A Fada Marinha
Sena
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 21/08/21 02:22
Editado: 29/09/21 21:07
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 19min a 26min
Apreciadores: 1
Comentários: 0
Total de Visualizações: 507
Usuários que Visualizaram: 6
Palavras: 3187
[Texto Divulgado] ""
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

Eu gostaria muito que a palavra "ambos" tivesse acento no a. Não sei porquê.

Espero que gostem, <3

Capítulo Único A Fada Marinha

Era sempre como se fosse a primeira vez, mesmo que sempre houvessem novidades. Sua caixinha de joias, presente que sua mãe havia recebido de um rico e apaixonado viajante, era capaz de distraí-la por dias inteiros, tão cheia de histórias ela era. Acalmava-a quando o mar estava agitado, consolava-a nas raras ocasiões em que suas travessuras se voltavam contra ela.

Ela suspirou, lembrando-se que quase havia perdido aquele inigualável tesouro, numa aposta boba que fizera com um pescador; se ele conseguisse pegar mais peixes do que ela no fim do dia, todas as joias da caixa seriam suas, para que ele fizesse com elas o que bem entendesse. Se ela conseguisse pegar mais peixes, ela teria o pescador como esposo. Sempre se sentira atraída por estes homens do mar, com suas peles bronzeadas, seus braços sempre musculosos e seu inapropriado senso de humor. Os homens do mar, entretanto, nunca se sentiram atraídos por ela, e nem havia algo que ela pudesse fazer para seduzi-los, senão vestir suas joias e brilhar como se fosse um tesouro – mas isso não chamava atenção para ela, e sim para as riquezas que utilizava; tola, pensava que os homens queriam despi-la pelo mesmo motivo que queriam despir as outras mulheres – ainda mais tola, pensava que esse motivo era amor – mas queriam mesmo era separar aquela riqueza daquela criatura estranha que as possuía.

Lembrava-se do dia em que fizera aquela aposta; deliciava-se com a memória. Era um daqueles dias em que a vida, de fato, é mudada por completo, como se o cérebro e o destino fossem reorganizados mais em vinte e quatro horas do que em anos.

Os homens do mar diziam que ela era pequena demais para eles; de fato, ela era baixinha. Diziam que tinham mulheres na terra, mulheres que amavam e cuja confiança não trairiam por nada – ela sabia que aquilo era mentira; via sempre alguém se atirando na água, inebriado pelo canto das sereias. Se ela tivesse aquele corpo, aquela voz! Mas não, ela não tinha nada. A voz e o corpo de uma pequena menina, e todo o charme de uma estrela marinha. Sua maior qualidade era a sua capacidade de enganar – quase – todo mundo. Descobriu isso nessa manhã da aposta, onde acontecera o seguinte:

Acabara de despertar. Com a cabeça ainda deitada na pérola que lhe servia de travesseiro, sentiu o mar se agitar ao seu redor. Eram as sereias que se preparavam para tomar mais um homem. Esguias, com seus seios para fora e seus dentes afiados escondidos detrás dos lábios pintados de vermelho. Moviam-se como serpentes. Quando ela saiu da concha, viu uma sombra que se aproximava, espantando para longe os cardumes de peixe que acompanhavam sempre as sereias. Era um navio. Se animou toda.

Naquele dia, teve coragem de falar com as sereias:

“Me ensinem, ó filhas do luar, a cantar como vocês cantam, e a encantar como vocês encantam, e a tomar para mim um bom homem do mar.”

Elas riram da cara dela.

“Fada marinha não canta, meu bem, muito menos encanta,” respondeu a mais arisca entre elas. Ruiva, arrogante, se achava a mais bela – todas sabiam que não era. Sua cauda era a única que nunca havia sido ferida; estava intacta, brilhante como no dia em que nasceu, mas isso apenas porque não tinha coragem de ir até a superfície, e nem de se aproximar muito dela, como fazem as outras para se mostrar. Apenas cantava, escondida detrás de uma outra, e esperava até que um pedaço de homem fosse em sua direção.

