Uma mudança sutil na sempre igual rotina
Tháiza Lima
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 29/10/16 16:30
Gênero(s): Cotidiano
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 5min a 6min
Apreciadores: 4
Comentários: 1
Total de Visualizações: 942
Usuários que Visualizaram: 8
Palavras: 806
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

Aracruz não é tão ruim quanto a necessidade de encontrar um nome de cidade q Sabe quando você escreve algo meses atrás e esquece completamente? Então.

Boa leitura! ^^

Capítulo Único Uma mudança sutil na sempre igual rotina

Todos os dias a menina amarra seu cabelo mediano em um rabo de cavalo. A franja é muito grande, então geralmente é posta atrás da orelha. Os óculos de aro plástico têm um exótico tom de vermelho, eles conseguem disfarçar o quão monótonos são os olhos castanhos, ainda que ela se orgulhe da cor tão escura parecer um ébano elegante.

Ela acorda pontualmente às seis da manhã, desligando o alarme com o desespero encontrado naqueles que ouvem o rugido de um felino ou o gracejar de um predador aéreo. Escova seus dentes com a preguiça do sol ao se levantar e lava o rosto rudemente, analisando cega os cravos que volta e meia aparecem em seu nariz – confundidos muitas vezes com sardas, o que poupa a menina de procurar uma limpeza de pele e gastar mais do curto dinheiro que tinha.

Aracruz nunca pareceu uma casa para ela. A cidade era pequena demais, sem graça, as pessoas eram geladas, o clima nunca estava ameno, a escola era sempre a mesma. Tudo era imutável, e ao invés de parecer o mundo das ideias de um filósofo grego cujo nome ela deveria ter gravado, era mais parecido com um deserto congelante.

A menina caminha treze minutos até a escola particular, cada minuto ela pensa como sendo cento e trinta reais indo para a mensalidade. Ela se senta na carteira de cor azul, em seu uniforme impecável com a logo do colégio bordada e balança os pés pensando em como seria o resto do dia. Deveria terminar o dever de história ou deixar para o outro dia, quando fosse visitar sua amiga coincidentemente monitora da matéria? Poderia arranjar tempo para pegar um ônibus e visitar os primos no outro bairro? Trabalharia na biografia que estava fazendo da idosa do fim da rua? O que estava fazendo com sua vida?

Cada dia amanhecia com o mesmo sol, as mesmas meias brancas, o mesmo pão francês da mesma padaria na rua paralela. Cada caminhada tinha a mesma playlist, os mesmos prédios, a mesma dor nos tornozelos, os bocejos eram sempre em frente ao banco onde a mãe do melhor amigo trabalhava. Cada fascículo do caderno começava com uma frase motivacional que agora parecia estúpida.

A menina acordou na quinta-feira com um sentimento inusitado em seu peito. Ela pensou que, caso continuasse do jeito que estava, nunca sairia daquele buraco onde passou quatorze anos de sua vida. Ela poderia fazer faculdade na capital do estado, mas isso seria a mesma coisa de se mudar para o outro lado da rua, não alteraria em nada sua situação.

Então ela acordou, se levantou e pegou uma nova escova no armário do banheiro. Uma escova verde-limão, com listras brancas e mais larga do que normalmente usava. Um ato tão simples quanto esse deixou seu humor um pouco melhor.

Ao caminhar para a escola, deixou os fones de ouvido na bolsa, e conseguiu fazer em dez minutos o percurso que realizava em treze. Se tempo fosse dinheiro, poderia descontar trezentos e noventa da mensalidade, o que conseguiria bancar o custo de uma bicicleta ou um livro de Direito, quem sabe uma escrivaninha para não precisar estudar na sala com os irmãos assistindo televisão e conversando alto.

Ela se sentou na carteira de sempre e balançou os pés, pensando que uma mudança sutil na rotina era bem-vinda. Abriu o fichário e riscou todas as frases de apoio moral que tinha escrito no início do ano, cutucando o colega à sua frente para pedir ideias para novas, ou quem sabe duas a mais, três? Isso lhe rendeu uma resposta grossa de que ou ela ficava quieta ou iriam os dois para fora de sala, mas a perspectiva a fez sorrir.

A menina saiu quando o sinal tocou, encaminhando-se para o ponto de ônibus. Sua mente estava pensando em um futuro a longo prazo, em um apartamento pequeno no centro de uma metrópole rachado entre ela e uma amiga que também planejava cursar Direito, em como deve ser andar de metrô, o gosto de tangerina, caminhar sozinha distâncias maiores que treze minutos. Subiu no transporte ainda viajando, e quase tropeçou na roleta se não fosse pelo chamado do cobrador pedindo o dinheiro da passagem ou o cartão de passe escolar.

O dia pareceu mais bonito, os primos pareceram mais amigáveis e o bolo de cenoura e chocolate que a tia cozinhava a cada duas semanas parecia mais gostoso. Às vezes mudanças são positivas, ainda que aparentemente insignificantes, ou vistas com desprezo à primeira vista.

A menina dormiu melhor naquela noite, a janela sem cortinas deixou passar a luz pálida da Lua e dos postes da rua, criando sombras engraçadas no chão de madeira. Se ela estivesse acordada por volta de onze e quarenta, teria visto uma estrela cadente passar bem em cima dos sapatos arrumados ao lado da cama.

❖❖❖
Notas de Rodapé

<3

Apreciadores (4)
Comentários (1)
Postado 29/11/16 00:39

Seus títulos e contos são sempre tão perfeitos *u*

Sou tua fã, Tháiza! :D

Postado 29/11/16 20:38

*dying whale sound*

Eu vou me afogar no quão maravilhosa você é ;^;

Postado 30/11/16 00:38

Não se afogue, senão eu perco minha admiração ;-;