Era meia noite e vinte e cinco minutos e a maior parte da família estava adormecida. Cinco pessoas viviam no quarto. Naquele momento, pairavam sobre o lugar bons sonhos e amargos pesadelos. Vinícius sempre gritava ou balbuciava frases sem sentido, portanto era fácil descobrir se ele sonhava ou se tinha pesadelos. Matheus e eu, contudo, estávamos bem acordados como de costume a essas horas. Esta era mais uma noite ordinária para nós; eu assistindo Bates Motel em minha cama, e ele na cama vizinha vendo Black Mirror. Ouvi ruídos que vinham do quarto do pai e da mãe dos três — de Matheus, Arthur e Vinícius — e duvidei que Matheus tivesse ouvido o mesmo, porque ele nunca percebe nada e parece um retardado.
Arthur acordou e se mexeu na cama, sentando-se ao mesmo tempo em que os barulhos ressoaram no quarto vizinho. Não estranhei o movimento, já que a família toda é sonâmbula. Não era diferente o mais novinho; os olhos dele nada irradiavam, estavam vazios, provocando a certeza de que aquilo era mais um de seus tragicômicos ataques de sonambulismo. Pausei o episódio que se desenrolava no celular para observá-lo, tentando desvendar qual era o sonho da vez, pois era mais divertido do que assistir às minhas séries — ele ainda estava sentado e em estado letárgico.
Alguns passos ressonaram na porta do quarto dos pais deles. Vladimir, o pai, costumava levantar às noites para pegar alguns remédios ou beber água, por isso naturalmente pensei que fosse ele. Seus passos costumavam serem muito velozes — com exceção de agora. Esperei alguns momentos e Arthur continuava em seu transe, a porta do quarto a frente continuava aberta, com as luzes apagadas. O pai, no entanto, não saiu. Assusto-me fácil e a única reação que pensei foi olhar para Matheus pra observar a sua reação.
Olhei para trás e o vi levantando da cama e percebi que seu irmão Vinícius fazia o mesmo. Os dois dirigiram-se em passos lentos, passando ao lado da cama que eu dividia com Arthur, o mais novinho, e este finalmente teve uma reação: também levantou e acompanhou-os na letárgica caminhada em direção à saída do quarto. Meus olhos ficaram atentos à janela do quarto que dava para o corredor — ela facilitava a observação, visto que por algum motivo desconhecido e inexplicável era feita de vidro transparente. Por que caralhos uma janela de um quarto é inteiramente feita de vidro? Fica a indagação.
— Matheus! — exclamei num murmúrio bem audível; estava intrigado com aquilo.
Dei conta neste momento de que não apenas os três tinham se posto em pé desta forma, mas todos os cinco da família. Estavam andando no mesmo passo lento em direção à cozinha que ficava à esquerda do quarto — achei que fosse uma palhaçada, ou torci para que o fosse —, foram passando no corredor visível pela janela. Não diziam nada.
A luz da cozinha acendeu.
Tentei ficar quieto e sossegado na cama, dissimulando uma calma que eu não tinha. Aguardei alguns segundos, quase um minuto, para entender o que faziam; enquanto isto, tentei novamente assistir a série, mas as imagens eram apenas emaranhados de cores vermelhas, verdes, marrons, todas trêmulas, e paisagens ondulantes e desconexas que não me diziam nada além do que já estava se passando na casa. Minha mente não ficava atenta a nada que não fosse à loucura em redor. É uma palhaçada, é claro, eles combinaram hoje mais cedo. Mas eles nunca fizeram nada parecido. Estranho. Não, não é uma palhaçada. HAHAHA, é sim... Será? Mas minha madrinha não faria uma brincadeira dessas; ela teria pena, eu pensava. Por fim, desisti da minha tentativa sem noção de assistir série numa situação daquelas.
A luz da cozinha apagou.
Novamente observei a janela que dava para o corredor. Um silêncio madrugador ensurdecia-me, deixava-me afobado. Eu tentava perceber algum movimento por entre as sombras da janela, silhuetas que me indicassem onde eles estavam, ou algum ruído menor que fosse, pelo menos um lento resfolegar provocado por passos. Mas por alguns momentos não tive resposta.
Uma silhueta cruzou pausadamente o caminho da vidraça.
Ela tinha companhia. Outra e depois outra e duas mais. A primeira a entrar no quarto foi a minha madrinha. Brandia algo em seus punhos que não pude perceber o que era inicialmente, porque a escuridão me impedia. Depois entraram os outros vultos silenciosos a me observarem. Um após o outro. Eram os cinco. Desbloqueei o celular para usar a luz e entender o que acontecia. Eles me cercaram.
Os cinco apontavam facões para mim.