Os poderes de Naná
Joalison Silva
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 30/11/20 20:37
Editado: 30/11/20 21:36
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
Apreciadores: 3
Comentários: 2
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Palavras: 519
Este texto foi escrito para o concurso "Concurso Inspirações 2020" O intuito deste concurso é que os participantes escolham apenas e obrigatoriamente 3 (três) das 15 (quinze) frases disponibilizadas para este concurso, através destas frases escolhidas, devem redigir uma obra na qual as frases sejam inseridas no corpo do texto com originalidade. Ver mais sobre o concurso!
Livre para todos os públicos
Capítulo Único Os poderes de Naná

A primeira coisa que as pessoas admitem quando conhecem a Naná é que ela tem poderes — e não os reais como aquisitivo, administrativo ou financeiro —, mas os dos contos de fadas em que tudo sempre dá certo nos instantes finais; o meu favorito é a sorte para achar música. Ouço muito rádio, dia e noite, sou desse tipo retrogrado, e tem muita música que o locutor não anuncia enquanto Naná lê romances de vampiro — Anne Rice, ou algo assim, não costumo ler romances nenhum — e então pergunto "que música é essa Naná?" e ela fica toda vermelha! O poder implica na música encontrá-la, não o contrário, uns dias depois passando em frente a padaria, ou o bar, ou uma casa aleatória, ou qualquer lugar com rádio e o locutor anuncia ou alguém comenta “música tal”, é sempre igual, e... bem, se chama Natália e outros apelidam de Natty com um requintado toque inglês no y, todavia eu uso apenas Naná e Naná diz que é infantil e pare, e eu insisto na música, e ela, um metro e sessenta incontrolável, me dá uns bons socos nas costelas.

Essa é a Naná.

Ontem, Naná morreu.

Há quem diga que o tempo não existe, que somos nós que o inventamos e tentamos controlá-lo com nossos relógios e calendários, entretanto, se em minha dúvida existe, aqui deixo escrito que o ontem aconteceu 40 anos atrás. Assim, entramos na segunda coisa que as pessoas admitem quando conhecem a Naná: ela é daquele tipo que encara o próprio futuro e decide que não passará o resto da vida sendo um pálido reflexo da luz alheia... por isso, quando o momento chegou, ela apenas se foi. É estranho pensar desta forma — "ela se foi" — usando um eufemismo barato para aplacar as minhas dores solitárias.

Porém, é a verdade.

E o tempo que não existe passou.

Uma vida sem a Naná... eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: — Em que espelho ficou perdida a minha face? Onde está a jovem euforia dos meus olhos? De que vale este corpo fraco? Nada! Uma vez passado o tempo que não existe, somente resta as cartas que escrevo para os filhos que nunca tive e aos parentes que faleceram décadas atrás.

Ontem, escrevi às minhas dores e pensei: escrevi à minha vida. Hoje, escrevo sobre Naná e choro, mas não de tristeza, essa vida ingrata não tomará de mim outra lágrima sequer.

Não terá esse poder!

Tenho em mãos uma caneta novinha e antes que o uso a deixe horrível — pois isso acontece sempre às esferográficas baratas — terei no papel uma viva imagem da mais querida... essa é a terceira coisa que as pessoas admitem quando conhecem a Naná; ela pode discordar de você durante uma hora e te ofender mais de uma vez, mas 40 anos depois dessa hora e uma perda há muito sentida, quando o fardo da vida se tornar pesado demais e você decidir escrever a última carta, se lembrará das coisas boas e terá a esperanças de um desfecho feliz nos instantes finais.

É outro dos poderes de Naná.

❖❖❖
Apreciadores (3)
Comentários (2)
Postado 30/11/20 21:24

E você ia desistir de um texto como esse? Ainda bem que fui insistente :v

Como algo pode ser livre para todos os públicos se me faz ficar triste? Que paradoxo kkkk Se você isso não tem nada pessoal seu, parabéns, voce é um baita escritor. Se tem, continua sendo um baita escritor mas acho que devo deixar aqui os sentimentos. Mas vamos ás vias de fato.

Acho que a maioria dos seus textos eu li foram todos na terceira pessoa, salvo engano. Temos uma mudança na sua narrativa habitual, mas não se preocupe, a qualidade é indiscutível. Um relato a princípio mais leve com nuances das lembranças do narrador vai aos poucos montando o quebra-cabeça até que...

Vem aquela bela e trágica melacolia que faz o leitor sentir o peso da narração, ainda que termine num tom esperançoso e com uma grande reflexão.

Parabéns! Fico feliz que uma das minhas referências na escrita participou do concurso e nossos texos que lutem com tanta obra boa por aqui. Mas rapaz... Você tem boas chances de levar o título hein? Boa sorte :')

Postado 04/12/20 10:02

É livre sim, a tristeza independe da idade KKKKKK

Bom, sobre a Naná sim e não. Podemos dizer que ela é um arquétipo para uma pessoa que a gente gosta e que em algum momento vamos perder. Todos mundo já passou ou vai passar por isso em algum momento da vida, é inevitável, faz parte de se viver...

E sim também. É o meu primeiro texto em primeira pessoa, costumo evitar essa abordagem, mas aqui ela se fez necessária para um tragédia maior KKKkk

Por fim, obrigado os elogios é boa sorte para todos nós. Até a próxima ;)

Postado 14/12/20 19:22

Querido Joalison!

Que prazer ter seu texto para honrar meu concurso, agradeço de coração pela sua participação!

Pena que a duração da sua obra foi tão curta quanto a doce vida de Naná, eu gostaria de ter imergido mais nestas memórias, experiências, nestes vislumbres da vida de Naná, que era mesmo mágica.

Foi uma leitura enriquecedoramente bela e melancólica, bonita obra, meu caro! Agradeço por compartilhá-la conosco! <3

Postado 20/12/20 11:17

Obrigado, fico feliz que tenha gostado. Foi bem legal participar do concurso também. E mal posso te esperar para o próximo.

Até