Depois que Cresci
Sabrina Ternura
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 04/12/17 01:03
Editado: 31/01/23 23:35
Gênero(s): Crítica Drama Reflexivo
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 2min a 3min
Apreciadores: 5
Comentários: 3
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Palavras: 444
[Texto Divulgado] ""
Não recomendado para menores de dez anos
Capítulo Único Depois que Cresci

Pai, desde pequena você me dizia que eu deveria crescer e me tornar uma mulher forte, corajosa e independente. Lembro de que você fumava um cigarro, enquanto dizia que a minha vida não seria fácil pelo fato de eu ser menina, mas que eu não deveria sentir medo, pois você iria sempre me proteger.

Na época não entendi o significado das suas palavras.

Todavia, hoje consigo compreender.

Coisas ruins já me ocorreram por eu ser mulher, mas você não pôde me proteger por desconhecer o que estava acontecendo. Sou boa em esconder verdades, da mesma maneira que era boa no esconde-esconde.

Meninos falavam coisas ofensivas para mim na escola e eu chorava no banheiro quando não havia ninguém. Meninos me olhavam de forma estranha e eu só conseguia sentir constrangimento, porque não queria aquele tipo de atenção. Eu era muito nova e não entendia a razão deles agirem assim.

Entretanto, um dia, eu me apaixonei. Estávamos na sétima série e ele segurava minha mão como se o mundo dele estivesse ali, bem ao lado. Era lindo, secreto e eu o amava. Ele disse que me protegeria de tudo e ninguém me faria mal.

Na época não sabia que ele teria que me proteger de si mesmo.

Você se recorda do dia que cheguei tarde da escola? Eram quase oito da noite quando retornei e você estava preocupado. Você me chamou para conversar e eu menti sobre o que tinha acontecido. Eu não podia te dizer a verdade, porque não tinha coragem para isso...

Sabe o que realmente aconteceu? Eu e ele tivemos uma discussão boba. Do tipo que pode ser resolvida com um simples “me desculpe”. Repentinamente, ele se transformou em um monstro sem controle. E, de repente, aquele que iria me proteger não só partiu meu coração, como também deixou marcas que sumiram depois de uma semana e meia.

Você não viu os hematomas. Não viu o quanto chorei depois do que ocorreu. E não pôde me proteger, porque não fui corajosa o bastante para dizer a verdade na época. Mas, pai, mesmo aceitando aquela desculpa esfarrapada, você me abraçou e disse que ficaria tudo bem.

Seu abraço fez a dor cessar.

Pai, estou crescendo e alguns homens me olham de maneira estranha quando ando sozinha na rua de noite ou quando uso uma roupa um pouco mais justa. Eles sabem que não sou mais aquela menininha que você carregava no colo e protegia do mundo. Mas hoje já não tenho mais medo. Você me ensinou a ser uma mulher forte e corajosa.

Pai, você me avisou desde cedo que não seria fácil ser mulher

E hoje, mais do que nunca, eu entendo.

❖❖❖
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Comentários (3)
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Postado 26/02/18 18:02

Realmente, ser mulher não é algo fácil na nossa sociedade. Tanto pelas altissímas taxas de feminicídio (Sendo -da última vez que vi- o quinto maior do mundo), quanto pelos estereótipos sobre nossas roupas e tudo mais.

É um tanto desanimador e lamentável ver isso acontecendo na nossa realidade, porque, infelizmente, isso está bem presente. Não é algo que se pode ignorar (apesar de continuar sendo).

Essa obra me fez refletir um pouco mais sobre a nossa sociedade e o quanto estamos um tanto acostumados com isso, em como aprendemos a nos acostumar, porque, querendo ou não, iremos sofrer com algum tipo de abuso (físico ou mental) na vida.

É realmente triste essa situação, mas espero que no futuro essa situação melhore e que fique mais fácil ser mulher ou o que quiser.

Parabéns pelo texto excepcional! É realmente incrível! :)

Atenciosamente, Savoir.

Postado 02/03/18 11:00

Não tenho palavras para expressar o quanto este comentário ficou incrível. Obrigada ❤

Postado 09/12/17 00:03

Eu queria muito dizer alguma coisa, mas sinto que nada que eu possa formular vai ser digno ou suficiente para expressar qualquer um dos sentimentos que tentou transbordar por mim.

Só me resta te parabenizar.

Postado 09/12/17 00:21

Obrigada, Flavinha!

Postado 19/12/17 22:15

Infelizmente, a primeira coisa que pensei ao término do texto foi " e pensar que hoje em dia alguns monstros mascarados de pais ensinam o que é a tortura física, emocional e/ou sexual para suas filhas ou enteadas...". Mas, seria hipocrisia minha dizer que o Mal reina com total onipotência neste mundo maldito. Talvez em breve.

Esta obra, embora essencialmente otimista, retrata realidades bem tristes e pesadas. Tenho plena certeza que, se a situação e idade do casal fosse um pouquinho diferentes, um estupro e/ou homicídio não seriam descartados de ocorrerem, por exemplo. De fato, ser mulher sempre foi, desde sempre, muito mais tortuoso e perigoso.

Este texto invoca uma reflexão pesarosa e faz uma crítica ferrenha sobre o nosso papel na sociedade, bem como as falhas grotescas cometidas nela e por ela, coisas mais que bem vindas e retratadas por uma narrativa sutil e poderosa. Excelente trabalho, Srta Tristeza (sim, pois tudo isso é realmente lamentável para a Humanidade enquanto "civilização")!

Atenciosamente,

Um ser que jamais será pai (e se fosse, seria uma bosta como tal), Diablair.

Postado 21/12/17 02:33

Tudo na obra é mascarado por um otimismo mentiroso, mas que não deve ser levado em consideração, até porque encarar o mundo como ele é na essência, foi o que nos restou.

Obrigada, Diab. E eu lamento completamente junto com você.