Monte Gel, seguido pelos olhares intrometidos de todos do lugarejo, de manhã, corria à igreja para tocar o sino do almoço a tempo, antes que o povoado inteiro sentisse fome, mas fosse impedido de caminhar às portas dos melhores restaurantes pelo aguardo do badalo de cima da torre da igreja.
- Por que o Monte Gel corre tanto? – exclamou um mercador de dentro da sua banca, esperando que o vizinho comerciante, o qual acompanhava a corrida do jovem ao lado do que perguntava, respondesse-o.
- O horário no qual os bares e restaurantes lotam dentro e fora está perto de chegar, e é o Monte Gel que alerta a todos sobre a sua chegada. – explicou o vizinho – Acho eu que o garoto está com medo de que as pessoas, nós, não almocem e morram esfomeados. Acho eu. Sem total razão. – prolongou a aclaração.
As pedras, junto à areia fina que nela pousavam, machucavam a sola do pé de Monte Gel, que não hesitava em soltar gritos assustadores a todos que os ouviam e gargalhavam junto ao desespero do garoto.
No momento no qual Monte Gel pesou a ponte, que separava o gramado do vilarejo da igreja e atravessava um magrelo rio de água gelada naquela manhã, com seus encardidos pés, ele escutou alguém o chamar de debaixo da travessia com um timbre tão doce quanto um morango:
- Desça aqui. Desça aqui. – repetiu a voz – Desça logo. Tenho algo a te dar. – continuou.
Inocente como era, o jovem Monte Gel desceu e seguiu à voz pelo morrinho que interligava a superfície da ponte e as águas geladas do rio que corriam embaixo dela. Debaixo das rochas que preenchiam as costas da travessia, o sineiro encontrou uma linda mulher:
- O que tu tens a me dar e oferecer, linda mulher? – perguntou com pressa Monte Gel.
- Tenho algo que te ajudarás muito. – a mulher respondeu, retirando um minúsculo sino do bolso de trás do lindo vestido azul cobalto que ela vestia naquela manhã, na beira do rio frio – Tome. – disse esticando o seu braço direito ao peito do menino – Eu te garanto que o badalar deste sininho é muito mais alto do que o do grande sino da igreja. Irá te ajudar, com certeza. – a mulher finalizou e depois subiu o morrinho até em cima da ponte.
- Mas que maravilha! – exclamou alegre Monte Gel, segurando o sininho no meio das duas mãos entrelaçadas, já desinteressado com o destino da linda moça que conhecera.
Ele subiu o gramado inclinado e viu o sol no centro do céu azulado, estimando ser meio-dia, então, levou o sininho para cima da sua cabeça e o badalou alegremente.
Feliz com o feito, porém exausto por ter corrido tanto, Monte Gel deitou-se no meio da ponte e cochilou por um mês, acordando de dia em dia para badalar o sininho do almoço e comer uma maçã de uma macieira que pousava num dos gramados que a travessia separava.
Após recuperar-se da corrida, o sineiro despertou e caminhou lerdamente até o lugarejo. Quando Monte Gel finalmente terminou o seu regresso e chegou lá, ele se deparou com todos do povoado jogados no chão, magrelos, pálidos e mortos. O menino percebeu que o minúsculo sino que a linda mulher dera a ele embaixo da ponte não passava de um sininho qualquer, com um badalo baixinho, o qual ninguém conseguia ouvir, como a respiração dos cadáveres que dormiam no chão daquela vila.