Um coração de família
J. Brandão
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 21/12/20 02:59
Gênero(s): Mistério
Tags: #suspense
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
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Palavras: 572
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Capítulo Único Um coração de família

Um Coração de Família

Os pingos gelados escorriam pelo guarda chuva. A ventania molhada ensopava seus trajes. A rua infinita e silenciosa de casas coloniais serpenteava. As árvores frias e escuras. As sombras penduradas nos galhos tortos. As folhas secas como garras de bruxas seculares. O temporal desabava banhando o asfalto com um líquido escuro pela ausência da luz dos postes. Uns postes queimados, outros fragilmente acesos. A rua estava escura e seus passos, apressados. Ao longe ele via um vulto em seu encalço. Alguns metros atrás. O vulto tomava forma. Se delineava. Então, ele se apressou pelo receio de quem pudesse vir a ser. Ainda mais com o psicopata do jornal à solta.

O dilúvio despencava impiedoso. Sabedor de crimes indecifráveis. Conhecedor dos segredos da noite. A ventania assoviava. Os espíritos conversavam no mundo dos mortos. Um grito aqui, outro ali. Talvez, fosse só coisa de sua cabeça cheia de problemas e tensão. Sua mãe adoentada. À beira da morte. Um calafrio eriçou sua nuca, desceu pela coluna. Apesar dos cabelos parcialmente molhados. Poderia ser o frio, mas o vulto estava mais próximo, isso era evidente. E ele ficou ainda mais receoso, amedrontado. Um pensamento passou por sua cabeça. Qual seria a manchete de amanhã? “ A vítima tinha estatura mediana e cabelos escuros” diria a âncora de algum jornal noturno.

Enquanto a chuva deslizava pelo asfalto, limpava o telhado das casas e trazia vida à grama, era nisso que ele pensava. Essa poderia ser uma morte sofrida. Lembrou do serial killer que vira no jornal. Um assassino sádico que matava suas vítimas com um cordão de nylon. Estrangulando-as. Para depois vender seus órgãos no mercado clandestino. Era um “trabalho” bastante peculiar. O vulto se aproximou ainda mais. Mas, talvez, fosse esse “trabalho” que pagasse as contas dele. A crise econômica não livrava ninguém, pensou.

São Paulo colecionava moradores de rua, porém o assassino do nylon não os matava, pois tinham a saúde fragilizada. A jornalista dissera. Era preferível órgãos saudáveis. Olhando bem, até que faz sentido. Continuou a apressar o passo. Devia chegar no estacionamento no horário marcado. Sem atraso, sem adiantamento. Pegaria a encomenda, entregaria a pasta com o dinheiro e sairia às pressas o quanto antes. O vulto enfim, passou por ele. Seguiu adiante. Ele entrou à esquerda rumo ao estacionamento.

Na parte afastada e escura do estacionamento parou um carro preto sem placa, vidros fechados. Então, ele recebeu a mensagem no celular: “ENTRE”. Ouviu quando a porta traseira foi destravada. Fechou o guarda chuva que vinha trazendo, aprumou a maleta cinza. Abriu e entrou.

─ Trouxe o combinado?

─ Trouxe. Ele respondeu ao homem no banco do motorista. O homem pegou uma caixa de isopor bem lacrado, dentro de uma outra caixa azul com um termômetro acoplado em seu interior e muito gelo. O motorista, então disse:

─ Está fresco, veja. Ainda bate.

Enquanto segurava o guarda chuva ensopado, ele se esticou para ver melhor os detalhes e confirmou com a cabeça o que fora dito. Em seguida, abriu a maleta que trazia e mostrou ao homem todo o dinheiro da negociação. A maleta foi trocada pela caixa com alças. A porta do carro foi aberta. O homem do guarda chuva saiu, levando consigo o coração pulsante enquanto o assassino do nylon se afastava no carro preto. Era abominável, sim. Mas, o que ele poderia fazer?! Sua mãe estava morrendo. E pela família, fazemos qualquer coisa. Até as piores baixezas.

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Apreciadores (1)
Comentários (1)
Postado 22/01/21 22:32

Que texto mais genial, o final me surpreendeu muitíssimo!

Durante a leitura nem me passou pela cabeça essa possibilidade!

Gostei muito do seu modo de escrever, o jeito de construir a história!

Muito bom mesmo, esse final me deixou "com o coração na mão" hahahaha, parabéns por sua criatividade!

Um abraço <3