Eu te ensinei sobre meu mundo
sobre a hora certa de abrir a torneira para escovar os dentes e a hora que a água do chuveiro fica quente
te ensinei sobre a hora que deveríamos acordar, pela saúde e pela aurora
mas depois da gente se acostumar, você se desfez dos ritos, foi embora, deixou o nosso espaço em vácuo e eu fiquei para sempre acordado
Mas uma hora isso passa, e vieram outros caminhos
o amor não morrera, como eu precipitadamente acreditei nos primeiros três anos de dor escaldante
encontrei lealdades e novos romances
vínculos e novas paixões
meu corpo voltou a ferver, meu sangue voltou a correr
não havia mais banho junto a ti, mas havia estrofes quando a água caía
Eu não sei se o que vivemos foi visto pelo mundo como correto
no sentido ético mesmo;
era disfuncional e proibido, agourento, havia qualquer coisa de um espírito compartilhado que se quebrou
e quem estava de fora via e dizia
mas nós pegávamos os pedaços quebrados e juntávamos para um mosaico
até que um resolveu que a amálgama que se formara era feia, e retirou o primeiro rejunte
é claro que não sabemos quem foi que fez o primeiro movimento nesse sentido
assim como não sabemos os mistérios do primeiro momento do universo
Mas nos nossos novos universos desconcertados um tornou-se para o outro inteiramente aquele pedaço quebrado, que serviu como faca no sentido pessoal, quando havia contato, e sal, no impessoal, quando atirávamos os estilhaços do mosaico
Isso passou e a chuva parou, entretanto
e ninguém decretou fim de jogo ou vitória
ambos saímos perdedores e irreversivelmente ilesos
porque se houve amor, essa doença se curou
se não houve, as máscaras cuidaram de nós até nossos rostos estarem prontos para novos cortes limpos