As vantagens de se morar sozinho é poder criar sua própria rotina. O lado ruim... É que o silêncio pode incomodar. E, dependendo do horário, não dá para chamar alguém só para jogar conversa fora.

Por isso alguns optam por dividir despesas com algum amigo, ou arranjar uma mascote.

Bom... Eu meio que tenho os dois.

- Hey, Usagi. Pretende dormi o dia todo? – chamei e ele quase nem se mexeu. - Está na hora do almoço. – dessa vez ouve uma respostas, suas longas orelhas se mexeram. – Vamos Usagi, antes que esfrie.

- Akira... – se espreguiçou demoradamente, deixando o lenço deslizar de seu corpo. Levava as costas das mãos ao rosto, coçando os olhos, demonstrando total sonolência. A camisa que utilizava como camisola estava toda desabotoada, escorregando dos ombros. Não possuía nenhum quesito de vergonha por estar tão à amostra. Parecia inocente demais para notar a própria nudez.

- Eu não vou te carregar. Você tem pernas para usá-las.

- Chato. – inflou as bochechas em um ato infantil e eu apenas neguei com a cabeça sorrindo.

Contra a vontade resolveu levantar, tropeçando nos primeiros passos. Nunca vi alguém tão desajeitado quanto ele após acordar.

- Você não tem jeito mesmo, Usagi. – sorri, sentando ao seu lado no chão. – Qual sua dificuldade em parar em pé? – indagava enquanto arrumava sua camisa, fechando-a corretamente. – Ou faz isso só por graça para que eu fique com dó e te carregue? – ele não respondeu. Isso quer dizer que consentiu. – Agora se levante de novo.

- Quero tomar banho.

- Agora?

- Agora. Ainda não tomei banho depois de brincar com Akira.

- Bem... É que você dormiu logo depois daquilo... – a naturalidade com que ele falava era tão ruim quanto eu nem conseguir falar no assunto sem ficar levemente vermelho.

- Agora.

- Ok... Já entendi. Mas a comida vai esfriar... – apesar de que não adianta discutir com ele.

Por mais estranho que possa soar Usagi é uma espécie de coelho antropomórfico. Com suas particularidades, claro... Acredito que Furry o descreva melhor.

Faz quase um ano que o encontrei sozinho em meio a chuva, a história clássica de animal abandonado. Assustado, no começo nem deixava que eu me aproximasse. Levei algumas mordidas também. E mordidas de coelhos não são legais nem de modo “carinhoso”.

Também não sabia como cuidar de uma mascote especial como ele. Então digamos que o começo foi bem difícil.

O lado bom disso, além de ter se tornado uma boa companhia, foi que me senti obrigado a aprender a cozinhar. Coelhos são herbívoros e Usagi não é diferente. Ele ainda pode comer mais coisas que um coelho normal, porém nada de carne. E tudo natural, sem conservantes.

Em resumo... Meus gastos aumentaram, pois essas coisas naturais são mais caras. Porém minha saúde agradece.

Quanto a sua idade... Não sei dizer com exatidão, apesar de que aparenta ter doze ou treze anos. Para coelhos que, quando vivem muito, não passam de oito anos e na conta humana ainda seria uma criança, realmente é difícil falar o quão velho seria. Sua mentalidade apesar de bem adulta é instável. Essa carinha de inocente é só fachada e o jeito todo fofo e carinhoso é uma armadilha. Só eu sei como Usagi pode ser perverso. Em todos os sentidos possíveis da palavra.

Eu e Mika na verdade... Após aquele “pequeno acidente” não o vi mais nem sequer citei seu nome perto de Usagi. Espero que esteja bem e se recuperado. Usagi é uma perfeita versão “Furry¹ Yandere²”.

Apesar de tudo ele ainda consegue ser extremamente descuidado e desastrado. Lembro-me de seu primeiro banho quando o trouxe pra casa, quase se afogou sozinho na banheira, gerando certo receio de água. Após isso passei a garantir sua segurança, dando-lhe banho. Claro que é basicamente impossível saber se é realmente receio de ficar sozinho ou só se aproveita da situação. Não que eu achasse de todo ruim. Dar banho nele era semelhante a uma mascote de porte grande.

- Usagi? Já está dormindo sentado? – indaguei terminando de secar seus cabelos.

- Quase... – afirmou. – É que isso é bom, desde que tome cuidado com as minhas orelhas.

- Eu sempre tomo.

- Sinto ter que discordar e ainda posso citar uma longa lista de incidentes.

- Ok... Não precisa citar nada. – houve sim uns acidentes. – Mas não tenho culpa se suas orelhas se camuflam com todo esse cabelo. Ou pelo... Sei lá.

- Akira! – reclamou por eu ficar com o secador muito tempo sobrando próximo a sua orelha, só pra variar.

- Ah... Desculpa. – desliguei o aparelho quando percebi.

- De novo.

- Suas orelhas são caídas, isso dificulta ainda mais.

- Isso. Agora jogue a culpa nas minhas orelhas.

- Usagi. – chamei ainda o vendo emburrado. – Hey! Vai ficar bravo comigo agora?

- Se resolvesse. –respondeu e eu ri.

- Sabe que me distraio fácil. E a culpa é sua.

- Minha?!

- Sim, sua. E sabe bem o porquê. – sorri lhe roubando um selinho. – Agora termine de se arrumar. Irei esquentar a comida. Já deve estar tudo gelado.

-... Idiota... – abaixou a cabeça levemente vermelho. Tive sorte com sua reação dessa vez. Algumas vezes já aconteceu dele revidar de forma agressiva antes de ficar com “vergonha”.

