Davi caminhava com certa urgência enquanto notava o quanto as ruas daquele bairro pobre no subúrbio de São Paulo ficavam desertas quando a noite se adensava. Não havia iluminação adequada, aumentando a sensação de abandono e insegurança que imperava ao seu redor. Somente a luz de tom prateado provida pela lua cheia amenizava a situação.
Contudo, Davi adorava loucamente noites assim, com céu limpo e vento frio nas costas. Seu corpo franzino se arrepiava enquanto percorria o trajeto até a casa logo adiante, contente por evitar qualquer encontro. Seria desastroso, àquela altura da madrugada.
Já perto do modesto portão de madeira, notou algo errado: podia sentir no ar gélido. Um súbito temor lhe preencheu o âmago. Correu, atravessando o simplório quintal e adentrando o recinto pela sala, acionando o interruptor da mesma.
O que viu em seguia incutiu o terror em todas as suas células.
Havia algo como que deitado no local. Corpo comprido, incrivelmente massivo e com uma pelugem escura consideravelmente umedecida pelo mesmo líquido escarlate que manchava as paredes, o teto, a mobília e todas as garras dela. A longa e grossa cauda balançava agressiva, solapando o ar e o carpete ao ficar sobre duas patas feito urso.
As grandes orelhas do monstro estavam em riste quando a imensa cabeça lupina se voltava ameaçadoramente para o jovem, o focinho inalando ar ruidosamente enquanto a bocarra cheia de inúmeras presas terminava de despedaçar uma mão juvenil feminina juntamente com a aliança dourada que a ornamentava. Ao fitar o rapaz, suas irís brilharam de modo predatório, superior. A mensagem era tão clara quanta a luz lunar que incidia pela janela:
"Meu território! Minha presa! Cace os vizinhos!"
A lâmpada falhou e se apagou enquanto Davi obedecia ao seu irmão e Alfa, silenciosamente saindo porta afora em meio à sua própria e grotesca transformação...