O homem sem sonho
Maria Clara Bruno
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 05/07/21 12:15
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 25min a 33min
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Palavras: 4012
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Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

Olá a todos.

Esse conto foi escrito em 2019, quando eu pensava em fazer um livro com ele.

Não sei se porventura isso virá a acontecer, mas quero compartilhar com vocês. Por favor, comentem, dêem críticas, é de muito valor sua opinião.

Boa leitura!

Capítulo Único O homem sem sonho

O característico café preto e forte da manhã, na padaria da esquina de um bairro qualquer na grande cidade de São Paulo era servido na mesma mesa quatro; que todas as manhãs possui os mesmos ocupantes. Um homem jovem, de cabelos negros, curtos, levemente ondulados; vestindo um mesmo terno alinhado com gravata verde todos os dias. Possuía um olhar melancólico, sério, como se estivesse o tempo todo apreensivo, com uma sombra de duvida o assombrando por todo instante em sua pacata vida.Acompanhando ele, uma jovem mulher, vestindo um blazer com saia, os mesmos trajes formais e levemente decotados que usava sempre. Os cabelos curtos e castanhos traziam ainda mais harmonia à seu rosto fino, com olhos brilhantes que esbanjavam alegria juvenil.

Desde o tempo de faculdade, ambos frequentavam aquela padaria. Um local simples, porém aconchegante e, para os dois, que servia o melhor café de São Paulo. Os olhares do jovem homem percorriam a mesa distraidamente, a mente percorrendo mil e um pensamentos. Pensava, em filosofias antigas, em antigos pensamentos que talvez já haviam sido pensados por alguém. Mas quem teria criado tais pensamentos, ele se perguntava? e refletia, observando com atenção o café quente em seu copo. A garota havia percebido que estava distraído, e deixava o amigo isolado com seus pensamentos por um momento. Havia estudado psicologia, e sempre lhe foi um hábito usar seus amigos próximos para treinar o que via em seu curso, apesar de depois ter mudado de curso; e feito administração de empresas.

Ainda observava o café, quando ela, sorrindo, passou a mão na frente do campo de visão dos olhos de seu amigo, desligando-o do mundo de seus sonhos e pensamentos. Mas que sonhos? Que pensamentos? Há tempos ele se perguntava, em seu intimo; a pergunta que ecoava em sua alma e lhe fazia tremer dos pés ao ultimo fio de cabelo: Onde estavam seus sonhos? Refletia sobre isso mais uma vez, indagando-se, pensando que tinha algum problema. Voltou à realidade com a breve ação da jovem moça; piscando algumas vezes, parecendo sonolento. Os olhos verdes sempre foram vibrantes, mas pareciam opacos; conforme os anos passavam.

- Estava novamente pensando? – As palavras pareciam leves e soltas na voz calma e meiga da mulher. – Me contava sobre o atual caso em seus cuidados, antes de o café chegar.

- Estava, não? O mais estranho caso, devo dizer... Lembra-se do nome Mauro Coelho?

- Como esquecer? Nos formamos juntos, ele era um exemplo para a turma.

- Sou o advogado de defesa dele. – Suspirou, bebendo um gole do amargo café. – Seu crime foi furtar um pão na rua vinte e cinco de março, da sacola de uma madame conhecida como Rita Menta. – Comentou, parecendo um tanto quanto incrédulo em sua entonação de voz. A garota riu, um riso alegre, porém quase descrente.

- Um tribunal da justiça para um roubo de pão? – Ela ria gostosamente, parando somente para engolir alguns curtos goles de seu café.

- Não só por isso. Mauro é acusado também de extorsão e roubo de propriedade privada, além de ameaça e tentativa de homicídio. Segundo a Sra. Menta, ele a ameaçou e exibiu seus quadros em sua loja sem a devida autorização. Quando foi confrontá-lo, ela diz ter tomado um tiro de Mauro, numa tentativa de matá-la. O roubo do pão parece ter sido o ápice.

- Nunca pensei que ele seria capaz de algo assim... Ainda assim, por que ela não denunciou? Ela quase morreu, não?