A fada marinha olhou e reolhou o rosto de cada uma delas, esperando encontrar num deles um tanto de piedade, um tanto de carinho. Como podia não haver piedade por alguém que vivia sozinha? Alguém que não tinha ninguém para chamar de amigo? As fadas marinhas – e seus parceiros, os fadas marinhos – haviam sido expulsas daquele oceano há muito tempo atrás, então nem mesmo havia alguém que a entendesse. Havia ela, mas não os dela.

Ela voltou para a sua concha e se deitou, olhando as joias brilhando mesmo dentro da caixa escura, por onde a luz entrava só pela fechadura. Até então, ela nunca havia tido a coragem de abrir. Nunca havia conseguido perdoar a mãe por deixar ela – e a caixa – para trás com tamanha facilidade. Havia saído com tanta pressa, sem olhar para trás, sem se despedir – mas diziam por todos os mares que assim eram as fadas marinhas: insensíveis; o que claramente não era verdade; cá estava uma sentindo-se só, desejando mais que tudo o calor de uma companhia. A fada marinha suspirou lembrando disso, e então suspirou de novo quando ouviu, interrompendo de súbito o doce som do canto das sereias, a queda de um homem ao mar. Nestes momentos, o sangue se espalhava pelo oceano, e as sereias nadavam como loucas, com suas bocas abertas num sorriso sanguinário, exibindo a monstruosidade que escondem sem qualquer vergonha ou medo de assustar os peixinhos e caranguejos – que elas chamavam apenas de carne. Algumas serpenteavam forte para o fundo do mar para pegar os pedaços de carne que afundavam, tão apressadas e vorazes que levavam para o estômago não apenas a carne, como também areia e pedrinhas e vermezinhos. Outras subiam à superfície para pegar os pedaços que boiavam, e pulavam com eles na boca para fora da água, atraindo gritos e tiros dos homens do mar e caindo de volta na água. Faziam um barulho enorme, incômodo, quando conseguiam o que queriam. Eram belas e delicadas apenas quando estavam tentando pôr comida na mesa. Depois disso eram uns monstros.

Nesses momentos, a fada marinha fechava seus olhos e tapava seus ouvidos, para não ouvir aquele caos. Quando as sereias acabaram sua refeição, foram deitar-se no fundo do mar, bem ali perto de onde ela estava. Às vezes, deitavam-se nas pedras, se bronzeando; às vezes se deitavam ali, perto da concha da fada marinha, perto da caixa de joias que ela escondia debaixo de um coral, de modo que apenas ela conseguia ver, e conversavam até que outra embarcação passasse por ali. Ela gostava de ficar ouvindo isso; vozes sempre a agradavam, faziam com que ela se sentisse menos sozinha.

“Olha só o que eu achei,” disse uma das sereias, a mais estúpida do bando. A fada marinha pôs sua cabeça para fora da concha e a olhou tirando, com um pedaço afiado de pedra, um objeto brilhante que havia ficado preso entre seus dois dentes do meio.

“Que sortuda!” outra exclamou, rindo. “O que é?”

Era um anel de diamante. Uma aliança, provavelmente. Ela o pôs no dedo indicador e o exibiu, orgulhosa, para as outras, que responderam com um suspiro coletivo.

“Agora é que fico irresistível mesmo.” Disse, e saiu a nadar por aí, tão serena e elegantemente bela que a fada marinha esqueceu, por uns instantes, do que se escondia por detrás de toda aquela graça.

Era verdade, ela já havia ouvido falar sobre aquilo, sobre a atração que as riquezas exercem sobre os homens; e de fato, não eram as riquezas que atraíam os homens ao mar? Mesmo a mera possibilidade de riqueza, por mais absurda que fosse, era extremamente magnética; ela já ouvira histórias de príncipes que morreram no fundo do mar em busca de um objeto mitológico, descrito apenas por antigos contadores de estórias e por mais ninguém.

O momento seria aquele; ela abriria sua velha caixa de joias. Veria, por fim, a razão pela qual aquela caixa de joias estava tão bem escondida quando ela a encontrou. Porque é que sempre que se falava dela era com uma voz trêmula. Porque é que seu roubo havia espalhado tanto medo pelas mentes das fadas marinhas.

