A primeira coisa que as pessoas admitem quando conhecem a Naná é que ela tem poderes — e não os reais como aquisitivo, administrativo ou financeiro —, mas os dos contos de fadas em que tudo sempre dá certo nos instantes finais; o meu favorito é a sorte para achar música. Ouço muito rádio, dia e noite, sou desse tipo retrogrado, e tem muita música que o locutor não anuncia enquanto Naná lê romances de vampiro — Anne Rice, ou algo assim, não costumo ler romances nenhum — e então pergunto "que música é essa Naná?" e ela fica toda vermelha! O poder implica na música encontrá-la, não o contrário, uns dias depois passando em frente a padaria, ou o bar, ou uma casa aleatória, ou qualquer lugar com rádio e o locutor anuncia ou alguém comenta “música tal”, é sempre igual, e... bem, se chama Natália e outros apelidam de Natty com um requintado toque inglês no y, todavia eu uso apenas Naná e Naná diz que é infantil e pare, e eu insisto na música, e ela, um metro e sessenta incontrolável, me dá uns bons socos nas costelas.
Essa é a Naná.
Ontem, Naná morreu.
Há quem diga que o tempo não existe, que somos nós que o inventamos e tentamos controlá-lo com nossos relógios e calendários, entretanto, se em minha dúvida existe, aqui deixo escrito que o ontem aconteceu 40 anos atrás. Assim, entramos na segunda coisa que as pessoas admitem quando conhecem a Naná: ela é daquele tipo que encara o próprio futuro e decide que não passará o resto da vida sendo um pálido reflexo da luz alheia... por isso, quando o momento chegou, ela apenas se foi. É estranho pensar desta forma — "ela se foi" — usando um eufemismo barato para aplacar as minhas dores solitárias.
Porém, é a verdade.
E o tempo que não existe passou.
Uma vida sem a Naná... eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: — Em que espelho ficou perdida a minha face? Onde está a jovem euforia dos meus olhos? De que vale este corpo fraco? Nada! Uma vez passado o tempo que não existe, somente resta as cartas que escrevo para os filhos que nunca tive e aos parentes que faleceram décadas atrás.
Ontem, escrevi às minhas dores e pensei: escrevi à minha vida. Hoje, escrevo sobre Naná e choro, mas não de tristeza, essa vida ingrata não tomará de mim outra lágrima sequer.
Não terá esse poder!
Tenho em mãos uma caneta novinha e antes que o uso a deixe horrível — pois isso acontece sempre às esferográficas baratas — terei no papel uma viva imagem da mais querida... essa é a terceira coisa que as pessoas admitem quando conhecem a Naná; ela pode discordar de você durante uma hora e te ofender mais de uma vez, mas 40 anos depois dessa hora e uma perda há muito sentida, quando o fardo da vida se tornar pesado demais e você decidir escrever a última carta, se lembrará das coisas boas e terá a esperanças de um desfecho feliz nos instantes finais.
É outro dos poderes de Naná.

