Estilhaços de um coração partido (Terminado)
jcarreir
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Tipo: Romance ou Novela
Postado: 04/01/22 13:53
Editado: 09/03/23 09:35
Qtd. de Capítulos: 3
Cap. Postado: 09/03/23 09:13
Cap. Editado: 09/03/23 09:35
Avaliação: 9.73
Tempo de Leitura: 11min a 14min
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[Texto Divulgado] "cinzas" E sobre o monte mais alto fiz a promessa de atirar tuas cinzas ao vento. para o destino infinito que é a sua eternidade.
Não recomendado para menores de dezesseis anos
Estilhaços de um coração partido
Notas de Cabeçalho

Olá!! Muito tempo depois ( eu havia esquecido que comecei a postar no site ) mil perdões aos que começaram a acompanhar a história ಥ⌣ಥ

Beijos e boa leitura!

Capítulo 3 Sede de justiça

“... Brisa flutuando por aí, você sabe como eu me sinto

É um novo começo

É um novo dia

É uma nova vida para mim, sim

E eu estou me sentindo bem”.

| Feel good — Nina Simone |

Viu-se entre a débil claridade do recinto, um cintilar de rubis lapidados naqueles olhos ferinos em tonalidade carmesim. Piscaram-se frenéticos e ansiosos adaptando sua íris outrora castanha, numa percepção altamente evoluída. A transformação de Anne finalmente estava completa, cessando gritos estridentes e horripilantes urros de dor. Seu olhar percorreu o espaço ao redor distinguindo detalhes imperceptíveis aos olhos humanos. Ela observou encantada as gotículas de água escorrendo ligeiras pelas extremidades do teto, pedacinhos mínimos de sujeira no aspecto de folhas de árvores, pedregulhos ou lascas de madeira grudadas no carpete.

Em seguida, a mulata prendeu a atenção na interação dos feixes de luz solar junto às micro partículas de poeira suspensas no ar, bailando em sincronia umas com as outras. Anne achegou-se mais, gostaria muito de tocar e sentir o confortável calor que emanava, mesmo assim, tinha consciência do quão ineficiente e perigoso seria fazê-lo e conteve seu impulso, afastando-se a uma distância segura. E desviando o olhar ela notou os pequeninos animaizinhos escondidos por detrás de fendas entre os espaços do assoalho. “Fascinante!” Inspirou instintivamente, sentindo alguns odores atípicos do costumeiro captado pelo olfato. O aroma de madeira nova e envernizada recentemente, couro sintético, tinta fresca a secar ao vento, maçãs maduras e pêssegos, sim eram pêssegos! A julgar pelo cheiro, provavelmente estavam deliciosos e suculentos. No entanto, não lhe parecia atrativa a ideia de comê-los. “Argh! De jeito algum!”

Expedito seu sentido de audição identificou dentre o barulho de patas de castores batendo velozes contra o chão coberto de folhas secas, dentes afiados dilacerando a carne de algum animal abatido, e o martelar constante de toras de carvalho sendo cortadas por um machado afiado, fazendo-a ouvir o som de determinada aproximação, a deixando em alerta com seu instinto de autopreservação bem apurado.

— Como se sente?

Ouviu a voz melodiosa de Charles a lhe perguntar e relaxou, girando nos calcanhares e encontrando-o descendo os últimos degraus da escada, parando na soleira da porta. Daniels pestanejou aproximando-se de súbito, sem contudo, aperceber-se de sua velocidade inumana. Ela tocou o rosto de formas plenas, salvo de quaisquer imperfeições estéticas.

— Estou bem! – sussurrou maravilhada, ao vislumbrar com outros olhos a graciosidade vampiresca de Lündes'Kinn. — É tão bonito!

— Obrigado! – fez-lhe uma mesura, tocando a mão ao peito e curvando-se para frente. — Todavia, acredito que precise olhar para si mesma e ver o sinônimo adequado de beleza– sorriu, indicando o majestoso espelho emoldurado de cedro, com singelos desenhos florais e arabescos indistintos, sendo iluminado por uma pequena vela.

Curiosa, aproximou-se do espelho a contemplar seu novo eu no reflexo. De imediato, sua boca abriu-se em incredulidade, a mão delicada de unhas longas e afiadas dedilhou os detalhes da própria face. — É inacreditável! Não se parece muito com quem eu costumava ser.

— Se me permite, só melhorou o que já era bom. Estás perfeita!

— Te agradeço pelo elogio. Esse seria mais um bônus, não é?

