1 - Após estas coisas, Eloric vestiu-se com os trajes de Artelus, envolveu o rosto num manto negro, pôs sobre si uma grande capa e capuz para encobrir-lhe os olhos, de modo que quem o visse o tomasse pelo filho de Jigoías.
2 - Feito isto, adentrou à tenda dos conservos quando estes ainda estavam inertes em sono.
3 - Passou então erva apimentada nas próprias vestes, pois era odor percebível e repugnante aos homiros, e certamente o seria à um torgo.
4 - Então Eloric despertou os conservos dizendo-lhes "Ergam-se, eis que é chegada a hora de matarmos Jofro. Está ele após o crescente nevoeiro. Andemos agora e lançemos nossas lanças sobre ele."
5 - E tendo um dentre eles indagado pelo mal-nascido que trouxeram consigo, Eloric respondeu-lhe: "O filho de Jofro intentou contra minha vida durante a noite, por isto o matei. Esqueçamo-os pois."
6 - Prontamente todos ergueram-se, empunharam suas armas, cobriram-se com suas capas e seguiram-no.
7 - Estavam eles próximos à tempestade quando Eloric os chamou falando: "Façamos pois o que vos digo:
8 - Vês que esta é tempestade mui forte e seu vento cegará a nós todos. Pois para que não nos percamos uns dos outros, cingam vossos rins com estas amarras, e eu os segurarei e os guiarei através da tormenta.
9 - Vendem os vossos olhos, para que não sejais cegados pelo vento cortante. Passado a tempestade, sê libertos e juntos nos ergueremos contra o torgo."
10 - Crendo em suas palavras, os conservos-militãos fizeram como lhes fora dito, venderam os olhos, cingiram os rins e Eloric segurou-lhes pelas amarras como quem detém domínio sobre cães.
11 - Guiou-os então através da tempestade de neve, e fez isto até que todo o vento houvesse passado.
12 - Ora, chegando do outro lado, onde reinava bonança, Eloric avistou Jofro, seu pai. Este pois repousava no solo frio e tão profundo era seu descanso que a morte parecia ter caído sobre ele.
13 - E Eloric felicitou-se demasiado em espírito ao ver as gemas brilhantes de Jofro e suas escamas azuis.
14 - Ademais, exclamou aos conservos-militãos: "Não retirais as vendas, porque avisto outro crescente nevoeiro."
15 - E prosseguiu firmando os passos até Jofro. Pôs-se então de joelhos ante o torgo, e tocou-lhe para que despertasse:
16 - "Sou eu pai, teu filho Eloric. Nossa será toda a conflagração. Eis que trago à ti teus inimigos."
17 - E quando o cheiro das ervas chegaram as narinas do torgo, despertou-se ele de sua quietude e ergueu-se sobre todos como grandissíssima nuvem.
18 - Ora, Eloric exclamou aos conservos uma última vez: "Não retirais as vendas de vossos olhos, para que não vejais a própria morte."
19 - E ouvindo isto, os conservos se perturbaram e retiraram suas vendas. Dessarte, viram-se diante do torgo que emanava rugido ensurdecedor, e tiveram conhecimento de que Eloric fingira ser Artelus, pois caiu-lhe o manto e o capuz do rosto.
20 - Tão grande foi o espanto, que perante a grandiosidade da besta, fugiu aos homens toda a esperança. Eis que as lanças que carregavam tombaram dos punhos e seus corpos enfraqueceram e paralisaram.
21 - Eloric, contudo, agarrou as amarras com mão forte para que os conversos não passassem dali.
22 - Ora, o que sucedeu aos conservos, sucedeu em tempo muitissimo breve.
23 - Jofro devorou um, e os outros esmagou debaixo de suas patas, e seguidamente alimentou-se deles também. Entretanto, Eloric escapou de ser devorado, em virtude do aroma que se achava nele e era torpe a toda besta-fera.
24 - Desarte, em sua furia, Jofro feriu à Eloric com suas asas, expulsou-o de perto e fez menção de abocanhá-lo.
25 - E mesmo quando a besta-fera vociferou, alargou-se as suas escamas e fez estremecer todo ício sob sua rigidez, Eloric ainda gritava-lhe "Ábba".
26 - Retirou então Eloric de si mesmo a capa que o encobria, e foi grande o seu clamor porquê dizia:
27 - "Sou teu filho! Não te apartes de mim! Sê comigo! És tu toda a casa que me foi sobejada."
28 - E estando Jofro com estômago já farto e mui pesado de homens, desconheceu à Eloric e alçou vôo para longe.
29 - Passadas todas estas coisas, Eloric foi às montanhas, onde achou ali uma gruta, e fez dela seu refúgio.
30 - Ocultou-se na caverna durante cinco dias e cinco noites, até que dele saísse todo o pesar.