Um homem aportou uma pequena canoa na margem do rio. Ele pulou no píer velho pelo tempo e que há anos não era utilizado. Ele caminhou com experiência pelo pântano, pois ali o terreno era irregular e tudo era coberto por plantas aquáticas, não sendo possível distinguir o que era terra firme ou não. Um nevoeiro cobria tudo e apenas uma fraca luz azul era vista em algumas partes. Ele podia sentir olhos em si mesmo em todas as direções e um instinto de perigo pairava no ar. Todavia, ele não seria atacado sem uma ordem. Uma casa de madeira pode ser vista e ele parou cruzando os braços e aguardou. Logo depois, um movimento na água foi ouvido e um outro homem apareceu mostrando parte do corpo.
− Zahir...O que aconteceu? − Ninguém em sã consciência teria coragem de ir naquele território, a não ser aquela pessoa, e por uma boa razão.
−Caçadores. Chegaram hoje e subirão o rio amanhã. O barqueiro os deixará na divisa do canal e eles seguirão até o santuário.
O homem silvou e a água se agitou com os movimentos e mais silvos.
−Teremos permissão para ultrapassar o território?
−Sim. Pelo menos até termos matado todos eles. Eles estarão com dois ômegas, tenham cuidado para não os machucar.
− Ômegas? − Ele virou a cabeça em dúvida.
− Amanhã eu explico melhor.
− Certo. − Ele deu um sorriso mostrando os dentes afiados. − Será divertido, eu não me alimento há muito tempo. − Ele mergulhou na água, desaparecendo.
O homem também sorriu e se virou, desaparecendo na floresta.
Depois de avisar os demônios, o homem subiu o rio. Há algumas horas do santuário. Ele chegou em uma caverna no chão e pulou para a escuridão, rastejando por labirintos de cavernas e rios subterrâneos. Mais à frente, o túnel ficou iluminado. Naquela parte, todas as paredes brilhavam com pedras preciosas e mágicas. Um homem esculpia uma parede com calma e nem precisou se virar para saber quem era. Ele podia sentir e ouvir por muitos e muitos quilômetros.
− Zahir, meu pequeno. Faz tempo que você não nos visita.
− Taj − Ele fez uma reverência respeitosa, mas o homem apenas jogou a pedra num canto e foi até ele, lhe dando um abraço esmagador.
Zahir bufou e deu tapas para que ele o soltasse. Ele não era mais criança.
O macho apenas o ignorou como de costume e continuou lapidando a parede.
− Que tanta cerimônia, o que foi?
− Caçadores. − Ele não precisava dar nenhum detalhe.
− Atrás da Titanoboa? Me diga uma novidade. − O Homem riu, sua risada fazia todo o seu corpo gigantesco tremer. Mesmo naquela pele humana, seu tamanho era impressionante. − O que você quer que eu faça?
−Bom, você é o líder desse território.
− Contra a minha vontade. Eu já estou velho demais para ficar correndo com caçadores.
Zahir suspirou, ele imaginava aquilo.
− Tudo bem. Eu já avisei o líder dos demônios D’água. Apenas vim informar o que acontece na nossa região.
− Só não permita que cheguem perto da aldeia. − Dessa vez a voz soou séria.
−Sim, eles não viverão para chegar até lá.
− Bom. Eu confio em você.
Zahir assentiu e fez mais uma reverência como despedida.
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A noite na hospedaria, o barulho de homens conversando e bebendo podia ser ouvido. Depois de um tempo, Aydan e Rinne também ouviram uma movimentação e alguns homens entraram no quarto de Raiden que ficava no final do corredor.
− O que você acha que eles estão tramando? − Rinne cochichou com Aydan, os dois grudados na porta esperando ouvir algo.
−Eles querem caçar alguma besta da região. Não sei como. −Aydan suspirou sentindo falta da irmã. Ele apostava que nesse momento, com o poder de sua intuição, ela já teria descoberto tudo. − Eu irei sair para tentar ouvir melhor, você fica.
− Por que eu sempre tenho que ficar para trás?
−Porque eu ganhei um voto de confiança e posso sair do quarto. −Aydan falou o óbvio.
−Droga.
−Não se preocupe, os homens de Raiden não podem me tocar.
Aydan abriu a porta e saiu no corredor, porém um guarda estava na porta e o olhou.
"Merda"
− O que você quer aqui fora?
−Eu apenas vou ao banheiro. −Aydan mentiu e teve que usar o banheiro e voltar para o quarto.
− E então? Por que voltou?
−Tem um guarda na porta.
Os dois xingaram e pensaram por um tempo e Aydan olhou para a janela. Nem tudo estava perdido.
Ele abriu a janela devagar e para a sua sorte, a hospedaria tinha um bom pedaço de apoio por fora. Aydan podia ver duas janelas a frente e a última ser a de Raiden.
Rinne olhou para baixo, eram uns bons três metros do chão.
− Eu acho melhor não, irmão.
− Bobagem. − Aydan demonstrou agilidade ao pular a janela, deixando Rinne surpreso.
