Eu costumava visitar aquela velha amiga adoecida de vez em quando: ela sempre me acolheu em meus mais diversos momentos, especialmente os ruins. Me aceitou do jeito que eu sempre fui e serei: essa coisa vazia, quebrada e essencialmente malevolente. Ela deixava que eu falasse o que eu quisesse, por mais hediondo ou insano que fosse o assunto. Nunca me censurou, pelo contrário.
Então, sinto que lhe devo respeito e compaixão e venho vê-la uma vez mais. Ela já teve dias melhores, dias de glória, dias em que as visitas eram feitas por muito mais pessoas, algumas extremamente ilustres. Havia uma espécie de magia benéfica, empolgante e envolvente naquela época, foi realmente algo inesquecível. Até mesmo eu fui agraciado com a felicidade naquele tempo, quem diria?
Mas o tempo passou e as coisas começaram a dar errado e tudo se transformou no que temos hoje e minha amiga está meio mal. Lutando, claro. Ela também já esteve bem mais perto de falecer outrora do que agora, admito. Só que isso não significa que ela esteja bem (não que eu esteja, aliás). E por isso estou aqui.
Ela me recebe como sempre e trocamos histórias. As minhas ultimamente estão desprovidas de qualquer coisa que as faça serem dignas de serem contadas, mas ainda assim ela me escuta e agradece. As delas estão mais escassas, assim como as visitas, mas a imensa maioria delas são incríveis e me deixam impressionado. Ela agradece por eu tê-la ouvido.
E é isso, apenas isso que a mantém viva: as histórias. Enquanto alguém lhe contar histórias, mesmo que de vez em nunca, ainda que esteja à beira da morte, ela resistirá. Tem gente cuidando dela, mantendo seu corpo funcional, mas sem as histórias, seu coração vai parar.
Eu não sei se ela vai tornar a sair dessa cama e bailar exultante como outrora, mas torço para que isso ocorra novamente, mesmo que porventura eu deixe de visitá-la em definitivo algum dia. Eu a encaro, me distraindo com os bipes do aparelho de monitoramento cardíaco por um segundo e a invejo: ao menos, diferente de mim atualmente, ela consegue sentir seu coração batendo.
"Até qualquer dia", dizemos um para o outro. Então eu me levanto, me despeço outra vez e a encaro, indagando em pensamento se aquela seria a última vez em que nos veremos, já que as histórias e a vontade de criá-las (ou mesmo ouví-las) desaparece mais e mais de meu íntimo hoje em dia. Estou lutando, assim como ela, mas...
Bem, talvez não seja a minha velha amiga que esteja em estado terminal, no final das contas.