- Rita dizia estar sendo ameaçada, dia e noite, por um infiltrado no hospital. Ainda que eu tenha minhas dúvidas, já que poucas pessoas dizem ter ouvido falar do caso e testemunhado. Há gravações do ato; de Mauro atirando em Rita, mas estão em péssima qualidade e podemos extrair muita pouca informação delas.

- E as testemunhas?

- Como eu disse, são poucas. Duas ou três amigas de Rita, que estavam com ela durante o ataque, em um beco.

- Meu Deus...

-Eu sou o advogado de defesa dele, estou em uma saia justa, Carlen... – O rapaz suspirou, pensativo novamente. Seu trabalhoso oficio as vezes lhe custava sua calma, devido aos estressantes casos para o qual era chamado. Esse era um dos piores, em sua opinião; mas não pôde recusá-lo, já que ansiava há algum tempo um rompimento em sua entediante rotina. – Defendê-lo será difícil... as janelas do caso tem venezianas fechadas para a defesa, já que Rita apresenta também provas contra Mauro... O julgamento será hoje, com o juiz José Montes.

- Bem, boa sorte. – Ela sorriu, calma. Arrumou uma desobediente mecha de seus cabelos atrás da orelha, e bebeu mais um gole de seu doce café. – Mas... Jassen, ainda pensa sobre sonhos?

- Sonhos... – Ele suspirou. Pôs alguns dedos sobre as têmporas, parecendo rabugento. – Não os tenho, sabe disso. A terra de paz, a terra dos sonhos, não existe em mim. Sou uma casca vazia, sem objetivos claros, apenas seguindo.

- Deve ter algum. Se não os têm, crie um apenas seu. – Carlen agia assim, simples e prática. Mantinha as complicações longe de si, e preferia sempre evitar soluções complexas e desnecessárias. – Você está vivo, pode fazer isso, não?

- O mundo diz abrir portas para os sonhadores.. mas se eu não sonhos, nenhuma porta abrirá para mim. E... pensando bem... já abri todas as portas por mim mesmo.

- Todas?

- Um emprego estável, formação completa, tenho tudo o que preciso para viver. Isso não basta?...

- Sim, mas já pensou em algo a mais... algum lugar que queira visitar? Ou talvez alguém que queira conhecer, ou reencontrar?... – Sugeria, pela décima vez no ano. Sempre que conversavam, rumavam para esse assunto; mesmo sem querer. Carlen bebia calmamente mais um pouco do café, e sugeria mais coisas ao longo dos minutos; porém, com a mesma intensidade com que ela sugeria, Jassen negava tudo, dizendo que não tinha nenhum sonho.

- Não... nada disso eu tenho um grande desejo de fazer... Não tenho nenhum sonho, Carlen... apenas vivo cada dia, um após o outro.

- Mas pense bem no que eu disse... não pode adotar um sonho, por agora? – Sugeriu, terminando seu café e se levantando de sua cadeira, espreguiçando; esticando os braços, bocejando. – Por que não pensa, por agora: Meu sonho é vencer a causa desse tribunal, e salvar meu cliente da prisão? Seria um sonho breve, mas você poderia experimentar um sonho!

- Bem... penso que não fará mal. – Jassen terminou o café, e se levantou, arrumando os botões do paletó, alisando o tecido com as mãos. Suspirou, parecendo aborrecido; entregou o dinheiro da conta à um garçom que passava, e voltou seus olhos para a janela, contemplando o céu com um mar de nuvens cinzentas, de fumaça e de chuva. – Com licença, Carlen... tenho horário para chegar ao tribunal.

Se despediu brevemente da amiga, e saiu da padaria, os pensamentos tomando conta de toda a sua mente. Sonhos... não os tinha, nem dormindo. Embora alguns dissessem que era normal, ele não se sentia assim; sentia-se esquisito, vazio, pensava diversas vezes que sua falta de sonhos indicava o fim de tudo de útil que tinha para fazer neste planeta. Caminhava calmamente, sem pressa, afinal; estava adiantado como sempre. Entrou no primeiro metrô que vira, e se dirigiu para o tribunal, em meio a muitas outras pessoas que, como ele, saíam para fazer suas obrigações. Sentado em um milagroso banco vazio, com sua pasta de documentos no colo e um segundo milagroso assento vazio ao seu lado; Jassen observava o movimento. Uma forma humana conhecida se aproximou, e sentou-se ao seu lado. Era José Montes, o juiz.

