Hoje talvez nem tanto, mas antigamente toda cidadezinha tinha seus causos e histórias de assombração, e a crendice popular por vezes dava um certo ar de veracidade à coisa. Antes de todo mundo ter internet e esses serviços de streaming em casa, era comum a turma alugar filmes no fim de semana na locadora do Seu Serafim e ainda só devolver as fitas VHS na segunda. Bolinha alugou tanto aquela fita verde do Rei Leão que acabou ficando com ela quando vieram os DVDs.
Vez ou outra o irmão mais velho do Carlinhos pegava algum filme de terror, pois com certeza se divertia mais com as reações do caçula do que assistindo o povo morrer. Principalmente com os filmes do Chucky, o qual rendia uma boa dose de sustos e risadas com os gritos do medroso da turma. Com a ascensão do horror nos anos 80 e 90, também cresciam as lendas urbanas. E com o Cemitério das Boas Almas não era diferente. Vários boatos corriam sobre alguma aparição por lá. Almas penadas atormentadas, fantasmas que vinham buscar crianças travessas e claro, a fama também perseguia o coveiro, o Seu Epaminondas. O velho sinistro que andava entre as lápides e falava com o coisa ruim.
— Tem certeza que o Diogo foi pra lá mesmo? — Lucas perguntou ao Bolinha, levando o olhar para as lápides mais distantes, próximas a uma capela.
— Tenho sim. — Bolinha confirmou. — Tava bem atrás dele, mas o Diogo disparou feito o Flash e eu fiquei atrás de uma árvore mesmo.
— Então me chame de Ligeirinho, porque quem vai disparar daqui a pouco sou eu! - Carlinhos ironizou contrariado. - Pô, o cara foi logo pro lugar mais sinistro! E se o coveiro pegou ele?
— Eu num tô nem aí pro Epaminondas! — Lili exibiu o estilingue como a She-ra erguia sua espada antes de se transformar. A loirinha girou o boné pra trás e afirmou convicta: — Ele que venha, minha mira vai ser certeira!
— Cês perderam mesmo a noção do perigo... Se der errado não digam que eu num avisei.
— Se der errado Carlinhos, a gente vai tá junto. Igual nas brigas da escola. — Encorajou-o Bolinha.
— É isso aí, a gente sempre ajuda. Sempre. — Lucas cerrou o punho e levantou-o. — Rua 13? — Os outros repetiram o gesto, falando o nome da rua onde moravam em coro. "Rua 13!"
Por fim, o líder da turma deu o comando. — Tá na hora galera... vamos nessa! — O menino de cabelo castanho foi na frente, pegou dois gravetos no chão e os empunhou como se estivesse com espadas. Bolinha o seguiu mastigando um confeito enquanto Carlinhos ousou alguns passos hesitantes.
— Anda logo! — A loirinha empurrou o medroso, completando a retaguarda da turma. A quietude tomou conta do lugar novamente enquanto a turma rumava até a capela por um corredor formado de árvores chamadas primaveras. A folhagem era cheia de flores rosas e amarelas que contrastavam com o cinza das lápides. O pequeno santuário ficava mais ao fundo, erguendo-se na típica fachada triangular onde logo acima havia uma pequena cruz.
O branco das paredes estava um pouco encardido, além de algumas rachaduras e um pouco de mofo que davam um ar meio assustador à edificação. A turma trocou olhares mais uma vez, mas já não podiam voltar atrás. O Diogo podia estar em perigo, e eles não sairiam de lá sem o amigo. De frente para a assombrosa capela, uma porta de madeira meio carcomida estava diante deles. Lucas ergueu uma mão para empurrar e Lili já puxava o elástico do estilingue, pronta para soltar a pedra. Bolinha mastigava com mais intensidade enquanto Carlinhos engoliu um nó na garganta. A turma iria encontrar o coveiro, embora não soubessem que o velho já esperava por eles.