Dez anos se passaram, e minha capacidade criativa, assim como minha técnica, apenas evoluíram, porém, algo que já não me atormentava a muito tempo, voltou a me perturbar. O meu maior inimigo havia retornado, à página em branco!
Quatro meses atrás, meu maior sucesso foi lançado, meu Magnum opus, adorado pela crítica e amado pelo público. Minha última obra foi perfeita, sem erros, o meu potencial máximo foi expresso no livro intitulado: “As Correntes Invisíveis.”, porém, logo após seu lançamento, o sentimento ancião, do qual já havia me esquecido, voltou. Me sinto como um motorista batendo o carro em alta velocidade, o baque ocasionado por esta emoção é corrosivo, e me deixou novamente perdido nesta sociedade caótica em que vivo.
O vazio, novamente se materializa em meus sonhos, entretanto, diferentemente da comodidade que sentia quando novo, agora apenas sinto o terror. Como este local ainda pode existir?
As noites são horrendas, me lembro do meu acordo com aquele ser em minha mente, não, não, deve ser o estresse, sim, só pode ser o estresse. Devo prosseguir com calma, com tempo sei que serei triunfante na batalha contra o meu antigo inimigo.
Um ano se passou desde o lançamento da minha obra-prima, agora, as cobranças da minha editora ocorrem diariamente. Á insistência para que eu criei algo novo, me faz lembrar do tempo em que trabalhava como atendente.
O sentimento de estar aprisionado voltou, será que em minha busca para sair daquela prisão, acabei entrando em outra? Esta questão me perturba.
Os pesadelos são constantes e a vida se torna cada vez mais deplorável. Talvez não haja escapatória? Talvez o nosso destino como humanos seja ficar preso, para sempre, confinados em nossa própria mente? O escritor deste século, assim eles me chamam, o que pensariam se me vissem pessoalmente? Sei que sou apenas uma pessoa estagnada, com sua criatividade esgotada, com rancor da vida que tenho, com relutância pelo caminho que segui. Toda à noite, atormentado pelo meu inimigo mortal, a página em branco. Eu a odeio, a abomino com todas as minhas forças, e mesmo a detestando, ela é sempre a última imagem que vejo antes dos pesadelos noturnos.
Nesta noite eu me deito, novamente derrotado pelo meu inimigo.
O último pensamento que se passa pela minha mente, antes do vazio me consumir, é de que, minha interpretação, sobre o que seria o sonho e a sobrevivência, estava errada. Às duas ideias, são como irmãos siameses, uma se mescla a outra, se unindo em uma única entidade, que chamamos de vida.
O sonho é diferente nesta noite. Algo está errado! ao invés de estar flutuando no vazio, eu me encontro amarrado a antiga cadeira de madeira. Me sinto extremamente apavorado, é como se estivesse me afogando.
Aos poucos, a criatura do meu passado começa a se manifestar. O pânico aumenta à medida que o ser sai da escuridão, porém, quando ele está totalmente materializado em minha frente, sinto meu sangue esquentar, sinto o terror se tornar ódio, raiva, havia sido enganado por este ser, o pacto não havia sido comprido, este desgraçado com seu sorriso sínico havia me enganado, miserável, eu o expulsarei da minha mente, eu o aniquilarei!
— Seu grande filho da puta! Você me enganou! Durante dez anos eu me senti livre, finalmente, eu havia conseguido me expressar de maneira compreensível, mas agora, agora, ela voltou, à página em branco, voltou! — Digo para o ser, gritando com toda a força que possuo.
— Vincent, você não deveria xingar sua mãe deste jeito. — Diz este desgraçado alargando seu macabro sorriso amarelo. — O pacto que fizemos transforma o sonho em sobrevivência, fazendo com que o sonho se torne o meio pelo qual o indivíduo possa sobreviver. Dez anos é tudo que você possui, é o máximo que sua mente pode criar. — O que este maldito está tentando me dizer, tudo que já criei durante a minha existência durou apenas dez anos? Havia criado cem histórias, isto significa que só poderia contar estas cem? Nem mais, nem menos. Mentiras, só pode ser, mentira. — Foi bom fazer negócios com você, porém, agora que a criatividade se foi, não tem porque eu existir. Agora só lhe resta o vazio, adeus meu amigo. — Diz a criatura desaparecendo no vazio. Desgraçado não fuja, não me abandone, não me deixe na escuridão.
Agora, me encontro preso na escuridão. Tudo que posso fazer é encarar o abismo. Mesmo que deseje a liberdade, mesmo que queira criar, nunca poderei, pois, a criatividade me abandonou. Um mundo onde não posso criar, não é o mundo que desejo viver, não é uma vida que vale a pena ser vivida.
Sinto minha essência vital, repentinamente, se extinguir. Conforme um resplendor dourado decai sobre o meu ser abalado, percebo que minha vida havia chegado ao seu fim.
A Morte Do Maior Autor Deste Século
Noite passada, Vincent Augustos, um dos maiores autores deste século, foi encontrado morto em seu quarto. Segundo os peritos, o renomado autor teve uma overdose. Por motivos que ainda são desconhecidos, Vincent ingeriu quarenta comprimidos antes de se deitar, e morreu enquanto dormia.
Matéria por Clara Lima, Jornal: Notícias Diárias