POR UM FIO.
Guilherme Domeneghini
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 31/10/16 21:14
Editado: 31/10/16 21:15
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 7min a 10min
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Este texto foi escrito para o concurso "Concurso de Halloween" No Concurso Oficial de Halloween da Academia de Contos, apoiado pela DarkSide Books, convidamos os participantes a escreverem textos no estilo "creepypasta", ou seja, obras detalhadas de terror escritas com o objetivo de assustar os leitores e deixá-los se perguntando o que é real e o que é ficção na história. Ver mais sobre o concurso!
Não recomendado para menores de catorze anos
Capítulo Único POR UM FIO.

Eu sempre fui um amante do tempo nublado de Londres, por isso quando meu pai anunciou que íamos nos mudar resolvi aproveitar o último mês andando de bicicleta por aí com Bengi, nosso Labrador. Ele tem facilmente mais de cem quilos e é impossível passear com ele a pé, ao menos para mim. Então nas minhas últimas andanças pela cidade eu sempre o acompanhava com minha bicicleta.

Foi andando para cima e para baixo com Bengi que encontrei a loja mais esquisita que já tinha visto na vida, a Cassiculus. A loja exibia uma miríade de objetos obscuros na sua empoeirada vitrine: búzios, cartas de Tarot, aranhas, lagartos e corujas empalhados e uma imitação impressionante de uma mão humana. Curioso, empurrei a porta para entrar na loja.

Um guincho animalesco e estridente acima de mim fez minha espinha gelar completamente. Senti Bengi se encolher e ouvi seu uivo nas minhas costas. Senti minhas pernas bambearem quando vi um rosto me encarando entre as prateleiras, ele veio rapidamente em minha direção.

- Tudo bem aí amigo? - O rosto me olhava preocupado. Por trás de óculos de aro redondo um rosto fino e surpreendentemente jovem me observava.

- Quê? Ahn? – Eu ainda estava um pouco tonto para estabelecer diálogo.

- Desculpe pela sineta, a maioria dos meus clientes gostam muito dela por causa desse barulho “exótico”. – Disse o rosto com um sorriso de canto, como se desprezasse, mas não muito, seus clientes. – Vou buscar um copo d’água para você e aparentemente uma barril pro seu cachorro, senta aí – Ele apontou um banquinho empoeirado e deu outro meio sorriso.

Alguns goles de água mais tarde o rosto se revelou ser Ian, o dono da Cassiculus: Acessórios para Feitiçaria. Ele disse ter herdado a loja de seu pai, que aparentemente acreditava realmente na coisa, mas que pensava em torná-la uma loja de quadrinhos num futuro próximo.

- É sério, você não vai acreditar na quantidade de esquisitões que vem até aqui. Outro dia um deles tentou me pagar com um porco morto e balbuciou algo com aranhas enquanto se ajoelhava.

- E o que você fez? – Pedi no meio de uma gargalhada.

- Disse que ele podia me dar quantos porcos quisesse, mas que não ia sair com nada da loja sem pagar. Aparentemente isso não o intimidou, porque ele realmente começou a trazer porcos aqui sempre. – Fungou e murmurou. – Esquisitão.

Ele me mostrou alguns dos “itens” que a loja tinha nos fundos, algumas coisas ainda eram do tempo em que o pai dele comandava a loja. Havia de tudo, pele de cobra, alho, umas cruzes com símbolos estranhos, uma substância verde que ele identificou como bile de porco e um maço de cordas brancas estranhamente fortes que Ian não soube dizer o que era. - Uso isso para amarrar umas coisas que se soltam. – Limitou-se a dizer. Além disso, ele me mostrou a decoração do teto. Aquilo fez meu queixo cair. Era uma imitação de uma teia de aranha gigante, mas em vez de insetos haviam formas humanas penduradas lá. Depois de mais alguns minutos de conversa apertei a mão de Ian e me despedi.

Cheguei em casa faminto, jantei e fui tomar banho. Despindo-me senti algo estranho no bolso do meu casaco, apalpando um pouco mais, encontrei uma aranha. Sacudi a mão freneticamente e a aranha caiu no chão e ficou parada. Continuei observado e com cuidado aproximei a mão, nenhum movimento. Confiante peguei ela de volta e sorri, era uma das aranhas empalhadas da loja, decidi que voltaria lá amanhã para devolve-la para Ian. Tomei banho e antes de dormir coloquei a aranha em uma cômoda, seus olhos escuros pareciam me encarar antes de eu desligar a luz.

