O grande rato da floresta
6 de Janeiro
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 26/11/21 21:42
Editado: 10/12/21 23:30
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 7min a 10min
Apreciadores: 4
Comentários: 4
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Palavras: 1277
Este texto foi escrito para o concurso "Terror Natalino" Neste Natal, o Papai Noel sumiu e o Jack é o menor dos problemas. Ver mais sobre o concurso!
Não recomendado para menores de dezoito anos

Esta obra participou do Evento Academia de Ouro 2021, indicada na categoria Mistério.
Para saber mais sobre o Evento e os ganhadores, acesse o tópico de Resultados.

Notas de Cabeçalho

Eu que fiz a pintura da capa, me inspirou a escrever esse texto, espero que gostem, mas já aviso, tem temas pesados.

Capítulo Único O grande rato da floresta

Era quase fim de tarde e o céu antes azul acinzentado agora adquirira um tom vermelho que aos poucos ia se esvaindo para tornar-se apenas breu.

Admito que fiquei perdida com esta confusão de cores, árvores e terreno escorregadio, não havia neve na floresta, mas tudo estava úmido e o cheiro amadeirado ficava cada vez mais forte.

Minha cabeça de dez anos de idade, sabia que tinha ido muito além da minha rua.

Entre toda a distração visual de cores e segredos naturais, uma parte da minha consciência estava tentando me fazer voltar pra casa, mas outra grande parte dela, estava muito entretida para ter pressa…

Então eu só pude concordar.

Me recordo do barulho dos meus sapatos novinhos esguichando lama nas pedras e arbustos, eles faziam um barulho tão engraçado que não pude evitar de gargalhar sozinha e começar a correr para fazer ainda mais sujeira.

Foi quando minha testa bateu em algo que não era uma árvore e todos os sentimentos divertidos se tornaram apenas um grande susto.

Eu gritei a princípio, e depois encarei aquilo…

Eu só não tinha ideia de que em poucos minutos, eu jamais seria a mesma. E saberia de coisas que nenhuma criança deve saber.

Aquilo disse olá, timidamente.

E por impulso… Eu corri, pois aquilo parecia um grande, enorme, esguio e gosmento rato, ao mesmo tempo em que parecia apenas uma das fantasias do desfile de Natal que todo ano ocorria no centro da cidade.

Bom, ao pensar que poderia apenas ser um dos artistas do desfile, cessei minha corrida e me virei lentamente para trás... Animada e cheia de perguntas engatilhadas na ponta da língua, como... Quais das crianças iriam ser escolhidas para andar no trenó, aquele ano?

Foi quando o rato gigante foi chegando muito rápido e muito perto.

Esqueci o que ia perguntar... Então ele falou comigo, tinha uma voz grave e sedosa.

Riu baixinho e disse que eu era uma criança que se assustava fácil, mas que eu era corajosa de ter ficado.

Já eu, estava paralisada e fascinada. Não pude responder nada.

Apenas acompanhar os acontecimentos...

Ele começou a dançar entre as árvores, rodopiando, era bem hipnotizante e me chamava com as mãos para acompanhá-lo.

Balancei a cabeça negativamente… Estava ficando bem escuro, eu tinha de ir para casa...

Então...

Ele estalou os dedos esguios e disse que tinha algo que ia me animar e que eu nunca iria esquecer...Num piscar de olhos, a figura gigante e orelhuda tirou de seu bolso um objeto que eu nunca vi antes e nem consegui ver de verdade naquele momento, por causa da escuridão.

Era o presente. Mas não deveria ser.

Só fui saber tarde demais...

A neblina começou a subir da lama, como fantasmas tímidos e o frio começou a estremecer meu corpo miúdo… Todos já deveriam estar em casa me esperando para irmos ao desfile, como em todo ano...

Ele colocou o presente em minhas mãos, a textura era tão estranha, mole e grudenta que larguei-o imediatamente, limpei as mãos no vestido novo, espero que não manche, minha mãe me mataria.

Eu disse que precisava ir e fechei a cara, por fim dei de costas para começar a correr de novo.

Foi então que o rato, o presente sombrio, os fantasmas, a fantasia de Natal, as árvores, o céu e a neblina arrepiante - todos juntos - entraram dentro de mim.

