De balada em balada.
Nilton Victorino Filho
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 03/08/19 18:10
Gênero(s): Cotidiano
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
Apreciadores: 2
Comentários: 2
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Palavras: 558
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Livre para todos os públicos
Capítulo Único De balada em balada.

Duas considerações, antes da narrativa dessa aventura:

Primeira, sendo órfão muito cedo, tive que me inventar do nada, troquei alguns sentimentos e matei outros para sobreviver, troquei o medo pelo otimismo e, nas piores situações da minha vida eu me portei de forma que nada pudesse me fazer mal, com o tempo, eu passei a fazer piadas nas piores situações.

Segunda, nas baladas, quando a coisa ficava preta meus amigos não pediam socorro, olhavam para mim e, eu estando ali, era garantia de que tudo ia acabar bem, com efeito, eu sempre fui a pessoa de mais sorte no mundo.

Era uma tarde abafada aquela, um aviso de que logo vai haver chuva grossa, para os lados do Km 10 da Raposo Tavares, eu e os amigos nos envolvemos numa briga com os nativos do bairro, quando as sirenes da barca tocaram as turmas se dispersaram, eles estavam em casa e logo se esconderam, muito longe de nossa casa nos conformamos e levantando as mão à cabeça, ficamos de cara para o muro.

Geral de praxe e um dos nossos trazia nos bolsos umas gramas de maconha:

_Vocês são de onde??

_Educandário Dom Duarte...

_Oi???

_Jardim Arpoador.

_Muito longe de casa, muito bem, brigando e carregando maconha... Bóra lá, conversar com o delegado.

Algemaram todos, uns nos pulsos e outros nas canelas e éramos quinze, quando chegou a minha vez não havia mais algemas, os quatorze amontoados e eu solto dentro daquele cubículo que cabiam quatro, apertados e suando em bicas num escuro de dar medo, quando o carro passava num obstáculo, éramos jogados para o teto e voltávamos ao piso.

Constrangido por ser o único solto no carro e percebendo que um dos amigos ameaçava de chorar, a expectativa de sofrer violência faz isso com adultos e, o mais velho de nós tinha quinze anos, percebi que nas laterais da lataria da barca haviam umas fissuras de respiração, muito pequenas, com otimismo dava para enxergar mal o lado de fora e comecei:

_Senhoras e senhores, estamos agora no frondoso e próspero bairro da Vila Indiana, podemos enxergar à nossa direita, árvores plantadas pelos bandeirantes em longínquos tempos...

Alguns meninos passaram a rir, conforme o carro seguia, eu falava a rua e algum fato em especial:

_Senhoras e senhores, estamos de frente da padaria que o Zoinho ficou com vergonha de comprar camisinha...

E já estavam todos os amigos alegres dentro da barca.

Seguiu a barca em seus solavancos, aumentando a velocidade e freando, nós lá dentro, no escuro e suando feito porcos que vão ser abatidos, quando chegamos ao pátio da delegacia, eu terminei a narração turística:

_Senhoras e senhores, chegamos ao famoso restaurante da Vila Sônia... prato de hoje é chá de pancada e sopa de borracha, ao desembarcarem confiram seus pertences.

Essa não teve graça alguma, a tampa traseira foi aberta, o policial sorria, imaginei que fosse pela expectativa de espancar-nos... enquanto um deles livrava os amigos das algemas o tenente gritou:

_Quem foi o engraçadinho da narração??

Levantei a mão, ele levantou a mão em minha direção.

_Olha aqui moleque...

Repentinamente, baixou a mão e, acompanhado pelos outros três, soltou uma gargalhada, dessas de exú caveira.

_Meninos, quero informar que, por motivos alheios a nossa vontade, o chá e a sopa não serão servidos, na próxima ocasião serviremos o dobro e não cobraremos nada.

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Apreciadores (2)
Comentários (2)
Postado 20/09/20 14:59 Editado 20/09/20 15:00

Fantástico! Eu ri muito!

Parabéns pelo excelente texto, seus textos são sempre um grato prazer!

Postado 21/09/20 19:42

Sua mente é um lugar mágico! Ri bastante com seu otimismo e com seu bom coração, sempre querendo ajudar e confortar quem você ama... Suas histórias são incríveis!