Ainda não havia escurecido quando Rosalinda terminou de lustrar seus chifres pela quarta vez no dia: estava estressada, desanimada, mas ainda assim queria estar linda. A rena pressentia que algo naquele Natal seria diferente, pois tudo estava estranho...
E quando sua prima Aline adentrou seu quarto correndo, com os cascos pintados de vermelho, fazendo TOC TOC no piso, pôde sentir seus pelos da coluna se enriçando em ansiedade.
-Rosa! Rosa! Luis está louco! Formou um complô, matou todos os Papais Noéis e disse que não precisaremos trabalhar hoje!
-Ah. -Suspirou a rena. - Menos mal. Estava cansada.
Aline a encarou com a boca aberta. Mesmo que entendesse um pouco.
Ela também estava cansada, pois como todas as outras renas, havia passado o ano todo percorrendo o mundo, vigiando as crianças e anotando os nomes das malcriadas que ganhariam somente meias no Natal.
Era um trabalho que a agradava, bem lá no fundo, em seu íntimo rancoroso.
Prendendo um laço rosa no cabelo, Rosalinda continuou.
-Trabalhamos a vida toda, fomos escravizados enquanto aqueles velhos levavam a fama e a adoração dos humanos. Que nunca lembram de nós. Por mim, poderiam enviar os restos dos corpos para aqueles monstrinhos que eu não me importaria. Definitivamente.
Aline arregalou os olhos e a boca em horror. E antes que conseguisse falar algo, viu que Luis estava parado à porta, olhando para Rosalinda com admiração.
-É isso! É isso que vamos fazer! - Disse animado, saindo rapidamente do recinto. Rosalinda arqueou as sobrancelhas. Aline só conseguiu balbuciar, antes de sair correndo da morada das renas para nunca mais voltar:
-Estão todos loucos.
E ela tinha razão.
As renas haviam enterrado os corpos dos Papais Noéis em uma vala rasa, próxima da morada. Luis ordenou que todos seus companheiros desenterrassem os corpos e os levassem para o porão.
As renas se organizaram e desmembraram os velhinhos, um por um. Colocando cada pedaço em um embrulho vermelho.
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Quando Valentina acordou no dia de Natal, a primeira coisa que fez foi correr escada a baixo, para pegar seu presente no pinheirinho.
Havia se comportado muito bem o ano todo e esperava ganhar uma boneca Barbie. Mas quando chegou na sala, um cheiro pútrido invadiu suas narinas. Ele vinha de onde estavam os presentes.
Receosa, Valentina procurou pelo embrulho com seu nome, tampando o nariz.
E quando o encontrou e pegou na mão, sentiu um líquido frio escorrer pelo pacote.
Frio, vermelho e fedido.
A menina abriu o laço, achando que era alguma brincadeira.
E aos gritos, ela deixou seu presente cair no chão: uma mão enrugada.
Uma mão humana.
Naquele ano o Natal invadiu os noticiários policiais. Todos acharam que era algum psicopata, um doente, tentando acabar com toda a magia que o Papai Noel e suas renas proporcionavam.
E enquanto a polícia se desdobrava atrás de um humano psicopata, Rosalinda e Luis riam, assistindo à televisão enquanto compartilhavam uma taça de Chandon.
Estavam divertindo-se como nunca.