Seis e Dezesseis.
6 de Janeiro
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 11/12/20 14:50
Editado: 16/04/21 01:39
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 4min a 5min
Apreciadores: 1
Comentários: 2
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Palavras: 661
Não recomendado para menores de dezesseis anos
Notas de Cabeçalho

Olha, tô cansada de só escrever sobre o mesmo assunto.

E eu que desenhei.

Capítulo Único Seis e Dezesseis.

Olhos verdes e suados, pele queimada de sol, sardas pulando na face, um sorriso que sente-se mal por ser caloroso – me recordo deles, recordo-me de quem eu costumava ser, tão jovem, acalorada, pequena eu de apenas seis anos. Quando olho para o passado, é como se eu sempre tivesse tido seis anos, não me recordo de qualquer evento grandioso nesta era, apenas um grande sentimento de que eu seria alguém importante quando fosse adulta, mas nunca soube especificar em linguagem infante, o quê, ou quem eu viria a ser.

Me perdoe, pequena eu do passado, mas veja só o que nos tornamos... Nada de gigante ou revolucionário, nem gritamos com os clientes insuportáveis, nem fugimos de casa para um romance surpreendente, nem programas de televisão, muito menos, embaixada da ONU.... Não sei a quem devo culpar... A você ou a mim...?

Tentamos fugir a vida inteirinha de coisas que as pessoas nos impunham, nunca fizemos ENEM ou curso técnico, o pavor que nós tínhamos, aos dezesseis, de nos tornarmos igual a eles, nos devastava - sempre fomos pobres que sonham acordadas, talvez não tivéssemos nos dado conta de nossa pobreza a tempo... Antes dos sonhos maiores baterem à porta – o pavor que tínhamos de sermos escravas do emprego, da faculdade, das contas a pagar, dos relacionamentos nojentos, de pessoas absurdamente detestáveis... Ah... Pequena-Grande-Eu de dezesseis anos, nós fugíamos furtivamente pelos corredores da escola, por debaixo da saia dos adultos, mordíamos as pernas deles, sonhávamos como uma menina branca e rica sonha e todas as histórias mirabolantes eram sobre enriquecer!

Como que a merda do dinheiro não vai trazer felicidade, sendo que tudo é sobre ele?

Não conseguimos escapar por muito tempo, chegaram os dezoito, não podemos fingir ser inteligentes para sempre, condecoradas pela escola, prodígio... De que isto serve, afinal? Estamos sentadas, sozinhas de mãos dadas, no conforto do silêncio que arranha nossas pálpebras, ele arde.

Um gole de água – arde, um toque – arde, lembranças – ardem.

Não escapamos, droga!

Muito nova para conseguir um emprego e muito velha para ainda não ter arranjado um. Muito nova para entrar assim na faculdade e ao mesmo tempo, atrasada demais por não ter entrado junto com os outros.

Não escapamos.

Pobres podem escapar?

Ricos podem?

Alguém pode?

Somos escravas do tempo, do dinheiro, da canseira, de tudo que fugimos. Será que foi erro nosso? Será que fomos mimadas demais? Fui boa aluna, boa filha, poderia ter sido mais, tudo parece impossível e não dá para voltar atrás.

Pareço já ter escrito sobre estes mesmos sentimentos, discutindo comigo – conosco, Anas retardatárias do passado – mil e cem vezes, no entanto, nunca parece ser demais, a culpa que eu, a de vinte anos carrega por todas nós, me dói cada osso do corpo.

Sou tão falha... E não há quem culpar. Tão ausente, sinto tudo tão intenso, tão demasiadamente calorento, cem ou zero por cento, não há outra forma de subsistência em meu cérebro.

Atualmente, estou sendo zero.

Sentindo em cada nervo o que o zero representa. Um grande pacote de nada, uma imensa e infindável... Migalhice.

Como faz para fugir?

Alguma de vocês sabem?

Seis? Dezesseis?

Eu não sei. Preciso da ajuda de vocês.

A tola que sonha e a revolucionária.

Me tornei o que nenhuma de nós queria: apenas nada.

Uma péssima artista, professora, filha, namorada, amiga, irmã, neta, sobrinha, vizinha, pessoa que passa sem dar bom dia... Mas uma grandiosíssima: desgraçada.

Me pergunto se isso sim, fui eu que escolhi.

Algum dia, uma Ana mais velha, de vinte e cinco e quarenta e cinco anos, irá olhar para trás e querer defecar em mim, como defeco em vocês, um ciclo vicioso de culpa sem fim.

Algum dia, uma Ana mais velha vai brigar no trabalho e mandar o patrão à merda, algum dia, a Ana mais velha vai deixar de ser tão intensamente insana, algum dia, a Ana mais velha, será apenas mais uma das culpas que a Ana ainda mais velha, terá de suportar.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Eu só chego aqui com textos tristes demais, me cancelem.

Apreciadores (1)
Comentários (2)
Postado 17/10/22 20:24

Jovem pra ser velha & velha para ser jovem. Com o tempo escorrendo pelas mão cada vez mais parece que perdemos o tempo de iniciar ou fazer algumas coisa. Acho que faz parte de se tornar menhos jovem.

Postado 17/10/22 20:42

AMIGA, VOCÊ TÁ CANCELADA POR SER FODA DEMAIS, ISSO SIM! Menina, eu leria até sua lista de compras!

Eu acho insana a forma que você consegue manobrar os gêneros nos textos e potencializá-los a tal ponto que torna-se impossível o leitor se desviar deles. Foi uma experiência de leitura forte...

Obrigada por compartilhar conosco!​​​

​​​Parabéns, 6 ♥

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