Não lhe parecia ser nada especial. Completamente ordinária. Isso a espantou. Eram aquelas joias – frequentemente encontrada pelas sereias nos bolsos de suas vítimas – merecedoras do cuidado que lhes havia sido dado pelos seus antigos donos? Era seu sumiço merecedor da dor que causou?

Sentiu-se cheia de raiva; havia sido condenada a ficar para sempre naquele lugar solitário, sombrio, pelo roubo daquela caixa. E ainda mais! Havia, com seu ato, condenado todas as fadas marinhas a vagarem pelo mundo, enquanto ela própria permaneceria para sempre parada dentro de um raio de duas florestas de corais para qualquer uma das direções. Não fosse a utilidade daquelas joias, e não tivesse o preço que havia pagado por elas sido tão grande, as destruiria de imediato.

Adornou-se toda com elas, fantasiando seu destino e deliciando-se com a beleza de seu próprio reflexo. Agora seria desejada, tinha certeza. Agora seria mais do que era; esconderia detrás das joias sua própria solidão, sua face sempre pálida e incolor feita verde pelo brilho das esmeraldas, as sombras em sua fronte jogadas para trás pela luz dos diamantes.

Subiu até a superfície, deitou-se nas rochas onde as sereias costumam se bronzear, e observou, pela primeira vez, o mar vasto. Pareceu-lhe tão simplório, aquela imensidão de azul se estendendo até os horizontes. As ondas dançavam de forma calma e doce, mas todas elas pareciam dançar a mesma dança, um simples subir-e-descer, tão desprovido de qualquer coisa que impressionasse a qualquer um.

E, ainda assim, achou-o belo.

Pois debaixo da simplicidade da superfície, ela sabia, escondia-se tanta beleza e tanta riqueza de tudo; tanta vida em tantas cores e formas, tantos peixes, tantos sabores. Tanto mistério debaixo de cada rocha, tanta história debaixo de cada uma das simplórias ondas que não capturavam seu olhar.

De certo modo, o mar era como qualquer outra criatura que ela havia conhecido. Debaixo da aparência banal, quase que produzida em massa, viu-uma-viu-todas, escondia-se algo extraordinariamente único. Improvavelmente único. Hipnotizou-se tanto pela vastidão de significado do mar que não percebeu que estava sendo observada até que foi cutucada pela parte de trás de uma vara de pescar.

Quando viu que havia capturado a atenção da fada marinha, o marinheiro sorriu. Tinha poucos dentes, e esses tinham muitas cores; amarelos aqui, completamente pretos ali: praticamente um arco-íris. Um sorriso belíssimo, ela pensou; era impossível que, pensando na beleza da vida, ela achasse que qualquer coisa fosse feia. Não, tudo era belo, maravilhoso.

“São belas pedras as que você tem aí, belezura.”

Ela sorriu sem ter consciência de que estava sorrindo, e estendeu seu braço para frente, mostrando suas pulseiras para o marinheiro e para o Sol, que as iluminou.

“Obrigado, meu bom senhor,” ela agradeceu, e ele riu: não estava acostumado a ser chamado disso.

“Como se chama, bela criatura?” Perguntou o marinheiro, estendendo sua mão para que ela a tocasse.

Ela tocou sua mão, e descobriu-a suja. Fez silêncio, apenas encarando a face do marinheiro. Ele era velho, e cheio de cicatrizes. Ela não possuía nome; uma fada marinha nunca possuía nada que a identificasse além da própria aparência e voz. Não é bom, diziam as mais antigas, que uma criatura com tanto poder tenha um nome; nossas vítimas saberão a quem procurar, contra quem se vingar.

“Não tenho um nome,” respondeu secamente, puxando sua mão de volta para junto do próprio corpo. “Nenhuma fada marinha tem.”

“Uma fada marinha?” O marinheiro exclamou, mostrando novamente seus dentes. Um sorriso que desapareceu tão rápido quanto surgiu; o barco balançou. Ele gritou um destes palavrões únicos aos homens do mar, mas logo em seguida, apoiando-se, prosseguiu: “Ouvi muito das senhoritas. Mas não me disseram que seriam tão belas.” E, então, piscou o olhar.