— Exato. – ele concordou com um aceno de cabeça. — Encare isso como uma arma poderosa de persuasão, embora não precisemos da beleza, já que a velocidade e a força, já nos são úteis para tal.

— Para você, diria que não é necessário ambos– pontuou sagaz.

— Privilégio meu, admito. Como está sua sede?

— Já que mencionou… Incômoda. – Anne levou a mão à garganta. — Está arranhando, agora entendo porque se refere a isso como “Sede”.

— Vamos resolver como uma emergência, e mais tarde poderei instruí-la a caçar.

— À tarde?

— Sim. Ainda estamos na metade do dia e mesmo estando no inverno e com sol entre nuvens, um simples raio pode causar danos irreversíveis.

— Onde exatamente estamos?

— No porão de uma de nossas propriedades.

— N-ossas?– engasgou-se surpresa.

— Sim. Desde que aceitou ser transformada, estamos em uma espécie de sociedade ou companheirismo, por assim dizer– afirmou tranquilamente, à medida em que manejava o recipiente que trouxera revelando o líquido viscoso. — Beba.

Daniels pretendia questioná-lo um pouco mais a respeito da afirmação e saber até onde iria aquela sociedade, no entanto, suas palavras foram sufocadas pela necessidade imensurável que se apossou do seu ser, ao observar o conteúdo escarlate que fora despejado metodicamente no cálice de prata. Seu âmago iniciou um rebuliço na urgência por aplacar o vácuo em seu interior, e a vampira recém-criada avançou tomando em mãos e sorvendo o néctar em um só gole.

— Quero mais! Onde tem? – pediu, vendo-o esboçar um riso presumido, e entregar-lhe outra taça, elevando a própria sugerindo um brinde.

— A sua nova versão?

— A minha melhor versão.

— Sabe o que quer fazer primeiro?

— Sei exatamente. Não pretendo sair de Louisiana ainda, se não se incomodar.

— De certo que não. Contas a acertar presumo...– pressupôs, analisando-a.

— Com juros e correção. Quando se quebra vidro, os estilhaços podem machucar, mas nesse caso, eles farão muito mais do que somente isso.

“...E este velho mundo é um novo mundo

E um mundo ousado para mim, sim, sim”

. . .

...Três meses depois

Os últimos resquícios do pôr do sol iam se desfazendo deixando o alaranjado mesclado entre rosáceo e violeta a cada instante mais opaco e acinzentado. Morosamente a escuridão tomava conta, trazendo consigo os seres abstrusos, noturnos e assustadores.

Entediada, sentou-se sob o parapeito da antiga biblioteca de arquitetura vitoriana, apreciando o “leque” de opções que a noite boêmia de Nova Orleans lhe oferecia. Ao longe, as batidas de jazz ecoavam altas pelos instrumentos e vozes animadas, muito por conta das inúmeras doses de álcool ingeridas. Não demoraria para muitos homens e casais saírem, passando exatamente por aquela rua, em direção a suas casas ou lugares propícios a atividades moralmente questionáveis.

Anne não estava sozinha e sabia bem disso, Charles a espreitava em algum lugar próximo, mas não se pronunciaria, como lhe era de costume, exceto, se fosse solicitado a fazer. Ela sorriu presunçosa, lembrando-se da façanha de nunca ter precisado de sua intervenção. Deliberou internamente, cobiçando as inúmeras possibilidades que teria dali por diante, não somente naquela noite, todavia, infinitas ao longo da eternidade. Concentrou-se inalando os odores adjacentes, sentindo a garganta queimar na ânsia por saciar a sede que lhe incomodava. Empertigou-se de repente, ao avistar sua futura presa a alguns metros dali.

O homem maltrapilho e desalinhado cambaleava tropeçando sob os pés. Alcoolizado e sujo de vômito, Gerhard Ingstad segurava uma garrafa de vinho em sua mão esquerda, levando a boca vez ou outra, enquanto mantinha a outra mão acariciando o seio da meretriz seminua, que o abraçava pela cintura. Era o retrato fiel de sua atual vida medíocre, pensou Daniels, com asco da cena. “Porco imundo!”

Tenaz, ela saltou numa queda livre de cinco andares descartando o uso de sua velocidade inumana, e caminhando vagarosa até a rua inóspita em que o homem se encontrava. Odiava-o com todas as suas forças e não pouparia esforços para tortura-lo até o limite de sua vitalidade.