Um homem silencioso, perspicaz. Os cabelos claros, olhos astutos, escuros como a noite, que percorriam o vagão todo, silenciosos. Uma barba bem feita, arrumada, carregava sua roupa de juiz e uma pequena maleta; vestia um terno, e parecia, como sempre, sério e absorto em importantes questionamentos em sua mente. Jassen observou-o de relance, parecendo curioso. Havia sido uma coincidência muito grande encontrar o juiz do caso no mesmo metrô.

- Bom dia, senhor... – Jassen cumprimentou, hesitante. Não acreditava em destino. Não gostava de coincidências. Sentia-se pressionado com a simples presença do juiz, mesmo que ali, naquele lotado metrô, ambos estivessem como iguais cidadãos.

- Hm?... Bom dia, senhor Thonart, não? – José respondeu, distraído. – O advogado do senhor Mauro Coelho, se não me falha a memória.

- Eu mesmo, excelentíssimo. – Respondeu, de forma cordial. – Estava agora mesmo me dirigindo ao tribunal.

- Corte as formalidades excessivas, não precisa usar elas aqui. – Suspirou, arrumando o claro cabelo com a mão, rabugento. – Guarde para a seção, use suas melhores palavras. E fale menos, qualquer um pode achar que você está tentando me deixar parcial. Somos pessoas publicas, Jassen.

- Concordo, senhor.

- Me chame de José; aqui fora somos iguais, então me trate pelo nome, já que agora tomei a liberdade de usar o seu.

- Como quiser... José. Enfim... decidiu pegar o metrô?... achei que gostava de seu carro.

- Bom, quis ajudar um pouco o ar podre dessa cidade e decidi usar o metrô. Um carro a menos é um carro a menos. – Suspirou, deitando a cabeça no encosto do banco. Parecia cansado, e pouco paciente. – E com o trânsito, eu chegaria atrasado. Não seria um bom julgamento comigo atrasando tudo.

- Entendo... bem, José.. vou descer. – Jassen se levantou, as primeiros sinais de que o trem estava parando. José o seguiu, em silêncio, e ambos deixaram o metrô, saindo para a rua.

Caminhavam em passos lentos, passos que mal faziam barulho na rua, encobertos pelos sons de buzinas, carros freando, pessoas por todos os lados, a conversar. Mantinham uma postura ereta, feições sérias, como homens que muito tinham a se preocupar e uma pesada carga em seus ombros; o que de fato, possuíam. O fardo da justiça pesa, e o fardo da defesa é, muitas vezes, se vencer por seu cliente. Jassen certificou-se de que seu terno estava bem arrumado antes de entrar na principal sala do tribunal.

O ambiente grande se apresentava vazio. Faltando cerca de meia hora para o inicio do tribunal, as primeiras pessoas chegariam ali logo; Jassen tomou seu lugar como advogado de defesa, e sentou-se em seu lugar, em uma mesa solitária. Aos poucos, a sala foi se enchendo de pessoas. As testemunhas, os jurados do júri popular, e a promotora do caso, Mila Charles que, ao passar do lado de Jassen, sorriu e piscou um olho. O advogado ignorou, absorto em seus próprios pensamentos. Pensava sobre sonhos. Era realmente seu sonho estar ali? Havia feito tudo para estar ali, porque era seu sonho? Ou estaria ali pela ligeira impressão de que sonhara com aquilo? Talvez, estivesse ali por dinheiro... mas não, ele tinha certeza de que desejava estar ali. Mas desejar é sonhar? O que separa um sonho de um mero desejo?

Pensava, refletia, esperando aquela meia hora passar. Sonhos são desejos, mas desejos nem sempre são sonhos. O que fazia ele se sentir sem sonhos? O que era um sonho, afinal? Suspirou, deixando seus papéis com anotações, documentos e provas sobre a mesa, olhando para eles como se esperasse uma resposta deles. Mas não teria resposta, obviamente. O juiz chegara, o réu estava posicionado; a promotora estava lá, pronta para o julgamento, a testemunha e vitima Rita Menta já estava em seu lugar, apenas esperando. Ao lado dela, algumas garotas jovens, parecidas com a artista, e mais algumas pessoas do júri popular. Começaria, agora, o julgamento de Mauro Coelho Silva.

