Lá estava eu, era uma noite chuvosa e escura como breu, o vento fazia estranhos barulhos pela janela e aquela fome!
Havia chegado tarde da viagem, exaustivas horas naquele ônibus lotado e mal podendo conter os estranhos sons que meu estômago teimava em produzir no seu showzinho particular...
Mas finalmente iria dar um jeito nesse ser.
Me dirigi a geladeira... Nada! O leite nem quis sair da caixinha... Lixeira... Fazer o quê?!
Fui ao armário, situação ainda pior...
Açúcar, temperos diversos, feijão (levaria um século para cozinhar) e lá estava ele, filho único naquele armário vazio, sombrio... Bem naquele cantinho escuro, sobra do final de semana com os sobrinhos...
Estendi a mão na direção dele, um raio riscou o céu e um enorme trovão tremeu as vidraças! Mau presságio, sem dúvida, mas o estômago teimava em entoar forte a sua ode...
Coloquei água na panela, mas minha mente martelava: "Não acredito que terei de comer isso!!! Desgosto..."
O estômago já estava cantando uma ópera, mas minha razão me condenava impiedosamente...
O cheiro característico da água me indicou que era hora de deixar o drama e as divagações e proceder ao próximo passo...
Abri a embalagem, coloridinha, graciosa até, com os personagens da turma da Mônica para seduzir pequenas criancinhas...
A água saltava, borbulhando loucamente, quebreio-o em quatro partes e coloquei na panela, seu odor foi subindo e me lembrando da infância, quando ele tinha status real ao invés da "persona no grata" de hoje, entretanto naquela época já não o aceitava tal qual era!
O saquinho prateado sempre encontrava o rumo da lixeira e em seu lugar iam cebola, tomate e cenoura raladinhas e para completar sal e pimenta e um molhinho de tomate; até que não era tão terrível assim...
Mas hoje, para meu terror, nada de legumes, somente o saquinho... Ai, ai...
Misturei o tempero mortal, despejei o conteúdo da panela no prato e me sentei.
Primeira garfada, mal conseguia acreditar naquele martírio...
Soprei uma, duas... dez vezes e levei aquilo a boca... cruel, meu estômago doía; mas aquela textura e aquele sabor me enjoavam numa intensidade que quase "chamei o Juca"...
Por fim desisti, joguei aquilo na pia e fui dormir, para mim melhor dormir com fome do que enfrentar um miojo!