Aqueles que morrem
Romão de Fonseca
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 28/11/17 02:50
Editado: 28/11/17 02:51
Avaliação: 9.33
Tempo de Leitura: 5min a 7min
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Palavras: 946
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Não recomendado para menores de dezesseis anos
Notas de Cabeçalho

Sugestão para se ouvir enquanto lê: https://www.youtube.com/watch?v=EmStlUk8dKE

Capítulo Único Aqueles que morrem

A mensuração de todos os desejos

O desejo de valer do conhecimento para atacar as coisas efêmeras, passa aos olhos desse que vos escreve, de uma maneira descabida daquilo que o conhecimento deveria valer. Por vezes, há aqueles que determinam os valores ao olhar o indivíduo ou sujeito tal como ele se apresenta. A história a seguir não cabe em nenhuma tentativa de usar o conhecimento para atacar qualquer coisa, também não é intuito determinar qualquer valor. É certo que o texto não serve para afirmar nada, a base dele é o questionamento, não há certo, nem errado, é deveras passível de crítica e discussão o que entende qualquer tipo de valoração.

A água que caia na terra seca

Um certo momento da vida, os questionamentos surgem com força: O que fazer da minha vida? Qual carreira seguir? Qual lugar visitar? O que tentar cursar? E são tantas as perguntas, que passaríamos anos aqui na tentativa de terminar os questionamentos. Isso fez com que muitas dessas pessoas, com tantas questões pendentes acabassem por tirar a própria vida, afinal, não faz sentido viver num Mundo onde as perguntas permeiam no dia a dia sem fim ou respostas. A morte é presente, comum e por vezes, benquisto. A morte não é cinza e nem triste, ela, na verdade, é saída fácil, rápida e wealthy, pois, se não há sentido em viver com perguntas, cabe ao indivíduo próprio, dar fim a esse viver – sem ter muito o que fazer a partir daí a riqueza dessa “sacada”.

Como em todos os filmes de Hollywood, o mocinho da história surpreende-se ao chegar nessa sociedade que para ele, era louca e não fazia muito sentido. Ao deparar-se com o mais sombrio, mas vivo, bairro em que visitava, viu-se rodeado por corpos, pois o que via era somente isso: defuntos. Não houve nenhuma expressão em seu rosto, somente uma certa admiração por tudo o que via, diferente das coisas viveu, nessa sociedade as pessoas conseguiam as respostas, já que, por vezes, nos momentos de crises e dúvidas profundas, matavam-se. Diferente de tudo que sentia, essa sensação de liberdade seduzia-o, afinal, a liberdade é tudo o que o homem procura.

Ao andar livremente pelo bairro, percebia com certa frequência alguns vultos, que conforme caminhava, tornava-se volumoso. O mocinho decide então, sentar no primeiro banco que viu, também com alguns defuntos, nefastos, podres… Não gritava, nem trancava a respiração ao sentir o cheiro pútrido daqueles que o rodeavam. Sendo um dos poucos que andava por ali, sentado, olha para o céu vê as estrelas, o que acometia o seu próprio ser. Agora, o mocinho sentia-se afoito e machucado, olhava aos céus e refletia sobre os deuses, as entidades, as religiões, as instituições, tudo aquilo que superou, mas tendia a persegui-lo em sua própria sociedade.

O sujeito decide lutar contra aquela sociedade, aquele bairro em que visitava qualquer coisa que não lembrasse mais o que era. Apesar das tratativas com algo que falava aos seus ouvidos “mate-se, mate-se, mate-se”, parecia inevitável viver. Num certo momento na sua profunda reflexão, olha para o cadáver ao seu lado e deflagra a seguinte questão: “O que são as coisas?”, infelizmente, aquele que foi para o além não respondeu quaisquer indagações do sujeito. Certo de que teria alguma resposta, continua, em estado de transe, levita sob o corpo caído ao seu lado, tenro, mas contraditoriamente duro.

