Senti meu corpo esquentar, pensamentos ilícitos invadirem minha mente e minha cueca deixar de ser confortável.
— Eu vou realmente me masturbar para… isso?
Pensei alto. Mas a resposta era sim. Eu ia. Foda-se se era um corpo de um “anjo”. Era lindo. A criatura mais bela que eu já vi. Não existe homem ou mulher cuja beleza seja ao menos um por cento quanto a dele – ou dela. E assim o fiz. Estiquei minhas pernas, livrei meu pênis da cueca e acariciei-me pensando naquela beleza inumana. Estava perto de gozar quando ouvi um barulho ensurdecedor. Gritei aturdido com as mãos nos ouvidos e, quando abri os olhos, vi que não estava frente ao meu computador, em meu quarto, em minha casa.
Como eu descreveria um lugar onde humano nenhum sequer viu? Imaginação alguma imaginaria o que eu estava vendo, não existiam palavras em qualquer idioma. Porém, por mais que o choque de conhecer algo além das capacidades humanas me deixasse atônito, encontrei palavras para descrever uma criatura negra que me observada. Possuía olhos (três!) totalmente brancos, pele tão negra quanto qualquer coisa fodidamente escura que você puder imaginar. Seria isso um demônio? Eu não sei, mas era assustador. E não era tão belo quanto o “anjo”.
— O que…
Fui brutalmente interrompido por aquele mesmo trovão que ouvi no vídeo. Era uma voz profundamente irritada que dizia palavras que eu não entendia com tanto ódio que eu sem perceber urinei em minhas próprias calças. Tentei falar algo mais, mas notei que minha voz simplesmente não saía. Era isso que chamavam de desespero? Estremeci de tal forma que meu coração batia tão forte em meu peito que eu sentia cada movimento como uma pancada em meu tórax. Isso definitivamente era pavor. O “demônio”, ou seja lá o que fosse, num piscar de olhos estava ao meu lado. Antes que eu piscasse novamente meus olhos sua mão agarrou meu pênis e o apertou. Apertou com tanta força e tão rápido que por alguns segundos pude ver minhas vísceras escapulirem entre os seus dedos antes de sentir dor.
Mas logo a dor veio. Dor, dor, dor, dor, dor. Sem voz eu gemia, urrava, berrava, gritava o que podia e conseguia de sofrimento no “chão”. O demônio me olhava tranquilo enquanto. Parecia estar assistindo algo normal. Nem sequer se movia. Fui surpreendido quando fui pisado brutalmente na barriga pelo mesmo. Mais sangue jorrou da ferida onde uma vez foi meu órgão genital. Sentia entre minhas pernas o líquido quente escorrer.
— Me mata! Me mata! — Gritei e implorei.
Tanta dor eu sentia que a morte me parecia um consolo, um fim mais que necessário. Mas o demônio não aceitou.
— Concepção impudica és tu. Morrerás quando assim se fizer da minha vontade. — Fui surpreendido ao ouvir tais palavras do monstro. — Quem tu chamas de monstro? Ora, quem és a existência cuja primeira ação ao ver outra existência é realizar tais atos indignos? — Parece que além de saber meu idioma ele podia ouvir meus pensamentos.
Chorei, implorei piedade, fosse com morte ou com sossego, mas não fui ouvido. Olhei entre lágrimas para o ser novamente. Estava feliz, pois sentia meu corpo pesado e frio, já não havia tanto sangue em mim e logo eu morreria. Ele não me torturaria por muito tempo.
— Tempo? É assim que tua existência o chamas? — Riu de mim. — Não há tempo aqui. — Olhei para o monstro humanoide e vi que em suas mãos havia um objeto pontiagudo deveras extenso.
Não tive tempo de temer o que ele iria fazer comigo, pois novamente em um piscar de olhos o objeto jazia em meu pulso. Preso ao “chão” daquele lugar. Não senti a dor de tê-lo pregado, mas senti a dor de quando o demônio puxou meu braço estraçalhando minha mão e dedos. Quanta dor eu era capaz de sentir? Eu não sabia e nem o demônio, mas esse último parecia querer descobrir.
— Irás ter um fim vergonhoso, existência pueril.
A criatura pisou em minha mão e logo em seguida pôs-me sentado. Sentado em que é o que eu gostaria de saber. Debaixo de mim nada havia, embora eu parecesse sentado sobre uma cadeira nada havia abaixo de mim. Bem, não é como se eu tivesse tempo ou chance de filosofar sobre a lógica daquilo. O demônio ficou de frente para mim. Deleitou-se olhando em meus olhos sofridos. Segurando meu braço, cuja mão estraçalhada balançava por um punhado de peles e ossos ele disse:
— Irás fazer a mesma ação eivada. Queres viver ainda?
— Me faça… Me faça não sentir… dor.
— Tu irás.
Senti com o pouco de mão que me restava o que seria o órgão genital daquela criatura. Pele e ossos de dedos envolviam o membro do ser me mostrando uma imagem tão repugnante que vomitei de asco em mim mesmo. A criatura usando meu pulso fez movimentos de vai e vem e logo entendi o que ele quis dizer com “irás fazer a mesma ação eivada”. Sim, ele estava fazendo eu masturbar lhe com a mão que ele próprio destruiu. Era isso que chamavam de vingança. Queria eu ter tido tempo de perguntar por que tudo aquilo acontecia, por que o demônio havia se irritado de tal forma, mas logo senti um estalo rápido. Minha última visão foi a imagem de me próprio corpo longe – eu fui decapitado – e minha última lembrança foi de um aviso que vi num fórum sobre o vídeo. Dizia: “Não veja esse vídeo! É o corpo de um anjo morto! Um demônio que o amava irá lhe matar caso se renda ao desejo!”. Ou algo assim. Não é como se minha cabeça longe do corpo pudesse se lembrar com detalhes de algo. Eu devia ter acreditado nesse aviso.