Tinha olhos verdes.

“Você está mentindo.” Ela disparou. Sempre sabia quando mentiam.

“Oh, não, de modo algum,” ele mostrou a palma de suas mãos para ela, que não entendeu o porquê. “De fato, as senhoritas não são bem faladas na terra; diz-se que são cruéis, que podem fazer do destino de um homem o que bem entenderem; que se as sereias matam o corpo, vocês matam a alma. Pensei que, com tal fama, seriam muito mais desagradáveis de se olhar. Mas estou feliz em descobrir que fui enganado.” Ela permaneceu em silêncio. Havia algo de estranho nele, algo de assustador no seu olhar, como o olhar de um tubarão, ou de um crocodilo. O marinheiro persistiu: “Saibas tu que estou felicíssimo em te conhecer, mesmo que a recíproca não aparente ser verdadeira.”

Ela decidiu seguir a conversa. Por que não? Uma fada marinha nunca perdia nada para um humano, ou ao menos era o que diziam.

“E seu nome, qual é?”

“Meu nome, minha bela, deixo que tu escolhas.”

Ela enrubesceu. Não sabia o que dizer. Nunca havia pensado nisso. Mas teve por fim a ideia de chama-lo de Crocodilo, o que o fez gargalhar. Trocaram um aperto de mão e, por fim, eram amigos. Ele contou-lhe histórias da terra, empolgando-se e olhando para o horizonte enquanto lembrava-se das pessoas que deixava para trás a cada viagem, das que nunca veria novamente. Uma lágrima solitária desceu por seus olhos quando ele a contou que era viúvo, revelação essa que coincidiu com o pôr do sol, e mais lágrimas surgiram para acompanhar este primeiro quando se pôs a falar da mulher.

“Não era perfeita,” ele disse, “longe disso, muito longe,” e deu um sorriso – estava triste demais para rir –, “mas eu a amava. Não se escolhe a quem ama, não é mesmo? Em contrapartida, ela deixou-me uma bela filha, que se parece com ela, e que sendo assim já está cheia de pretendentes, inclusive entre os mais abastados.”

Tirou de seu bolso uma pequena garrafa de cor prateada e deu um gole nela. Proferiu um longo “ah” enquanto o líquido esquentava suas entranhas. “Mas e tu, minha princesa do mar,” – havia se posto a chamar ela assim, depois de algumas horas de conversa. “que histórias é que tem para mim? O que está debaixo do mar, aposto, é tão interessante quanto o que está em cima dele.” Acendendo um cigarro, pôs-se a ouvir enquanto a fada marinha contava a sua própria história.

O papo dela, inclusive, não foi livre de lágrimas; era triste relembrar de como por sua culpa as fadas marinhas foram condenadas a vagar por todo o mundo com exceção daquela banda de mar, e como ela mesma fora condenada a ficar para trás, refletindo solitária e interminavelmente sobre o que havia feito. Contou do roubo da caixa, o que fez com que os velhos olhos do marinheiro brilhassem ainda mais.

“Minha filha seria muito livre se tivesse essas joias. Não precisaria mais ter que agradar estes meninos que se chamam de príncipes, mas que são menos do que um verme. Concordas?”

“Sim.”

“E agora, minha princesa, e se eu te desse algo em troca da caixa? Peça o que quiser.”

“Quero que se case comigo.”

O velho marinheiro riu. Riu tanto que a fada marinha sentiu vontade de chorar. Não sabia o que aquilo significava; talvez outrora havia sabido. Presentemente, ela sabia apenas que doía, e quis chorar.

“Impossível!” Ele exclamou, e vendo que sua pretendente estava com os olhos marejados, ele mesmo adotou, estrategicamente, uma expressão triste. “Se pudesse, me atiraria aos teus pequenos braços neste exato momento, mas sou já casado; este mar, este todo azul que está em tudo, este toldo azul que cobre toda a riqueza de que me contou, que cobre inclusive a sua maravilhosa pessoa, é a minha esposa, e a ela não posso trair. Quando em terra, sinto saudades dele; quero mergulhar na primeira poça de água que vejo na rua. Quando estou no mar, quero estender para sempre a minha estadia, sabendo que a separação é inevitável. Aqui vivo e aqui desejo morrer. Ao seu lado, a vida seria agradável. Mas apenas no mar viverei; apenas ele amo. Estar onde se está bem, fazer o que nos enche de significado; eis o sentido da vida, minha princesa.”

