Ela era a calma da neve enquanto não vinha a tempestade. Ela era a garoa antes da chuva forte. Ela era o Sol amanhecendo enquanto a terra ainda não estava aquecida. Ela era um rio correndo, um lago parado, uma nascente que abastecia toda a hidrovia.
Ela tinha essa pose calma, sabe, como se nada no mundo pudesse pegá-la de surpresa. Era uma expressão tão bela, que nem parecia que ela acabara de sair do fundamental para se aventurar no andar superior, no andar onde ela não mais seria o exemplo dos mais novos, porém fruto de desejo dos mais velhos.
Na escola todos sabiam seu nome, embora ela não soubesse o nome da maior parte. De algum modo era estonteante seu jeito de andar, o modo como ela abraçava seu livro como se ela estivesse abraçando sua vida, seu coração. O que eu não duvido, a leitura era seu combustível para aguentar - tantas infelicidades em - sua turma.
Não tenho a menor incerteza do que ela pensava a respeito da pior turma de primeiro ano. Muito embora os alunos que estavam no segundo deixaram sua marca de terror enquanto estiveram sentados nas carteiras dos primeiranistas, os atuais calouros eram piores. Desinteressados, à-toa, dando um jeitinho de passar no início do ano e depois se desesperando à medida que o fim estava próximo e com ele a recuperação - ou pior, reprovação.
Ela se mantinha na média, nem tão boa nem tão mal, nem se destacando nem passando despercebida. Ela tinha uma mágica, algo intenso e algo distinto. Adjetivos não servem para descreve-la, sua preciosidade não pode ser encontrada em outro lugar senão nos corredores pavimentados e sem graça.
Quando se animava dava para ver o brilho em seu olhar, quando se entristecia os olhos estavam à mercê do mar agitado, quando sorria era uma felicidade desajeitada e que não sabia se devia mostrar o aparelho metálico ou simplesmente repuxar os lábios.
Ela todo dia tomava café. Vivia com sono de noites mal dormidas. Odiava a maior parte do corpo estudantil e amava a maior parte do corpo docente. Tinha tantos defeitos quanto perfeições, ainda que ela nunca se descreveria como alguém "aceitável ou dentro dos padrões".
Para mim, ela era uma fada. Na visão dela, ela era razoável.
Nem tão bonita nem tão feia, nem magra nem gorda, nem alegre nem triste, nem estudiosa nem relaxada. Ela era um meio termo. Ela era uma maravilha de garota. Isso, é claro, somente na minha visão e na dos poucos amigos que tinha.
Ela tenta fazer amizades, no entanto quase nunca consegue mante-las. Ama português correto, mesmo que algumas gírias escapem de seus lábios. Ela tem lábios bonitos, do tipo que se resseca muito rápido e por isso se desenvolve o hábito de passar a língua para umedece-los. Eu nunca quis que ela notasse o quanto eu adoro quando ela faz isso.
Ela era o vento antes do furacão. Ela era a semente antes do carvalho. Ela era a batida de asas da borboleta antes que um terremoto alcançasse a China.
Ela era, nada mais nada menos, que a mulher das minhas fantasias.