Gerhard era uma figura conhecida e superestimada na cidade de Louisiana. Assegurado pelo prestígio e monopólio da dinastia do Lord Ingstad, poucos tinham conhecimento de seu verdadeiro caráter e não se importavam com seus pecados, fazendo "vista grossa" aos atos hediondos, dentre os quais agredir sexual e fisicamente moças que lhe interessassem ou tomar propriedades por quaisquer motivos que lhe parecessem suficientes, maltratar, humilhar e cativar pessoas negras. Anne e Charles investigaram toda sujeira encoberta pelos Ingstad, estando ambos abismados em descobrir muitas outras vítimas dele, inúmeras dessas, que assim como ela, decidiram por tirar a própria vida, entre outras que decaíram a vida da prostituição, não enxergando outra saída. Ele não ficaria impune, não dessa vez!

Produzindo um ruído peculiar de " tsc, tsc" com o estalo da língua no céu da boca, Anne chamou a atenção de Ingstad e de sua acompanhante.

— Olá, Gerhard! – ciciou, aparecendo de repente em sua frente. — Saia! – ordenou severa, olhando ameaçadoramente para a garota trêmula ao lado do homem.

Assustado e abandonado por sua companhia, ele deu passos vacilantes para trás, ao identificar a voz da figura feminina à sua frente.

Ela se aproximou descobrindo a face.

— V-você?– gaguejou assombrado pelo medo, ao vislumbrar a perfeição dos traços familiares à sua memória.

— Não é p-possivel.

— Oh! E porque não seria? Talvez, seja porque a maioria de nós acaba se matando?– comentou, produzindo um sorriso medonho de escárnio.

— O-que é… V-você?– questionou amedrontado, trocando as palavras ao vislumbrar o vermelho vivo de sua íris.

— Logo, logo saberá… Não estamos com pressa, certo?– murmurou chegando perto o suficiente para que seu olfato se incomodasse com os odores de nicotina, suor e bebida.

— Argh! Como você é asqueroso! – cuspiu as palavras, enojada.

Desferiu-lhe um chute, aproveitando-se de sua ligeireza, arremessando-o na parede de concreto de uma construção, ouvindo jubilosa seus urros de protesto, ao ter algumas costelas quebradas.

Ownt… Está doendo, querido? Será que suas vítimas sentiram dores semelhantes, quando as espancou?– Perguntou-lhe, usando sarcasmo. – Deixe-me responder: Sim, nós sentimos!

— Por f-favor… N-na..– suplicou dificultoso, travando a fala ao ter os ossos de sua perna direita esmagados, através da pisada impiedosa.

A sessão de tortura perpetuou por longos minutos até que Anne se desse por satisfeita. Não desejava matá-lo, julgava-o merecedor de muito mais sofrimento. Erguendo Gerhard pela gola da camisa ensanguentada, o fez saber sobre sua atual natureza.

— Quer saber no que você me transformou?– sibilou cólera.

De maneira brusca, virou sua cabeça e cravou as presas na jugular pulsante, sorvendo-lhe o sangue. À medida que suas forças eram revitalizadas e sua sede era aplacada, cessou o processo, cuidando para não deixar veneno na corrente sanguínea. — É isso que me tornei! Um monstro, como qualquer um dessa cidade amaldiçoada– confessou abandonando o corpo semi-morto na calçada vazia.

Ele respirava com dificuldade, mas, permanecia vivo. De maneira tenebrosa, foi ao chão com os olhos vidrados no vazio, o rosto de Gerhard transfigurava-se em pavor, como se ainda estivesse a ser torturado. Mais tarde Anne soubera que seu “dom” havia se desenvolvido e não poderia ser melhor. Ela era capaz de reproduzir cenas, sensações e situações na mente de quem quisesse, como em um “looping infinito”.

Daniels não se limitaria apenas a sua própria justiça em relação ao que lhe ocorrera, seus ideais iam muito além de si própria. Lutar por sua raça, por igualdade, justiça e uma vida honrada para todos que eram subjugados, seria seu principal foco na eternidade que se apresentava para ela, todavia, naquele período de tempo, Anne faria com que sua vingança fosse lenta e demorada, e Ingstad imploraria incansavelmente por sua morte.

A liberdade é minha

“E eu sei como me sinto

É um novo começo

É um novo dia

É uma nova vida para mim

Eu estou me sentindo bem...”

F I M!

❖❖❖
Notas de Rodapé

E, é isso... sinto muito pelos que esperavam mais capítulos ಥ⌣ಥ mas, desde o princípio a ideia era de que fosse uma narrativa curta ( um conto ) propriamente dito. Espero que tenham gostado, e até a próxima ~(^з^)-♡

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