Acendo meu incenso, ouvindo o grito lá na porta:
_ Ô bruxa dos infernos abre essa droga! Ou eu toco foco nessa casa! _ gritava quem um dia chamei de vizinho.
Ele descobriu, descobriu que eu não seguia a cartilha... Mas não iria temer ele, nem ninguém!
Termino de acender os incensos e coloco sobre o pedestal com os cristais, olho para a foto do Buda e peço:
" Ô meu amado... Proteja-me do ignorante, do violento, do sujo e do cego que nada vê além de si mesmo"
Saio para fora e encaro o opressor, de mão limpa.
_ Vai pra igreja orar mulher imunda! _ ele cospe as palavras de modo ofensivo.
_ Por que você acha que tenho que ir para igreja? _ pergunto calma
_ por que tu é do demônio _ responde como se fosse óbvio.
_ E vosmecê não é não? _ coloco a mão na cintura _ Tu veio aqui, tenta gritar e mandar e desmandar no que acredito, não ajuda ninguém além de si, tem nome sujo na praça e nem respeita a própria mulher, e eu sou do demônio?
Ele me olha incrédulo, não só para mim, mas para todos que olhavam aquela cena lá na rua, todos sabiam o quão sujo ele era. Não havia como negar.
Se vê sem resposta, por enquanto, o peso da pinga que ele tomava tava mais forte que o poder de argumentar
_ pode ir embora, vá! Xô! _ espanto ele com as mãos.
_ Eu ainda toco fogo nessa tua casa de adoração! Nesse purguero cigano! _ o pobre bêbado sai andando enquanto resmunga, todos olham para ele.
De repente me vem a esposa, pobre mulher, doce e generosa, que convivia com um porco.
_ Mil perdões pelo meu marido dona Girassol... _ ela diz de cabeça baixa.
_ Peça desculpa não, eu tô tranquila, qualquer dia venha me visitar... Sempre será bem vinda _ pisco para ela, e ela me sorri, e vai-se embora.
Entro para dentro, agradeço aos meus deuses, e já que era para tacar fogo, a incendiada não seria eu, e sim o ego do intolerante.
Coloco meu rádio na estante, e coloco minha canção, canção do meu deus Krishna.
Danço de olhos fechados, envolta do incenso inebriante, sinto a presença também de Ganesha meu protetor.
Estava bem.
Dançava e cantava:
"Krishna Hare Krishna
Krishna Krishna Hare Hare
Hare Rama Hare Rama
Rama Rama Hare Hare
Hare Krishna Hare Krishna
Krishna Krishna Hare Hare
Hare Rama Hare Rama
Rama Rama Hare Hare"
No fundo eu sabia...
Sabia que o opressor não era mais forte que minha fé!
Minha fé é a MINHA força.
e enquanto eu tiver isso, nada me tira a vida.
A vida é passagem.
mas amor por aquilo que se crê, fica para sempre.