O juiz José Montes tomou seu assento, com uma feição séria, parecendo até irritado. Suspirou, arrumou seu microfone, ajeitou lentamente os papéis na mesa. O suor na testa de Mauro Coelho era extremamente perceptível; estava ali um homem que temia por sua liberdade. Seria ele um injustiçado inocente ou um monstro disposto a realizar um assassinato por puro prazer, ou orgulho?

- Daremos início agora a nossa sessão... Do julgamento do Sr. Mauro Coelho da Silva, pelo artigo 131º do código penal, por tentativa de homicídio. Vamos começar com as perguntas. O réu tem o direito de ficar calado, segundo a constituição.

Mauro engoliu em seco, a ponta dos cabelos aloirados parecendo úmida pelo suor. Estava já algemado, em silêncio; temendo cada segundo daquele momento, ansioso e frustrado. Olhava de relance para Jassen, como se esperasse um socorro vindo dele; e o advogado retribuía o olhar, em silêncio, os olhos verdes entrando profundamente na alma daquele senhor, sem refletir quase nenhuma emoção.

- Senhor, onde estava no dia do ocorrido, dia vinte e sete de julho de dois mil e dezessete, quando a tentativa de assassinar a Sra. Rita Menta ocorreu? – O juiz indagou, com a face séria, posicionando lentamente seus óculos retangulares, finos sobre o cansado rosto. Mauro tremeu.

- Vo... Vossa Excelência.... Eu estava na minha casa... minha esposa e meus dois filhos podem comprovar...

- Pois bem... e no dia trinta de setembro, quando supostamente você furtou um pão da sacola da Sra. Rita Menta...- Os olhos do Juiz corriam os papéis em sua mesa, e a constituição ao seu lado era revisada frequentemente. – Fora as acusações de ameaça de morte, e plágio ou roubo da arte da Sra. Menta, que trabalha como artista plástica.

- No... no dia trinta, eu estava viajando aos Estados Unidos, Meritíssimo... Na realidade... desde as seis da manhã eu estava no aeroporto...

- Bem.... passo a palavra à promotora Mila Charles, para apresentar as acusações contra o réu.

Mila se levantou, decidida. Os cabelos castanhos, presos em um coque formal, pareciam brilhar mais quando ela abriu um sorriso vitorioso, os olhos finos observando atentamente o réu; como se estivesse vendo todo o julgamento como um jogo. Lambeu os lábios, e, decidida, começou a falar.

- Meritíssimo, são claras e concretas as provas que temos contra o réu; filmagens e testemunhas, além da própria vitima, que veio até nós em busca de consolo. Imagine que Rita Menta, uma artista plástica no inicio de sua carreira, já teve suas obras roubadas e sua vida ameaçada por este homem. Ao Júri, imaginem que esta moça não deve nada a ninguém, e sua vida não foi mais que sofrimento por conta deste homem. – Mila sorriu, se sentindo vitoriosa. Olhou de relance para Jassen, mas este, como sempre, não expressava emoção alguma, nem mesmo havia se movido em sua cadeira; os olhos verdes penetrando em sua alma, analisando cada comportamento seu. Aquele homem a deixava irritadiça, nervosa, tinha vontade de vencê-lo em um debate, mais que tudo. Pigarreou, concentrando-se em sua atual cliente. – Gostaria agora, de chamar uma das testemunhas para depor: Milena Jonhsen, por favor.. – Ela chamou, e uma garota vestida formalmente de preto se levantou. O olhar medroso e o comportamento nervoso eram marcantes, e ela tremia dos pés a cabeça.

- É uma testemunha da acusação, a senhorita? – José Montes indagou, sério. – Conte-nos onde estava no dia do ocorrido, Srta. Milena.

- Bem... bem, Senhor Doutor... – A respiração da garota tremeu. – Eu estava com a vitima, Rita... somos amigas, e saíamos de um bar... e então... aquele homem pulou de um beco, e atirou na minha amiga...

