Johnathan folheava uma edição da National Geographic. Havia uma matéria... "Os lugares mais felizes do mundo" — Dinamarca, Cingapura e Costa Rica... A matéria vai narrando a vida de pessoas bem-sucedidas, de hábitos saudáveis, perfeitamente saudáveis, pessoas psicologicamente estáveis, pessoas bem-resolvidas. Tem um sujeito que dirige uma BMW de 750 000 dólares, casado, com quatro filhos bem-comportados que se destacam na escola. Uma outra mulher que é socióloga e vai de bicicleta ao trabalho com a família. Ela confia no governo, tudo uma maravilha. Na outra página, um "Atlas da felicidade". Um instituto pesquisa os graus de felicidade em mais de 140 países. Pedem pra pessoa dar uma nota de 0 a 10 pra saber o quão felizes elas são... Em Cingapura, a felicidade se resume em cinco cês: carro, casa, capital, cartão — de crédito — e clube. No Brasil, os municípios do Sul são os mais felizes...
Johnathan vai à janela, acende um cigarro e resmunga:
— Que diabos.
Seu olho esquerdo treme há meses. É sistema nervoso, dizem. Vá ao médico, dizem.
Johnathan odeia hospitais. Resolveu consigo mesmo que só iria ao hospital se estivesse à beira da morte. Ou, nem isso. Gostaria é de morrer em qualquer outro lugar, num boteco, ou cagando, ou ali na janela, fumando um cigarro, ouvindo Pink Floyd. Qualquer lugar, menos no leito fétido e cinzento de uma UPA. Já esteve por lá algumas vezes. Certo dia, sofrendo de enxaqueca, foi até lá. Soro nele, decidiram os "médicos". Certamente esses médicos não estão nem aí pra ninguém... Foi atropelado? Soro. Uma bala perfurou seu crânio? Soro. Sua namorada ou namorado terminou o relacionamento e você tentou se matar com uma overdose de amitriptilina e teve convulsões febris e babou e parou de respirar? Soro.
Agora Johnathan passa os dias em casa, zanzando de um lado pro outro, sem qualquer perspectiva. É fim de ano... A cidade toda enfeitada... brilhando... movimentada... Turistas tirando fotos, pra lá e pra cá... Johnathan sai, hora ou outra, pra comprar cigarros, e então entra num desses sebos, e fica olhando os títulos, os autores, sem qualquer disposição para lê-los... Balzac, Dostoiévski, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues... Já não encontra nos livros nada que o livre da realidade. Seria preciso uma droga pesada, uma droga realmente pesada. Mas ele sabe que isso é inútil, perda de tempo, burrice.
Daí, volta pra casa. Fica folheando velhos diários. Ah sim, as memórias, a adolescência conturbada, as noitadas desprezíveis dedicadas à mais ignóbil libertinagem... Sente nojo de si mesmo; um nojo extremo, tão extremo que chega a amassar seus miolos, sua dignidade; um nojo que quase se materializa na forma de uma corda em torno de seu pescoço...
Está sozinho, sozinho. E agora, Johnathan? Senta-se defronte ao computador, boquiaberto, e despeja meia dúzia de versos lamentáveis... Imprime sua nulidade na face do Esquecimento...
Seus pais asseguram: faça um curso profissionalizante, um curso de informática, qualquer coisa. Vai ser bom, ocupar a mente. E continuam: ano que vem você vai fazer suas coisas...
Ano que vem Johnathan será outro Johnathan. Ano que vem essa apatia irá se retirar, com certeza. Ano que vem todos os dias resplandecerão banhados na glória do bem viver.
— Que diabos.
"Poderia ter entrado para o exército", pensou. "Poderia então ser paraquedista e saltar com um paraquedas enferrujado. Com sorte, ele não abriria, e então..."
Johnathan caminha pela cidade e há vários pontos que lhe lembram das vezes, várias vezes, em que pensou em suicídio. O rio que cruza o centro, o topo dos prédios, a avenida movimentada em que os carros passam a todo vapor... Embriagado de rum, tentou se enforcar com um fone de ouvido.
De algum modo, suspira aliviado por ainda estar vivo. É certo que a melancolia o dobra ao meio; é certo que ele não suporta a si mesmo, a sua nulidade, o seu ridículo, os seus erros, a sua personalidade caduca, pálida e mesquinha; sim, é certo tudo isso, é certo que Johnathan gostaria de ser flor, pedra ou esterco; qualquer coisa menos Johnathan.
Mas, mesmo assim, mesmo nos cumes do desgosto, ele olha pela janela e vê duas borboletas que dançam no ar numa tarde nublada de dezembro, e isso — essa beleza milagrosa e simples — é razão suficiente para continuar vivendo.
Seja como for.