Era noite. Eu acabara de embalsamar o último que me restara: o meu amado.
Tudo o que eu conhecia agora se encontrava em covas rasas — meu amor, meu filho, minha vida, tudo o que dava luz à minha existência... Agora, restava apenas o vazio.
Caminhava pelas estradas de terra batida, evitando as ruas principais. Não queria ser vista. A lua, tão clara, realçava ainda mais minha fisionomia abatida, destruída pela morte.
Doença. Ruína. A perda de tudo o que eu conhecia.
— Os deuses me deixaram... — murmurei ao subir lentamente as escadas de um templo. O templo de Anúbis.
Seu corpo escultural em pedra e a cabeça de chacal me encaravam. Ele me escutaria?
— Como eu poderia ter de volta tudo o que perdi? — caí de joelhos perante sua presença inanimada. — Será que, no fim, meu coração será mais leve que a pena? Poderei vê-los?
Meu coração doía mais do que eu conseguia expressar. As palavras saíam como se punhais me rasgassem de dentro para fora.
Insuportável.
Com os olhos fechados, o vento sibilando contra meus ouvidos, senti uma mão pousar sobre meu ombro.
— Não se vire — escutei uma voz rouca que me arrepiou até os ossos.
Obedeci.
— Seu sofrimento... sua dor lamuriante... me fez chegar até aqui.
— Quem é você? — sussurrei.
— Estou na sua frente — ele disse, devagar. — Olhe bem.
Quando abri os olhos, olhei diretamente para o templo, para ele.
— Anúbis...
— Você quer quem ama de volta?
Apenas assenti.
— O que quer que eu faça por você?
— Diga primeiro: por que está aqui? — rebati.
— Por compaixão.
— Não quero sua compaixão. Quero apenas a morte.
— Eu estou aqui agora — ele apertou com força as juntas dos meus ombros.
Senti meu corpo flutuar. Quando pisquei, estava no topo do templo. Era tão alto que eu podia sentir o ar gelado das nuvens contra minhas costas.
— Está a um passo de encontrar quem ama — ele disse. Eu ainda não via seu rosto. Sempre permanecia atrás de mim.
— E se eu não tiver o coração tão leve? E se eu não for... para o lado deles?
— Terá que arriscar.
Eu faria tudo para vê-los. Tudo pela possibilidade.
Dei dois passos. Logo, não senti mais o chão.
Uma dor aguda — quase pequena, comparada ao meu coração rachado.
Tudo negro.
Tudo claro.
Pude vê-los.
Ele, o Deus Anúbis, estendia sua mão negra em minha direção.
Eu a peguei.
Ele me guiaria de volta para o que perdi.