- E... isso é tudo? – O juiz parecia perplexo. Ao seu ver, esperava mais informações; Fitou o júri popular, estes pareciam confusos, uma senhora lia e relia um papel em seu canto. – E sobre os outros incidentes?

- Só... só sei desse, Senhor... – Ela sorriu, nervosa, apertando as mãos cerradas contra o peito. Posso... me retirar ao meu assento?...

- Pode, Senhorita.

Ela se dirigiu ao seu assento, ao lado de Rita Menta. Parecia nervosa, seus olhos marejados pareciam querer soltar todas suas lágrimas a qualquer momento. Jassen se atentou à estes fatos, e a mais um na garota que chamou sua atenção. Os olhos verdes iam e voltavam, de seus papéis para a garota, e vice versa.

- Pois bem... Meritíssimo, a acusação tem mais uma testemunha a apresentar. Mas antes, devo transmitir mais uma vez as filmagens que comprovam a culpa do Senhor Mauro Coelho? O Júri, se não me falha a memória, já pode tê-las visto após a repercussão do caso, em grupos de redes sociais. Porém, temos estas filmagens como importantes provas do caso.

- Permito a exibição das imagens, para análise do Júri. – Respondeu José, de forma fria, formal, como sempre.

Mila Charles utilizou de um projetor e um pequeno computador para exibir as imagens gravadas em má qualidade por uma câmera de segurança. Nelas, três garotas entravam em um beco e, poucos segundos depois, um homem baixo, de cabelos bagunçados, era visto de costas; ele desferia um tiro em uma garota loira e saía correndo, seu rosto sendo visto pela câmera, apesar da má-qualidade. A promotora sorriu ao ver as imagens e, ao término da exibição, observou o público, que parecia transtornado.

- Meritíssimo... eu gostaria de chamar agora a segunda testemunha, a Senhorita Luana Marte. – Disse, e uma garota ruiva se levantou ao lado de Rita Menta. O Juiz concordou, e a garota se aproximou. Vestia um vestido preto, curto, e segurava uma pequena carteira em suas mãos. Parecia confiante, sorria, um grande sorriso de batom vermelho.

- Doutor, creio que meu testemunho é válido... se me entende, eu estava ao lado da vítima quando o atentado aconteceu. – Sorriu, olhando de relance para Mauro Coelho, que parecia aterrorizado. – Digo o mesmo que Milena, saíamos de um bar, vimos ele sair de um beco, e então fomos surpreendidas por este louco, este homem que atirou em minha amiga, e logo no hospital, a ameaçava de morte! Como se não bastasse, roubou-lhe um pão e suas obras de arte!

- E agora... a palavra da vitima, Srta. Rita Menta. – O juiz anunciou, Luana voltou ao seu lugar, e Rita se pôs a frente do juiz, sorrindo.

- Senhor... Este homem tentou me matar! Vi ele roubar minhas obras, fui ameaçada, quase perdi minha vida, e então, ele me rouba um pão sem motivo algum! – Disse, soluçando sem lágrimas. – Ele apontou a pistola contra mim, e atirou, sem pensar duas vezes... Por favor... que seja feita justiça! Eu imploro! – Disse, e voltou ao seu lugar, escondendo os olhos com as mãos.

Jassen fitou com ar de chacota as garotas. Ria em seu íntimo, sim, amava julgamentos; sim, era seu sonho estar ali. A alegria insanamente se apoderava do jovem, e ele quase nem mais escondia o sorriso em seus lábios; os cabelos negros pareciam mais vivos, a pele mais corada, os olhos brilhantes de um triunfo e vitória cantada antes da hora. O Juiz declarou o fim dos argumentos da acusação, e passou a palavra á Jassen. O jovem advogado sorriu tranquilamente, mas logo desanimou novamente. Parecia que não se sentia mais tão feliz no tribunal, como se seu sonho, seu desejo de vencer tivesse desparecido ao menor sinal de sua obrigação pendente. Suspirou e levantou-se, organizando as anotações mentais que fizera.