Queimaram minhas pernas, queimaram meu peito, meu rosto, meus braços, minha boca e tudo que sou. Fiquei em carne viva.

Mais tarde me olhei no espelho quando cheguei em casa, eu era a imagem cuspida de um pequeno demônio vermelho, sem mais olhos, sem mais voz, sem mais eu.

Enquanto eu queimei em três camadas do inferno, o rato não disse uma só palavra, apenas me compenetrou com seus olhos falsos e pintados de tinta preta.

Ficou escuro como nunca antes esteve, então e quando voltei a enxergar, a floresta já havia parado de fritar, no entanto eu ainda me sentia dentro de um fogo fátuo, impossível de ser consumido.

Também não sei em qual ponto do incêndio minhas roupas desapareceram, naquele instante, pensei qje haviam simplesmente queimado, era lógico... Talvez eu possa ter desmaiado... Só que agora, não conseguia achá-las de nenhuma maneira!

Enquanto eu tateava o chão lamaçento, em prantos e com medo, o rato foi embora com sua grande fantasia e seu grande rosto feito de máscara de papel machê que aos poucos derretia.

Eu o assisti desaparecer com os fantasmas, deixando para trás um silêncio eterno e sangrento, que eu sentia que não poderia falar para ninguém, como uma maldição.

Mas ao menos, o rato havia ido embora fisicamente, e com ele, muito mais se foi...

Tanto que nunca consegui recuperar as partes queimadas da minha alma, elas devem estar por aí...

O problema, é que sei que ele ainda está aqui, eu sinto. Está por toda parte, por mais que ninguém o possa ver.

Apesar do desespero de ter queimado viva por tantos minutos e depois tudo parecer apenas uma visão assombrosa, por não haver mais pistas do incêndio e nem da aparição, consegui achar meu vestido que estava encardido atrás de uma árvore, o vesti molhado e apenas caminhei poucos passos, até avistar o muro de casa.

A casa estava cheia de luzes, a árvore lá dentro era enorme e colorida, me distraí enquanto a olhava até avistar meus pais na porta com suas expressões que me diziam que eu estava encrencada.

Neste momento, eu também soube que incêndios bem piores estariam por vir, logo que, algo a partir desta noite, nunca mais cessou de me fazer queimar por dentro, passou a nunca parar de doer, eu apenas nunca soube explicar o quê, como, por quê…

Levei uns tabefes por ter demorado tanto a ir recolher lenha para voltar de mãos vazias… Eu nem me lembrava mais a razão de ter ido em um lugar tão demoníaco... Que na próxima vez, a lenha tratasse de se recolher sozinha, ao contrário de mim, ela foi feita para queimar!

Mas nada disso importava mais.

Fiquei sem sobremesa pelo vestido novo estar arruinado e durante toda a noite, tive de ouvir como minha prima Maria, era muito mais comportada, esperta e agradável.

Será que a Maria já sobreviveu a um incêndio como eu? Essa questão ainda me assombra, às vezes.

Me perguntei mais tarde, reparando nos traços da tragédia que agora estava estruturada em minha pele, se é que eu ainda tinha um corpo depois do que houve...

Me perguntei se eu deveria contar sobre o rato, demônio, Papai Noel estranho, ou seja lá o que fosse - para alguém, mas todos estavam tão preocupados com o Natal, que não perceberam que eu não estava bem, ou talvez, ninguém de fato se importasse.

Me pergunto até hoje se deveria estar relatando para eu mesma, dentro da minha cabeça… Repercutindo estas cenas de novo, de novo e de novo até enlouquecer.

Depois daquele Natal, há doze anos atrás, nunca mais me senti digna de ganhar presentes, talvez eu tenha me esforçado muito para nunca mais permitir que me dessem algo inesperado e tão assustador.

Passei a fugir de todas as apresentações natalinas, nunca mais juntei lenha, nem pinhas e nem amoras silvestres. Passei doze noites de Natal perseguindo ratos pela vizinhança e os exterminando, para que não tivessem chance de se tornarem gigantes e machucar mais alguém.