O dia estava especialmente nublado quando saí de casa, dessa vez sem Bengi, para a loja carregando a pequena aranha, mas não me abati, afinal de contas, eu adorava dias nublados. Lá chegando porém, não havia luzes dentro da loja ou na vitrine, e a única coisa que me saudou foi uma placa de “Fechado para balanço”. Achei que talvez Ian ouvisse caso eu batesse na porta. Tentei uma, duas, e na terceira vez percebi que a porta não estava trancada, abri e fui saudado pelo guincho agudo novamente.

- Ian? – Chamei, mas o escuro continuou imperturbável, e maciço.

Liguei a lanterna do meu celular e caminhei lentamente pela loja. Sem Ian para conversar, o barulho dos meus pés no assoalho parecia ensurdecedor e o pó que emanava do chão e dos produtos antigos fazia meu olho lacrimejar.

Então, entrando em um corredor eu vi. Várias aranhas, grandes, pequenas, marrons, pretas, brancas, todas estáticas, destacadas contra o assoalho da loja pela luz do meu celular. Recuei um passo e como se fossem um só corpo todas se mexeram em minha direção, o barulho era ínfimo, mas extremamente enregelante, um tic-tac suave contra o chão poeirento. De frente para aquelas aberrações caminhei lentamente em direção à porta, elas me seguiam, o tic-tac passou a ser acompanhado por pequenos guinchos, que lembravam a sineta da loja. Coloquei a mão na maçaneta da porta, mas aparentemente, algo grande, gordo e peludo havia chegado lá antes.

Me virei rapidamente, as aranhas atrás de mim guincharam em protesto, mas o que vi na minha mão era aterrador. Uma tarântula enorme subia rapidamente pelo meu braço. Apavorado, gritei e me sacudi com todas as forças. A resposta daquele animal hediondo foi grudar suas asquerosas quelíceras no meu braço com a mesma intensidade do meu debater, uivei de dor e finalmente consegui retirar aquilo de perto de mim. Entretanto meu alívio foi momentâneo, as outras aranhas começaram a correr em minha direção.

Apavorado, comecei a subir as estantes derrubando tudo que podia naquelas bestas, chegando no alto arrisquei um suspiro profundo. Mas aí, eu senti algo pingando em mim e olhei para cima.

Um ser humanoide me encarava, com seus oito olhos, pendurado em uma teia, babando. Hediondo é pouco para descrever sua aparência centauriana. O torso tinha formas visivelmente humanas, mas era recoberto com placas pretas quitinosas rajadas de vermelho. Sua cabeça tinha oito olhos e um par horrendo de quelíceras que pingavam saliva. Seu abdômen bulboso com três pares de pernas que completavam o par de braços que se prendia ao tórax estava colado por fios pegajosos ao teto, este, repleto de casulos com formas humanas.

- Olá Reginald. – Sua voz parecia mais um sussurro etéreo que uma vocalização. – Por que está tão tenso? Relaxe. – Depois de falar ele começou a caminhar lentamente em minha direção, vendo que não obedeci ao seu pedido, dois de seus olhos se estreitaram para mim. – Vamos Reginald, eu só quero conversar com você. – Disse entre uma batida das quelíceras. – Tudo bem, minha amiguinha ajudará você a relaxar. – E eu senti uma picada na minha coxa, a pequena aranha que eu considerava estar empalhada saltou alegremente de meu bolso e se juntou a suas companheiras mais abaixo. Em questão de segundos meu gorpo se enrijeceu, caí sentado em cima da estante.

- Não se preocupe, tudo acabará em breve querido. Você, saciará minha fome. – E então, enquanto me enrolava em um apertado casulo, eu reconheci as feições de Ian. – Você é um escolhido, tolinho de pouca fé. A aranha sempre exige sacrifício. – Sibilou para mim.

Depois de ser encasulado, tudo ficou escuro. Fui pendurado junto com outros os casulos no teto da loja e perdi completamente a noção do tempo. Muitos estavam vivos e sempre que sentíamos a vibração na teia começávamos a chorar, o som de alguém sendo destroçado enquanto vive não é algo agradável de ouvir.

Passei mais de uma semana preso, mas um dia, a vibração na teia finalmente parou do meu lado...

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Apreciadores (6)
Comentários (1)
Postado 03/12/16 13:09

Wow! Foda pakas. Adorei a história. Um terrorzin deveras interessante. Parabéns.