- Meritíssimo... Gostaria de retornar a gravação ao segundo zero cinquenta e sete, quando o homem que supostamente seria Mauro Coelho mostra seu rosto. – Disse, e sua ordem foi cumprida. Ele apontou para o rosto do homem, mais especificamente, para a região do bigode. – Os presentes podem ver bem, o bigode é falso e está se soltando do rosto do homem. – Viu-se uma reação nervosa de Rita Menta e suas amigas, todas pareciam impressionadas, Luana parecia revoltada. – Fora isso... Tenho aqui fotos e gravações postadas no dia do ocorrido, e o Senhor Mauro Coelho estava, de fato, estava em sua casa, comemorando o aniversário de dois anos de seu filho. – Jassen exibiu as imagens e vídeos, que mostravam uma família feliz, comemorando um aniversário infantil com poucas pessoas. – Quanto ao furto do pão, declaro ser da autoria deste mesmo homem... testemunhas que estavam ao redor do ocorrido dizem ter visto um homem sem bigode e mais alto que Mauro perseguir a senhorita... no mesmo dia, foi recolhido do chão por lixeiros do município um bigode falso. Fora isso, o aeroporto em que Mauro estava confirmou em seu registro a presença dele, no embarque do avião que sairia as oito da manhã, mas se atrasou. Funcionários e a família confirmaram, e temos mais fotos como provas destes fatos.

Mauro parecia aliviado, apesar de ainda tremer em suas bases. Jassen olhava para os presentes, alguns tomavam notas, outros pareciam perplexos; a família de Mauro sorria nos bancos da frente, e Rita Menta parecia incomodada.

- Também visitei o hospital onde supostamente Rita foi internada... e eles não tem nenhum registro da senhorita, nem de nenhuma vitima quase fatal no hospital. Fora isso... quanto ao roubo dos quadros, eles na verdade não foram comprados da senhorita... mas de outra artista.

- Obviamente, porque foram ROUBADOS de mim! – Rita menta gritou, furiosa. José Montes pediu ordem, e a artista se sentou, irritada.

- Vejam aqui... – Jassen mostrou imagens dos quadros presentes nas lojas de Mauro. Enfileirados e coloridos, mostravam belas paisagens abstratas, retratos da mente do artista. – Nenhum desses pertencia a Rita Menta, ou é alguma de suas obras, e estão na loja desde o ano de dois mil e doze, conforme dizem os funcionários. Nessa época, Rita Menta estava estudando em outro país, se não me falha a memória. – Rita parecia perplexa, gaguejava sem falar nada e suava. Mila Charles, boquiaberta, não parecia conseguir responder. – Todas as provas que apresentei aqui nos mostram que outros crimes ocorreram, e vindos de outra pessoa. Rita Menta também nunca se graduou, como mostra seu currículo, e não fez nenhuma obra. Como resultado, nunca vendeu nenhuma, pois elas não existem. O que vejo aqui é um crime contra um homem, um pai de família, e um crime contra a arte. E mais... digo que as testemunhas foram compradas pela suposta vítima.

Rita soltava faíscas pelo olhar, rangendo os dentes, o cabelo já desarrumado pelo suor. Furiosa, entrelaçava os dedos, o esmalte em suas unhas já apresentava pedaços desfeitos, arranhados. Suas amigas ao seu lado estenderam notas de dólar sobre a mesa, Milena constrangida e Luana totalmente furiosa. Mila ainda estava boquiaberta, encarando as garotas com desdém, nojo. O Juiz suspirou, os dedos nas têmporas, desanimado.

- Esses dólares, entregues assim, como uma confissão... o comportamento nervoso da Srta. Milena, que apertava o dinheiro contra o peito... creio que agora, a decisão cabe ao júri popular. – Disse, e voltou ao seu assento, encarando o ar. Pensava, e pensava, sobre o nada.

- Declaro aberta a votação do júri popular. Os jurados, por favor... dirijam-se à sala separada, para que seja feita a votação do júri. – Pronunciou José, e foi feito o que ele disse.

Enquanto esperava os resultados, Jassen pensava. A família do réu parecia aliviada, e isso o deixava feliz. Talvez fosse aquele seu sonho, talvez fosse aquele seu lugar. Mas não... seus pensamentos voltavam ao zero. Não tinha sonhos, não tinhas esperanças... Cerca de uma hora depois, o júri voltou, o juiz tomou seu assento.

