Quando John pela milésima vez entrou naquele quarto intocado, o qual ele mesmo não se atrevia a entrar havia quase 2 anos, sentiu o ar lhe cortar e causar arrepios e uma dor dilacerante, algo que lhe vinha toda vez que sua amada Mary, lhe vinha na cabeça.
Mary havia ido embora para sempre, por uma doença sem cura, deixando-o só neste mundo, ele e suas lembranças, lembranças de Mary Whitney.
Entrou devagar, passo a passo e via o como tudo estava intocado, nada havia sido mexido, os perfumes dela permaneciam sobre a grande penteadeira colonial, a cama de mogno milimetricamente arrumada, havia poeira na janela e manchas de chuva, como naquele dia em que ela morreu, tudo permanecia o mesmo. John sentia que se fechasse os olhos conseguiria voltar para aquele dia fatídico só de ficar naquele quarto, que um dia foi da pessoa que ele mais amou.
Sentou-se na cama e alisou o lençol rosa pálido e com bordados floridos, seus olhos ardiam como brasas, inundado pelas lembranças amargas ele sussurrava copiosamente:
"Doce Mary...por que me deixaste?"
Em meio de suas lamurias e devaneios, ele notou algo transparecer por baixo do travesseiro, algo que ele não lembrava de estar ali, ergueu e notou, era uma carta, e pela letra delicada no papel pardo ele sabia quem era o remetente....
Abriu com dedos trêmulos o papel encardido pelo tempo e leu as letras cursivas.
E estava escrito:
"Querido John, se encontrou esta carta significa que não fui forte o bastante, sei que colocou expectativas em minha melhora, sei que queria comemorar a Páscoa comigo desta vez, mas foi inevitável minha partida, eu sentia que deveria ir, estava se tornando fatigante ficar deitada a tomar sopa e ficar de repouso, queria ser livre, e como minha carne se encontrava adoentada, libertei então minha alma, e agora estou bem, ou espero estar, espero que o paraíso celestial seja um lugar com muitas margaridas, lembra do quão eu amo margaridas?.
Eu fico triste em ter te deixado, planejei tanto para nós, queria ter um filho, e um cachorro enorme chamado Tiny, ainda se recorda? Planejava também ir para Nova York... tantas coisas.
E agora que vou embora só existirá você... E não mais Mary e John, o casal maluco da rua Blindertein, mas é bom, assim as pessoas não ficarão tão impressionadas ao te ver na rua, agora que não está mais na companhia de uma maluca que se recusava a usar espartilhos e adorava andar descalça por achar saltos ridículos e incômodos.
Mas vamos ao que importa, só quero dizer a ti que nunca e em hipótese nenhuma vou esquecer de você, que sempre vou ama-lo como a lua ama o rio, que todas as noites passa a se refletir naquela imensidão azul, o amarei para sempre, enquanto o sol e o arco-iris existir, você foi a luz que iluminou a escuridão indecifrável da minha alma, e sempre serei grata a você por tudo o que fez, e sei que no futuro, fará coisas que me deixará orgulhosa, você nunca me decepcionou John Mackenzie, nunca. Eu que lamento te-lo decepcionado, ao não ficar com você para sempre em vida, mas você sempre terá a mim em espirito, eu o guiarei pela estrada vazia que é esta vida.
O amo, e espero que seja feliz mesmo após minha partida, não parti infeliz, parti bem, tranquila e serena, e principalmente feliz com a vida que tive ao seu lado.
Viva meu amor, por você, e por mim.
Da sua e só sua, Mary"
John deixou-se levar pela emoção, e como um homem humano e longe da sociedade londrina, ele chorou, chorava de alegria, de tristeza, chorava por mil motivos.
Chorava por que agora sua amada estava em paz, e ele também estava.
"Oh, Mary, eu sempre a amarei" _ sussurrava o rapaz, em forma de promessa.
Abriu então a janela daquele quarto, com um pouco de esforço por estar sem uso, e deixou o ar entrar, e o cheiro das rosas entrarem.
Rosas lembravam Mary
Porém ela sempre amará margaridas...
E ele sempre amaria Mary.