Em sua breve levitação sob a sociedade, o bairro que visitava sem saber o porquê, nota que não há defuntos, não há cadáveres, não há aqueles que foram para o além, ele identifica sua família, seus amigos, aquilo que fazia parte de sua vida, aqueles contra quem lutou e militou, aqueles a quem matou. O que acontece ali é uma constante guerra, explosões e eclosões de um Mundo do qual já não faz parte que permeiam sua cabeça, seu ser. Apavorado, aponto para aqueles que ão de pagar pelo que fizeram. E deixa de levitar. A levitação é um estado curioso, onde só havia visto na televisão, com super-heróis ou mangás.

O nosso estranho amigo parte para o automóvel que o trouxe até o bairro pútrido, pútrido pois ali estavam todos os valores de sua vida, tudo aquilo que pensara ter superado, todo seu estado de ser. Não há contratos que faça com que mude de ideia. Não há classe que comporte o seu ser. Não há julgamentos que o assuste. Ele foge, corre, percebe que corre mais que o automóvel e decide continuar sua jornada. Percebe então, que a vida, tem um cheiro específico, um cheiro de terra molhada, como se a chuva caísse sobre a terra seca, como se a vida esbanjasse sobre as cidades vazias. Tudo é aquilo que ele construiu e só construiu. Tudo é aquilo que ele lutou, mas que sem todos os outros, não conquistava. Tudo é fruto do material, do real, mas que junto do subjetivo, abraça aquele que corre mais que o automóvel.

Para ele, a vida é o agente de combustão das pessoas. Aqueles que deixaram de viver, atiçam um estado, o estado de putrefação do seu próprio ser. Viver não é somente o ato de estar vivo, viver é a aceitar que se está vivo, aceitar essas perguntas, mesmo que sem respostas, mas também aceitar a necessidade de se fazer mais perguntas. Viver para ele, é um estado contínuo e infinito de procura das perguntas. Aqueles podres, aqueles cadáveres que tentam censurar o estado de viver, para ele, já estão mortos, ainda que no calar do dia, um insight, uma pequena luz de sensatez, transforma esses podres, em mortais como ele, mas que não levitam, estão presos no chão da sociedade em que vivem.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Obrigado e obrigado!

Apreciadores (4)
Comentários (4)
Comentário Favorito
Postado 17/12/17 21:28

Esse é um texto e tanto para se refletir! Gostei da maneira como você introduziu o tema, não foi algo apenas jogado na rodinha, mas há todo um preparo para dar início aos argumentos. O modo como o narrador vai contando a história é surpreendente, como se fôssemos nós a levitar por essa cidade.

E de fato a vida é composta por perguntas que, muitas vezes - bem mais que a maioria, para falar a verdade - não se têm uma resposta. Viver com elas e com suas consequências é deveras difícil, de tempos em tempos sempre nos perguntamos se tudo isso vale à pena, se vale à pena persistir, lutar... viver.

Gostei da visão do que é a vida. A maneira como escreveu é muito fácil de absorver, consequentemente, tornando a leitura muito mais agradável de prosseguir. Um ótimo enredo somado com uma criatividade explêndida.

Meus parabéns!

Postado 24/01/18 01:21

Muito bom! A leitura fluiu tão leve e os conceitos foram tão palpáveis, que só posso me deleitar com tamanha genialidade.

Meus parabéns ❤

Postado 04/10/18 13:31

Uma reflexão deveras interessante e de um ponto de vista bem diferente. Um texto fluido e magnificamente escrito. Só tenho a parabenizá-lo

Postado 31/10/18 16:23

Obrigada e obrigada, digo eu!

Que alucinante obra! Cada palavra bem traçada e sensatamente bem bordada ao texto! Que reflexão... Será que já fui o cadáver podre na vida de alguém? Será que minha vida foi sempre uma quase - morte?

O amor é selvagem, macio, natural, a morte se encaixa em todos os sentidos nestas palavras. Alguém que acolhe nosso corpo frio e o transforma em terra...

Para o pó retornaremos. Alguns não perdem por esperar, e não sinto tristeza ao afirmar que sou um destes. Parabéns por uma obra tão icônica, tão profunda, tão forte! Me aconcheguei aqui!