- A votação do Júri popular concluiu, por unanimidade, que o réu não cometeu os crimes. E eu, Juiz José Montes, pelo poder a mim constituído e seguindo as leis da constituição brasileira, declaro que o réu Mauro Coelho é inocente! – O som oco do martelo colidindo com a madeira da mesa jurídica ecoou no salão, em meio à sorrisos e mágoas. Alguns policiais presentes prenderam Rita e suas amigas, tudo acabara bem. – Um artista, Rita, que vende-se assim para o crime, já pinta um quadro pior do que aqueles que retrataram guerras em suas telas. – Finalizou, com um sorriso malicioso em lábios.

A família de Mauro agradeceu a Jassen, e eles se despediram entre abraços e beijos. Jassen suspirou, pensativo. Trombou com um garoto na calçada, riu-se e se desculparam. Já na travessia da rua, pensava, em voz alta.

- Este é realmente meu sonho... – Sorria, pensando. – Trazer justiça para o Brasil, e paz para as famílias de São Paulo... Prender quem é injusto, e dar alegria aos inocentes...

Sorria como nunca, atravessando uma grande rua. Sons e barulhos mais altos do que os normais de São Paulo foram ouvidos: Um grito, um breque, um som de rodas riscando o chão preto, que se tingia de rubro; uma pessoa caída no chão, um carro com um motorista desesperado. A sirene da ambulância percorria o ar, cortando-o com seu som estridente. Jassen sorria, caído. Aquilo era a definição de sonho. Uma memória, um sentimento, que o atropelava, e o movia para a frente, fazendo-o lutar para viver.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Espero que tenham gostado.

Senti muito carinho pelo Thonart enquanto escrevia esse conto, e foi o conto que passei mais dias escrevendo. Como escritora amadora, sinto muito apreço por essa - não primeira, mas valiosa - tentativa em escrever de forma mais "bonita".

Muito, muito obrigada a você que leu até aqui. Que Deus te abençoe.

Deixe um comentário se gostou, me conte o que achou! Um abraço

Apreciadores (2)
Comentários (1)
Postado 06/07/21 14:57

Olá, senhorita Maria Clara!! Seja muito bem-vinda a Academia de Contos!! E que belo conto de estreia temos aqui!!

Admito que quando li o título, não me atentei ao fato de que estava escrito "sonho" ao invés de "sonhos", então iniciei a leitura pensando que o personagem não conseguia ter sonhos ao dormir. Então fui pega de surpresa quando entendi que na verdade ele não tinha objetivos que fizessem o coração dele bater mais forte...

"O que separa um sonho de um mero desejo?" - já me perguntei isso tantas vezes na vida... e infelizmente sempre acabo pensando que, no fundo, meus sonhos não são sonhos, mas sim meros desejos que nem sei porque existem...

Isso é triste, mas agora após ler seu texto, consegui ao menos um pouco de esperança! Esperança de que talvez algum dia, quando eu menos esperar, eu perceba que sim, estou realizando um sonho...

Mas bem, voltando a falar sobre o texto em si, adorei poder acompanhar cada pensamento de Jassen, pois eu o adorei demais! Foi simplesmente perfeito o modo como ele destruiu todo mundo no tribunal, saindo vitorioso! E amei o fato do cliente dele ser inocente! E o final então, foi completamente perfeito! E ouso dizer que acho que Jassen morreu... pois acho que ficaria muito bom na história, com um tom extremamente dramático, que eu adoro hahahaha

A senhorita escreve muitíssimo bem! É extremamente agradável aos olhos poder ler tudo isso! Eu te parabenizo por sua criatividade e competência como escritora! Espero ver mais textos seus por aqui <3

Um grande abraço <3

Postado 08/07/21 12:02

Muitíssimo obrigada, Meiling! Seu comentário iluminou minha noite, e fiquei muito feliz de saber que pude passar um pouco de alegria com esse conto! Me pergunto diariamente, também, se o que sonho é sonho ou desejo, também! Minha família costuma dizer "o que você quer é o que você deseja?" e acho que fiz o Jassen todo em cima disso. Fico muito, muito feliz que gostou dele e do conto. Pretendo postar mais em breve, obrigada por seu apoio! <3

Um grande abraço, direto do coração!

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