Grandes olhos me encaram no escuro de meu quarto. Brilhantes e claros, eles reluziam a pouca luz do luar que ali jazia. Eu podia senti-los me seguindo, seja quando eu fosse à cozinha ou à sala; eu nunca estava só, não mais. Sempre na espreita, esperando que o sol se fosse para que, finalmente, ela pudesse sair dos cantos e vir a meu encontro.
O cintilar de seu olhar me causava arrepios que nunca senti antes: ela me via como um animal a ser caçado. A admiração por sua presa estava lá, presente, mascarada por emoções inexistentes; Angela era boa em fingir, e eu em acreditar.
Seus passos são curtos, cuidadosos. Ela vem até mim com uma calma que eu sabia que só ela possuía. Seu toque é frio, quase morto, mas aquece-me por dentro, preenchendo em mim a saudade que sentia. Eu estava frente a frente com ela, a apenas um passo de nossa cama, que muito antes aquecia nós dois. Ela dedilha até meu rosto, causando em mim um desconforto que fica cravado em meu âmago. Ela me tem em suas mãos; com minha face entre seus dedos esguios.
— Meu querido — ela ressoa, preenchendo todo o ambiente quieto. — Hoje você demorou.
A sensualidade em sua voz me é incomum, incômoda. Contudo, me entrego sem resistências.
— Eu demorei, sim. Mas sempre voltarei.
Ela nada diz. Permito-me encará-la novamente, observando seus olhos, tão grandes, com um toque esverdeado ao fundo. Não há amor ali, além da fome. Procuro por qualquer resquício, como sempre, de achá-la perdida naquele olhar. Estou errado, novamente.
— Não é dessa vez, querido. — ela desce os dedos para meu maxilar, trazendo-me para perto de si.
Angela me beija com um desejo voraz, que me consome. Passo a mão em sua nuca, a deixando a meu mercê, tocando-lhe com tanto carinho como eu a toquei na noite anterior. Ou na anterior antes dessa, ou a outra e a outra… Noites perdidas em minhas memórias, banhadas num passado de amor que insisto em procurar.
Seus toques frios me aquecem e logo estou pronto para ser usufruído por seu vazio. Ela me detém, empurrando-me até que minhas costas encontrem-se com a cama, deitando-me com brusquidez. Ela monta em mim, com o olhar atroz e a perversidade estampada num sorriso. Me sinto calmo, apesar de tudo.
A mulher deixa o vestido cair, revelando a nudez que outrora me agradaria, satisfazendo meu eu apaixonado. Agora só me excita. Antes me detinha, eu a admirava como se ela fosse uma obra de arte, a amaria como nenhum amante faria. A tomaria para mim e seria dela. Agora, no entanto…
— Dê-me sua melhor memória. — ela mandou. Poderia sentir a confusão me invadir, se eu já não tivesse desconfiança de quem ela era. — A mais feliz.
E então, ela me tomou, sentando em minha rigidez. Tendo-me por completo, tirando de mim tudo o que eu poderia ter no passado. Angela ri, claramente feliz por saber que me detém por mais uma noite. Por saber que será alimentada novamente, como das outras vezes.
Sento-me, interrompendo o coito por segundos para abraçá-la, numa tentativa de seu corpo me aquecesse. Ela volta a me montar, com seus seios a minha frente, tendo-me por segundos. Ela me morde, forte. Deleitando-se com o sangue que escorre de minha nova ferida. Posso ouvi-la gemer satisfeita. Minutos se passam, mas seu toque não me permite que eu conte mais o tempo. Ela me distraí, enquanto rouba de mim memórias de dias em que fui feliz.
A abraço ainda mais quando sinto seus dentes em minha carne, perfurando-me por completo, novamente. Lágrimas escorrem pelo meu rosto, molhando-a na clavícula, mas não é de dor. Pelo menos, não é de dor física. O vazio em mim parece ser maior, as saudades que antes me preenchiam agora transbordam, eu sou só a carcaça de um homem que já fui.
Ela ri com desgosto. Aquela não era minha Angela, não. A que eu amei morreu antes mesmo de dizer-me adeus. Essa vinha me visitar todas as noites, possuindo-me e me deixando com um vazio maior para lidar. Eu a odeio, mas deixo-me ser tomado por segundos de felicidade que ela pode me oferecer.
A solidão que me acompanha no dia-a-dia parece me ter novamente. Eu estou nu e completamente despedaçado. Minha mente me segura em memórias maculadas, num passado inalcançável, que só me deixa mais oco, com uma carcaça do que outrora não voltaria mais. O gozo não me relaxa, o ápice me deixa nervoso – e ela se vai.
Nada diz quando parte, indo para não voltar mais, não até o anoitecer de amanhã. Eu me deito, sem me limpar. Não tenho mais forças – e nem quero.
Sei que ela não é quem eu desejaria que fosse. Que suas palavras são mentiras, que seus anseios são temporários, mas a deixarei me possuir, tirar de mim o resto de quem eu já fui. Pois, lidar com a dor de meu vazio parece ser mais fácil do que lidar com a ida de quem um dia tanto amei.