- Índios. Índios e seus tambores barulhentos. Vê? Ou melhor, ouve?
- Não ouço nada.
- É engraçado. Os índios passam em cima da sua caixa d'água, tocando seus tambores e fazendo seus rituais. Como você não consegue ouvir isso?
- Você está chapada. Muito chapada.
- Será que você consegue conversar com eles? Falar pra eles tocarem seus tambores um pouco mais baixo? Preciso dormir.
- Mais a gente não ia transar?
- Iamos?
- Sim, você disse.
- Quando isso? Antes ou depois dos índios fazerem a dança da chuva?
- Meu, para com essa brisa. Poxa vida, eu peguei até esse consolo aqui...
- HA HA HA HA HA... Isso não é um consolo sexual em formato de pinto, isso é um cacique da tribo xamã, olha só pra ele, todo vermelho e corpudo. Um grande e belo cacique xamã iorubá. HA HA HA HA...
- Sério, porque você sempre faz isso?
- Isso o que?
- Por que você sempre estraga tudo entre a gente?
- Mas não existe a gente. Existe o nós aqui e agora. Eu, você, os índios na sua caixa d’água e claro, seus dois amigos acasalando naquele colchão nojento no chão na sua sala.
- Eu tava aqui de boa fazendo minhas coisas, levando minha vida. De repende você aparece na minha porta, no meio da noite, com a maior cara lavada e me diz, “Eai, blz? Eu tava passando aqui por perto e resolvi dar uma passada aqui pra te ver.” Você é tão falsa que não sabe nem mentir. Você mora à uma hora de distancia da minha casa, Vick. Por que você faz isso comigo?
- Eu estava mesmo aqui por perto, eu só não queria ir pra casa agora, então resolvi dar uma passada por aqui pra gente trocar uma ideia.
- Esse que é o problema.
- O quê? A gente trocar uma ideia?
- Não. Você sempre some da minha vida. Sem mais nem menos. Uma hora você tá aqui na outra quando eu pisco você já se foi. E eu fico sem saber como você tá ou quando você volta. Sempre fico tentando saber aonde é que você se esconde e com quem você esta. Então do nada você resurge deus sabe lá da onde, no meio da noite, na porta da minha casa, com esse seu olhar de cafajeste e esse seu sorriso insuportável e finge que nada aconteceu, que nunca foi embora nem nada. Como você pode ser tão fria e fazer isso sempre comigo?
- Meu senhor que exagero, Cristina. Até parece que eu to sempre viajando pra outros continentes e sempre esqueço de mandar um cartão postal com algum monumento histórico de cada cidade. Calma lá mulher, vamos relaxar...
- Eu te odeio sabia?
- Me conte algo que eu já não saiba ou que eu não ouça ao menos de três a quatro vezes por semana de alguma garota.
- Você tá namorando alguém?
- Bom, até quarenta minutos atrás quando eu desliguei o telefone eu estava.
- Como é o nome dela?
- A da semana se chama Letícia. E a do final de semana se chama Suzana.
- Você tá me dizendo que tá com duas namoradas?
- Se for isso que você esta me perguntando, sim.
- E elas sabem dessa patifaria?
- Por acaso o seu namorado sabe que você esta louca pra dar pra mim?
- É diferente.
- Diferente por quê?
- Traição por traição todos nós vamos para o inferno.
- Vamos mudar de assunto.
- Tudo bem, mas antes deixa eu terminar de fumar esse baseado.
“Buga Buga...” Fazia os índios com seus tambores de pele de veado amarrados com cipó. O cheiro de Eight no ar do quarto se misturava ao cheiro de mofo do colchão esburacado, das cobertas finas e geladas e das paredes com infiltração.
- Calma, vai devagar... minha buceta não é brinquedo não.
- Eu nunca comi ninguém usando um cacique.
- Isso não é um cacique, isso é um consolo.
- Parece um cacique xamã iorubá.
- Cala a boca. Você vai ou não vai terminar de me comer?
- Talvez.
- Não vem com essa de talvez. Me come logo.
- Eu não vou conseguir com todos esses índios aqui olhando pra gente, todos pelados com seus bagos murchos e roxos.
- Porra sério mesmo que você ainda tá chapada desse jeito? Faz mais de quatro horas que você fumou aquele beck. Por falar nisso, cadê o restante do chá que você comprou? me deu uma vontade de dar uns tragos agora.
- HA HA HA HA... Acabou!
- Como acabou? O Diego comprou uma bucha de cinco.
- Exatamente. Eu fumei a bucha do Diego toda. HA HA HA HA HA...
- Você é inacreditável, sabia?
- A gente ainda pode transar no pelo?
Uma alta e longa gargalhada se fez dentro daquela pequena casa no meio da favela. Um cachorro latiu raivoso enquanto perseguia um gato que caçava um rato. Diego e Julia gemiam sem pudor em cima de um colchão velho e encardido jogado no meio da sala. Cristina abriu as pernas, retirou o consolo e o grudou na cabeceira da cama. A coisa vermelha ficou lá, ereta me encarando, esperando que eu fracasse-se também. Fui com os dedos, ou melhor, no pelo. Aquela noite eu não fracassei. Não fui derrotada. Os índios não venceram a guerra e as baratas que transavam dentro da lata de açúcar em cima do balcão da cozinha da casa de Cristina iriam proliferar e dominar o mundo. Sim, elas iram.