Retornei para cozinha para ver a comida. Como esperado, tudo frio. Por sorte esquentar é mais rápido que ter que preparar tudo do zero, apenas muda um pouco o sabor.

Em poucos minutos estava tudo pronto novamente e logo Usagi apareceu na cozinha usando só uma camiseta comprida.

Quem não o conhece diria que eu sou o mau elemento e ainda pedófilo. Usagi quer manchar minha imagem e fim. Só fico imaginando de como seria meu julgamento se acaso um dia eu acabasse preso por causa dele. Seria até engraçado se não fosse trágico.

O almoço seguiu calmo, sem muita conversa. Agradável como deveria ser. E após comermos eu fiquei encarregado da louça enquanto Usagi ficava na sala vendo TV. Até porque não daria muito certo mandar uma mascote cuidar da louça. Lembrando também que essa mascote é um desastre. E também somos apenas nós dois, não têm porque sujar tanta louça. Mas claro que magicamente ela se multiplica. Em todo caso, ainda só louça de duas pessoas.

- O que tem de interessante na TV, Usagi? – chamei assim que terminei tudo e o vi tão vidrado na tela como uma criança.

- Nada... Já acabou.

- E o que estava assistindo?

- Desenho. – como eu disse, tenho uma mascote com mentalidade infantil.

- E o que deseja fazer agora?

- Akira precisa sair hoje?

- Hoje? Hm... Mercado já fomos essa semana, não me lembro de estar faltando nada. E estou de férias da faculdade. – curso Medicina Veterinária, só por comentar. – Agora se me perguntar o que quero fazer diria que é dormir até a hora do jantar. – respondi sentando despojado no sofá.

- Dormir é uma boa ideia. – claro que é. Você é um coelho, animal de hábitos noturnos. Apesar de que domésticos acabam se adaptando a rotina do dono, mas sem deixar completamente seus hábitos. – E também não estou a fim de sair. Só de pensar em colocar aquelas roupas apertadas... – nem se nota que você não gosta de roupas. – Podemos brincar um pouco antes de dormir? A-ki-ra. – e já estava demorando...

- Usagi...

- Por favor... Estou carente... – dizia manhosamente, subindo em meu colo.

- Aqui não Usagi.

- E por que não? – sua voz ficou abafada ao esconder o rosto na curva de meu pescoço.

- Porque o sofá é desconfortável pra essas coisas.

- Carregue-me até a cama então.

- Mas é folgado mesmo.

- Carregue-me!

- E ainda acha que manda. – acabei rindo. – Vamos logo, coelho mimado. – o pior que no final eu sempre acabo cedendo.

- A culpa é do meu dono que me mimou.

- E ainda dar tempo de corrigir isso?

- Não teria a mesma graça. – sorriu malicioso assim que o soltei na cama.

- É... Não teria... – concordei sendo cúmplice daquele sorriso.

- O problema é precisar de outro banho depois. A vantagem que poderemos brincar mais na banheira.

- Usagi, nem começamos...

- Sabe bem como sou.

- Sim, você dorme depois da primeira.

- Nem sempre! – consegui irritá-lo. – Não quero mais também.

- O que? Está brincando, não é?

- Sai Akira. Não quero mais brincar.

- Tudo bem então... – ameacei sair, deixando-o sozinho na cama. Era sempre a mesma manhã. Acontecia de ele me provocar e depois pega qualquer coisa que eu falo pra poder ficar irritado, dizendo que não quer mais, só esperando eu implorar pra satisfazê-lo. Esse é um dos males de mimar alguém.

- Onde está indo?!

- Banheiro e depois vou deitar no sofá. – me mantive impassível, fazê-lo cair no próprio jogo.

- Não!

- Usagi, você acabou de falar que não quer brincar mais. Então até depois. – finalizei o deixando sozinho no quarto. – Agora é só esperar... – falei sozinho deixando a porta do banheiro só encostada e colocando a banheira pra encher.

- Akira! – foi só o tempo de eu terminar de tirar a roupa. Até que demorou a ceder daquela birra. – Eu te odeio! – primeiro a raiva. – Eu não acredito que me deixou sozinho no quarto. Não acredito! – estágio de negação. – Você não me ama mais? – e por último o drama seguido de choro. Nem uma mulher de TPM é desse jeito.

- Vai continuar com drama ou entrar na banheira comigo? – indaguei mantendo certa indiferença. Ainda não sei como aguento o temperamento dele. Devo gostar muito desse coelho. Devo não, eu gosto.

Sem falar nada Usagi adentrou a banheira e eu apenas o puxei para meu colo.

- Eu ainda te odeio. – repetiu inflando as bochechas e dessa vez não resisti e mordi uma delas, o deixando surpreso. - Akira?

- Vai continuar bravo comigo ou quer brincar na banheira?

- Pervertido. – finalmente o vi sorrindo após toda a carga emocional. – A-ki-ra.

Esses altos e baixos eram comuns de sua personalidade e as discussões sempre acabavam na cama ou, como agora, na banheira.

Apenas não tenho o que reclamar da minha vida.

- Hey... Usagi... – após aquele banho prazeroso o levei de volta para cama, já dormindo. – Depois ainda teima comigo que aguenta mais de uma vez. – sorri vendo-o apenas se mexer sem acordar.

- Akira... – até dormindo pensa em mim. Que fofo.

- Sinto que ele vai estar insuportável quando acordar. – suspirei vendo ressonar tão calmamente. – Bom... Mereço dormir um pouco também. Durma bem, meu coelhinho problemático.