Cada canto da cidade torna-se mais bonito quando o espaço entre nós diminui. Viro a esquerda na Rua 6 e vou na direção daquele lugar tão nosso. Aquele era o segundo melhor momento do meu dia. O primeiro era quando chegava em casa e te encontrava.
Já na calçada da Cafeteria de Poesias, olho pela vitrine e te vejo sentado na nossa mesa, com um café em mãos, enquanto lê distraidamente uma edição nova de Demolidor. Acho graça na cena, pois mesmo após tantos anos, você continua com este olhar sonhador e aventureiro.
Respiro profundamente três vezes e entro no local. O cheiro do café invade meu corpo tenso e nervoso, pois a manhã havia sido exaustiva e frustante. Contudo, aquele era o nosso momento e, mesmo com uma nuvem cinza pairando sobre minha cabeça, aquele era o único lugar que eu gostaria de estar.
— Oi, moça! — Você diz abaixando a HQ e sorrindo.— Você vem sempre aqui?
Solto uma risada, me acomodo na cadeira que está ao seu lado e respondo em um tom apaixonado:
— Só quando você vem.
— NOSSA! — Você exclama e chama a atenção dos outros cinco clientes. — Então você é uma cliente fervorosa, assim como eu, pois venho todas as semanas com a minha esposa.
— E ela não vem hoje? — Questiono me fazendo de desentendida.
— Claro que vem. — Você me fita profundamente, como se visse a angústia que eu carregava na alma. — Ela sempre vem.
Vejo Liza, a garçonete de 58 anos, se aproximar de nossa mesa com uma xícara e café. Ela enche o recipiente com o líquido preto e sorri para mim, antes de se afastar da mesa.
Eu e Matthew frequentávamos aquele café há dois anos, mas Liza e Gabriel iam a mais tempo que nós, pois foram eles os fundadores do local, há 30 anos atrás. Tudo era aconchegante e todos que iam lá se emocionavam com a história do casal e do local. Em suma, Liza era poetisa e Gabriel um bom ouvinte que amava café. Eles juntaram o útil ao agradável e fundaram aquele lugar tão amado por todos. Levei a xícara aos lábios e encarei Matthew. Ele estava sereno, mas visivelmente ansioso. Suspirei profundamente e sussurrei:
— Eles rejeitaram meu livro.
Entrelacei os dedos de ambas as mãos e os coloquei na frente do rosto para impedir ele visse as lágrimas que ameaçavam a cair.
— Ei, meu amor, sinto muito por isso, mas tenho certeza que quem perde são eles. — Ele coloca as mãos sobre as minhas e as empurra gentilmente para baixo, expondo assim minha frustração. — Você é super talentosa, Emma. Deve se orgulhar do trabalho que fez e recordar de todo seu esforço. Um não pode doer, mas em hipótese alguma deve te paralisar.
— Mas... — Entrelaço meus dedos nos dele e tento controlar a crescente melancolia que torce meu âmago. — Mas dói tanto. E me deixa triste saber que todo investimento que você fez foi por água abaixo, porque...
— Nem me termine essa frase, Emmanuelle. — Seu tom é calmo, mas firme, o que me deixa desconfortável, pois sei que disse algo que não deveria. — O que você chama de "investimento", eu prefiro chamar de ''acreditar no seu sonho''. E daí que paguei sua faculdade? Tenho certeza que você faria o mesmo por mim. E digo mais: aquilo não foi nada diante da alegria que senti ao ver você chegar animada de todas as aulas.
— Eu sei... — Sussurro, tentando conter as lágrimas. — Desculpe, meu bem. Você, mais do que qualquer pessoa, sabia eu não estava feliz trabalhando naquele escritório. Mesmo sendo a chefe do RH, aquilo não era meu sonho. Só queria tentar recompensar de alguma maneira sua fé no meu sonho. Queria que você se orgulhasse de mim...
Seus braços me acolhem em um afetuoso abraço. Ali, com o rosto escondido na sua proteção, deixo que caíam de meus olhos as lágrimas que guardei até aquele momento. Então, você diz amavelmente:
— E quem disse que você precisa ter um livro publicado por uma editora para que eu me orgulhe de você? Ema, sua dedicação com seus poemas e seu empenho em sempre melhorar me enchem de orgulho. Admiro seu esforço e amo quando te vejo sorrir para o papel, como quem sorri para alguém que ama.
Recebo cada palavra em silêncio e me afundo ainda mais em seu abraço. Aquele era nosso momento, mesmo que eu não estivesse bem. Matthew tinha muitos defeitos, às vezes falava alto demais em público e era meio atrapalhado com as coisas, mas ele sempre tinha as palavras certas e um espírito inabalável. Quero respirar a essência desse homem tão amável e deixar que todos os meus versos sejam conhecedores disso.
Ergo a cabeça e dou um beijo rápido em seus lábios. Você sorri e coloca a mão na minha cabeça, como quem diz que tudo vai ficar bem. E, de fato, ficaria, desde que você estivesse ao meu lado.
— Me conte como foi no trabalho hoje. — Digo pegando a xícara com o café ainda quente. — Aquele cara do setor 10 continua causando problemas no servidor de vocês?
— VOCÊ NEM IMAGINA O QUANTO! — Você exclama alto, chamando a atenção dos clientes novamente, mas, prossegue a frase num tom sereno: — Mas não precisamos falar sobre mim agora. Sei que está chateada e...
— Nem termine essa frase, Matthew. — Protesto levantando uma das mãos, mas sorrindo ao mesmo tempo. — É impossível falar sobre você e continuar chateada.
Então, após um leve beijo ser deixado em meus lábios, você começou a contar sobre o que houve no trabalho, ora falando alto e chamando a atenção dos demais a nossa volta, ora sussurrando como se o mundo não pudesse ter conhecimento de suas palavras. Naquele fim de tarde, concluí que seria mais do que imprudente desistir de um sonho tão nosso, por um não tão solitário.
Admirei cada detalhe seu e sorri por suas manias. Você, de fato, é minha poesia mais bonita.