A fome e o badalo do sino.
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Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 08/12/16 15:09
Editado: 08/12/16 21:59
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
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Notas de Cabeçalho

Um conto de poucas linhas e complicações.

Capítulo Único A fome e o badalo do sino.

Monte Gel, seguido pelos olhares intrometidos de todos do lugarejo, de manhã, corria à igreja para tocar o sino do almoço a tempo, antes que o povoado inteiro sentisse fome, mas fosse impedido de caminhar às portas dos melhores restaurantes pelo aguardo do badalo de cima da torre da igreja.

- Por que o Monte Gel corre tanto? – exclamou um mercador de dentro da sua banca, esperando que o vizinho comerciante, o qual acompanhava a corrida do jovem ao lado do que perguntava, respondesse-o.

- O horário no qual os bares e restaurantes lotam dentro e fora está perto de chegar, e é o Monte Gel que alerta a todos sobre a sua chegada. – explicou o vizinho – Acho eu que o garoto está com medo de que as pessoas, nós, não almocem e morram esfomeados. Acho eu. Sem total razão. – prolongou a aclaração.

As pedras, junto à areia fina que nela pousavam, machucavam a sola do pé de Monte Gel, que não hesitava em soltar gritos assustadores a todos que os ouviam e gargalhavam junto ao desespero do garoto.

No momento no qual Monte Gel pesou a ponte, que separava o gramado do vilarejo da igreja e atravessava um magrelo rio de água gelada naquela manhã, com seus encardidos pés, ele escutou alguém o chamar de debaixo da travessia com um timbre tão doce quanto um morango:

- Desça aqui. Desça aqui. – repetiu a voz – Desça logo. Tenho algo a te dar. – continuou.

Inocente como era, o jovem Monte Gel desceu e seguiu à voz pelo morrinho que interligava a superfície da ponte e as águas geladas do rio que corriam embaixo dela. Debaixo das rochas que preenchiam as costas da travessia, o sineiro encontrou uma linda mulher:

- O que tu tens a me dar e oferecer, linda mulher? – perguntou com pressa Monte Gel.

- Tenho algo que te ajudarás muito. – a mulher respondeu, retirando um minúsculo sino do bolso de trás do lindo vestido azul cobalto que ela vestia naquela manhã, na beira do rio frio – Tome. – disse esticando o seu braço direito ao peito do menino – Eu te garanto que o badalar deste sininho é muito mais alto do que o do grande sino da igreja. Irá te ajudar, com certeza. – a mulher finalizou e depois subiu o morrinho até em cima da ponte.

- Mas que maravilha! – exclamou alegre Monte Gel, segurando o sininho no meio das duas mãos entrelaçadas, já desinteressado com o destino da linda moça que conhecera.

Ele subiu o gramado inclinado e viu o sol no centro do céu azulado, estimando ser meio-dia, então, levou o sininho para cima da sua cabeça e o badalou alegremente.

Feliz com o feito, porém exausto por ter corrido tanto, Monte Gel deitou-se no meio da ponte e cochilou por um mês, acordando de dia em dia para badalar o sininho do almoço e comer uma maçã de uma macieira que pousava num dos gramados que a travessia separava.

Após recuperar-se da corrida, o sineiro despertou e caminhou lerdamente até o lugarejo. Quando Monte Gel finalmente terminou o seu regresso e chegou lá, ele se deparou com todos do povoado jogados no chão, magrelos, pálidos e mortos. O menino percebeu que o minúsculo sino que a linda mulher dera a ele embaixo da ponte não passava de um sininho qualquer, com um badalo baixinho, o qual ninguém conseguia ouvir, como a respiração dos cadáveres que dormiam no chão daquela vila.

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Apreciadores (5)
Comentários (4)
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Postado 07/01/17 23:44

Teus contos são simplesmente maravilhosos! É sempre bom encontrar algo novo aqui!

Parabéns!

Postado 09/12/16 23:54

Olá!

Que texto legal. Ele toma uma proporção boa e termina bem.

Parabéns!

Postado 24/11/17 05:37

Eu faço minhas as palavras da Srta Joy, cada uma delas! A garantia de que a leitura de uma obra não será menos que interassante é inexorável!

Um detalhe do estilo do senhor que aprecio bastante é o fator mistério. Há coisas que ficam no ar e/ou sem explicações explícitas e isso, nos contos do senhor, sempre cai muito bem!

Eu considero o recebimento e subsequente tilintar do pequeno sino como uma maldição imposta ao povoado pelo modo ingrato e debochado com o qual tratavam o pobre garoto, que sempre fez seu melhor para cumprir com seu dever.

Trágico, grotesco e merecido esse desfecho, na minha modesta opinião (trágico somente para o protagonista, pois talvez o remorso lhe tomasse a alma após visualizar o que de fato ocorrera com o povo da cidade).

Excelente como sempre! Congratulações, Sr Nathan!

Atenciosamente,

Um ser que deixaria todo mundo passar fome ao ponto de se canibalizarem, Diablair.

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Postado 16/06/18 23:56

Hahahaha. Cara, que do caralho. Sério mesmo. Eu ri do desfecho da história. Beira ao surrealismo.

E é bem nessas. Pessoas morrem, mas continuam parada esperando "o badalo do sino". É... Morram de fome. Morramos de fome.

Eu não deveria, pois é triste, mas eu ri com o final do povo demente.

História simples, mas muito clara e eficaz no seu significado.

Parabéns! Obra do caralho!