Ela achou tudo aquilo muito bonito, e ofereceu-lhe um punhado de pedras preciosas; especialmente diamantes, que ele dizia serem seus favoritos. Mas ele queria mais, insistiu em negociar, mas nada ela queria além dele. Aquele homem de superfície desagradável de se olhar, tão velho quanto o barco dilapidado; debaixo da superfície, havia uma alma jovial, cheia de amor pela vida, de estórias e histórias que amava reviver, de ansiedade para viver novas coisas.

Concordaram, por fim, numa aposta: aquele que pegasse mais peixes teria o que queria. Ela o teria, e ele teria todas as joias do mundo, para livrar a sua filha do amor indesejado. Ele mesmo prometeu que retornaria ali, àquelas rochas, para ver sua princesa. Por fim, venceu a aposta. Contente em possuir o tesouro, quis voltar de imediato, não ouviu os protestos de sua princesa que pedia para que ele ficasse mais um pouco, que trocassem algumas palavras mais.

Irada com o abandono que estava por vir, ela mudou o seu destino. Não, não queria mais que ele fosse seu marido; queria agora era que ele sofresse para sempre, que fosse privado do mar, privado de tudo o que mais amava. E assim foi; o poder da fada marinha prendeu sua alma numa pequena pérola, enquanto seu corpo caiu ao mar, sendo prontamente devorado pelas sereias.

Ela fez dele um colar, utilizando-se da corda que havia em sua bermuda. Carregava-o sempre próximo do coração.

Lembrando-se disso, ela suspirou, e voltou sua mente ao presente. Olhou para baixo, seu colar de pérola estava ali, ela brilhava intensamente; um raio de luz perfurava a superfície da água e brilhava bem na superfície do que outrora fora um velho marinheiro sem muitos anos restantes. Ela tocou-a, e mais uma vez leu a alma do homem que ainda amava.

A alma dele era ambígua, cinzenta. Não era um homem mau; tinha todas as qualidades que aparentava ter, amava a filha ainda mais do que amava o mar, e não via o momento de conseguir libertá-la de seus pretendentes. Mas também não era, de modo algum, bom; era falso, sorria quando estava furioso e fingia entristecer-se quando se despedia de gente que não suportava. Ocasionalmente, ele ia a um pequeno estabelecimento onde uma pequena caixa era dividida em duas por uma parede; lá dentro, confessava a alguém do outro lado o que chamava de “pecados”, coisas ruins às quais os homens eram punidos com uma eternidade de sofrimento. Mas não parecia arrepender-se; gostava de estar ali, amaldiçoando a si mesmo com palavras enquanto deliciava-se em reviver através de estórias aqueles pecados que havia cometido.

Na verdade, agora mesmo não parecia se arrepender de estar ali, preso. Ao contrário da maioria dos malfeitores, não parecia se arrepender nem de ter sido pego e punido tão gravemente. Não; ele gostava de estar ali, ao lado dela. Ansiava por uma desculpa para se livrar do fardo em que sua vida havia se tornado depois da morte de sua esposa. “Rezava” sempre por sua filha, lembrava-se dela sempre, deliciava-se lembrando dos bons momentos.

Mas gostava de estar ali. Sentia imenso prazer em permanecer ali durante todo o tempo. Em ver o que a fada marinha – que continuava a ver como sua princesa – via, em sentir seu coração batendo.

Talvez, pensou a fada marinha, acariciando o seu esposo-pérola, eu também goste de estar aqui, longe de tudo, sozinha, e se perguntando que novas estórias viveriam juntos.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Obrigado pela leitura, :)

Apreciadores (1)
Comentários (0) Ninguém comentou este texto ainda. Seja o primeiro a deixar um comentário!