Algum dia, eu juro, terei coragem de adentrar a floresta novamente, mas desta vez estarei armada até os dentes, para que se por infortúnio o rato aparecer em minha frente, eu poder rasgá-lo e destruí-lo completamente.

Assim como ele fez comigo, da última vez que ganhei um presente.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Baseado em fatos reais, mas não tão infernais - ou talvez sim.

Apreciadores (4)
Comentários (4)
Comentário Favorito
Postado 05/01/22 23:33 Editado 05/01/22 23:35

Uma das coisas que gosto nas suas obras é a capacidade latente que elas possuem de nos levar aos mais variados caminhos interpretativos. Narrativas que fazem nossa mente voar são, por todas as perspectivas, extraordinárias.

É muito interessante como tudo na sua obra é sutil, porém com um tom extremamente assustador. Por vezes, durante a leitura, me peguei arqueando a sobrancelha, ansiosa e temendo que as palavras fossem saltar da tela para me assombrar quando eu terminasse de ler. A narrativa possui uma densidade que, no entanto, se dilui com a perspectiva infantil da narradora, por isso as imagens metafóricas (assustadoras!!!) possuem um papel fundamental de guiar o leitor pelos caminhos interpretativos que surgem.

Ademais, seu texto está bem escrito, porém há alguns poucos desvios de ortografia. Do ponto de vista criativo, sua obra esbanja qualidade, pois abarca uma questão muito séria (tendo em vista que, durante as festas de fim de ano, situações como a descrita na obra acontecem com frequência) e, automaticamente, dosando bem o terror e a proposta natalina, sua compatibilidade com o tema foi excelente. Por fim, gostaria de dizer que, por mais que eu tenha gostado bastante da obra, tive que ler umas três vezes para captar a mensagem/conteúdo, pois as metáforas, muitas vezes construídas em cima da perspectiva da narradora, foram um pouco difíceis para mim. Entretanto, quando compreendi e o meu rumo interpretativo se encaixou com o que o texto realmente estava apresentando... cara, o impacto foi imenso. Acerca disso, preciso dizer duas coisas: (1) o mundo seria muito melhor se os adultos simplesmente ouvissem as crianças e (2) foi extremamente satisfatório para mim o final tanto por conta do que é narrado, quanto pela minha repulsa extrema a ratos.

É com um aperto no coração e um imenso sentimento de vingança reinando sobre nossos corações, que agradecemos sua participação em nosso concurso! Muitos cenários hediondos foram desbravados através desta proposta, porém, o seu em particular, nos mostrou como a maldade humana vista pelos olhos de uma criança nem sempre é facilmente compreendida, porém ela existe e precisa ser vista. Queremos e esperamos vê-la participando dos posteriores concursos que estamos elaborando.

Obrigada por compartilhar conosco.

Parabéns, 6zinha ♥

Postado 10/12/21 13:20

Se eu interpretei isso corretamente, meua migo... Tá sinistro, do jeitinho que a clinica psiquiatrica e a proposta do concurso gostam! Amei tudo então nem sei o que destacar, só tenho a desejar boa sorte no concurso, os lobos aqui estão torcendo por ti!

Postado 19/12/21 20:38

Eu já tinha lido o texto quando ele foi publicado, e pensei bastante no que aconteceu aqui. Fiquei com um dó dessa criança que vou te contar... Mas o final compensa o sofrimento dela, nem que seja só pra gente imaginar o rato se dando mal -hajsdhj

Muito criativo e bem trabalhado na maluquice, ficou ótimo! Boa sorte no concurso <3

Postado 14/10/22 15:38

A primeira vez que li teu texto, lembro que fiquei realmente intrigada. Foi um mix de sensações que não sei nem como explicar.

Eu me peguei torcendo muito para que o rato recebesse um destino cruel e beeeeeeeem doloroso. Inclusive, sou a favor da continuação da obra. Seria incrível saber o que aconteceu com a criança e com o rato sujo e miserável.

Com relação aos quesitos técnicos, realmente pudemos notar alguns erros ortográficos, mas nada que uma revisão mais atenta não resolva. Tua obra foi incrivelmente criativa e bem estruturada. O final deixou aquele gostinho de "quero mais".

Parabéns e desculpa a demora. e.e

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