Ele caminhou com cuidado até a outra janela, olhando se ninguém estava no outro cômodo, mas o que viu o fez parar. No segundo quarto, a menina ômega estava deitada, no que parecia ser um sono profundo. "O que ela faz aqui? Eu não a vejo desde o bordel..." ele pulou para dentro do quarto e foi até a cama para ver sua condição. Suor cobria a pele dela e a expressão era de dor. Ao lado da cama, um escaninho tinha um caderno, tinta e um pincel fino de escrita. Aydan foi até ele o abrindo e lendo com pressa, tentando entender o máximo, antes que alguém aparecesse. “hemorragias...risco de morte pós-parto" Após ler algumas páginas, ele sentiu-se perder o chão. O medo e pavor era tanto que seu estômago revirou.
Uma porta foi aberta, o despertando e Katsuo o viu.
− Seu merdinha! o que faz aqui?
− O único merda aqui é você! Seu filho da puta! – Aydan explodiu jogando as anotações nele.
Ele sentiu tanta raiva que não se importava mais se ele e seu irmão viviam ou morriam. Aquele destino era pior que a morte. Ele não seria mais abusado e nem forçado a ter filhos com homens como Katsuo e Raiden.
Katsuo avançou nele tentando o arrastar para fora do quarto, mas no momento que ele colocou a mão em seu ombro, uma serpente negra deu o bote.
− Desgraçada! Katsuo puxou a serpente de sua mão, apertando-a.
− Zara! Não! − Aydan deu um soco em seu rosto com toda força que tinha, fazendo Katsuo soltar a serpente no chão.
− O que está acontecendo aqui? − Raiden entrou no quarto, atraído pelos gritos.
Katsuo puxou uma de suas pílulas de cura e a engoliu, mas ainda assim, a Víbora da Noite tinha um veneno que podia matar mais de trinta homens em apenas alguns minutos.
−Droga. Homens venham aqui!
Um grupo de homens entrou no pequeno quarto e não sabia o que olhar primeiro.
− Se mexam logo e façam uma transfusão de Qi! – Raiden ordenou.
Eles se ajoelharam e começaram a passar um pouco da sua energia vital.
Aydan ficou parado desejando que Katsuo fosse para o inferno. Ele lembrou que Zara tinha sido machucada e foi até embaixo da cama pegar serpente que respirava com dificuldade.
−Não, por favor, Zara! Resista!
− O que diabos você tem aí? Uma cobra? – Raiden viu a serpente negra nas mãos dele.
Aydan nunca tinha visto Raiden com tanta raiva, um dos seus melhores homens tinha sido abatido. Ele foi até ele e Aydan correu até a janela para jogar a amiga, na tentativa de salvá-la. Se Raiden a pegasse, ele a fatiaria em pedaços.
Depois de jogar Zara pela janela, Raiden o pegou pelo pescoço, os olhos brilhavam de raiva e ele sorria como um louco.
− Ah, eu deveria ter esperado isso de uma cobra ardilosa como você! Me atraindo com a sua beleza e me atacando na primeira oportunidade!
−Vá para o inferno! – Aydan lutou para se libertar.
Raiden apenas colocou mais o corpo dele no seu.
−Você irá se arrepender disso. Quando isso acabar, irei garantir que não consiga andar por dias.
− Apenas me mate! Eu prefiro morrer mil vezes a me deitar com você.
− Prefere morrer a dormir comigo? Me odeia tanto assim? Depois de tudo que eu fiz por você...−Ele apertou o pescoço de Aydan marcando a pele. −Eu não vou te matar, Aydan. Eu sei a forma mais dolorosa de te atingir, a sua maior fraqueza. Eu não pretendia colocar você e seu irmão no meu plano, mas agora...irei te mostrar o quão ruim eu posso ser, e fazer você perceber como eu fui bom todo esse tempo.
Raiden o beijou à força mordendo os seus lábios e depois o puxou pelo corredor. O guarda que estava na porta se ajoelhou pedindo perdão e ele apenas o chutou, abrindo a porta e jogando Aydan em cima de Rinne.
−Aproveite a noite com o seu irmão, Aydan. Poderá ser a última. – Raiden bateu a porta com um estrondo.
Aydan ficou paralisado onde estava e Rinne veio em seu auxílio, mas ele não conseguia ouvir mais nada.
"Isso ainda tem como piorar? O que eu fiz..." ele não conseguia ver uma saída daquela situação.
Aydan lembrou-se de Zara e conseguiu forças para ir até a janela, mas a mata era escura demais para ver qualquer coisa.
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A pequena serpente respirava com dificuldade. Havia sido apertada com muita força e seu corpo era a sua fraqueza, em vista do seu veneno. Ela sentiu alguém se aproximar e a pegar no colo. Passando a mão por suas escamas, a examinando.
− Pelo visto, você lutou bravamente. Tem o meu respeito. − Uma luz de energia surgiu de sua mão e a serpente sentiu a dor ir embora, sentindo-se sonolenta.
O homem guardou a serpente e olhou para a estalagem, sentindo e contando quantas pessoas estavam lá. Ao ouvir o barulho da confusão, ele ficou tentado a entrar, mas seria perigoso destruir a estalagem e acabar matando pessoas inocentes. Ele inspirou algumas vezes controlando a raiva.
O homem certificou-se que os ômegas não seriam mais castigados e foi embora.