Leornardo era um adolescente com síndrome infantil, diziam seus pais. Mas isso era somente porque ele tinha uma gigantesca obsessão por jogos, por Pokémon (sua franquia favorita) e por animais (mas nesse caso, quem não?), e, por mais que seus pais tentassem esconder, porque ele nunca tinha tido uma namorada. Quando precisava, ele sabia ser muito maduro, e estava disposto a provar isso naquele dia.
No auge de seus 16 anos ele tinha dois objetivos de vida que levava bem a sério: zerar todos os jogos de Pokémon 7 vezes (porque 7 era seu número da sorte) e pegar o telefone da garota fofa com quem cruzava todas as vezes que ia até o fliperama do bairro.
Quando se tratava de amor, Leornardo ainda se sentia em parte como criança. Achava bonito ver os casais se formando em sua escola, gostava de vê-los andar de mãos dadas e conversar como se o resto do mundo não existisse e fossem só os dois pombinhos ali, no entanto nunca havia sentido nada como aquilo. Nenhuma das garotas que conhecia, por mais legais e mais bonitas que fossem, lhe causava aquele sentimento do farfalhar de asas de borboleta na boca do estômago — e ele ele só conhecia esse sentimento pois havia visto sua idol favorita imitando a voz do Pikachu.
E não é como se Leo não gostasse de garotas! Ok, por vezes ele mesmo havia se questionado sobre isso depois de sofrer episódios de bullying na escola, mas havia chegado à conclusão — depois de sentir seu coração bater mais forte quando via aquela moça fofa da novela que sua mãe assistia — de que ele gostava sim de meninas, mesmo tendo um jeito mais afeminado. E ele gostava tanto de garotas que preferia ficar com elas, visto que a maioria das pessoas em seu círculo social eram mulheres. Ele sentia-se mais seguro assim.
Por tudo isso (e por outras razões que ele tinha vergonha de contar, afinal, não é pra todo mundo que você conta que já havia beijado sua melhor amiga e algumas amigas dela) ele tinha certeza absoluta, absolutíssima!, de que estava apaixonado pela garota desconhecida de seu bairro. Sim, ela com sua mochila laranja, seu rosto adorável e o jeito amável que ela passava longos minutos fazendo carinho em Nabi, o gatinho vadio de sua rua.
Tudo bem que o bichano adorava ganhar um carinho de qualquer um, mas quando se tratava da gatinha desconhecida, ele rolava no chão, deixando sua barriga branca à mostra e implorando por mais intensidade nos chameguinhos. Leornardo, que ia ao fliperama do bairro sempre que voltava da escola (e por isso acabava por não fazer a lição de casa, às vezes…), sempre encontrava essa cena quando cruzava a esquina. Se pegava observando a cena por longos minutos, imaginando como seria se ele fosse Nabi. Ele adoraria receber carinhos assim da garota também.
Hoje, não diferentemente, andou pelo caminho que fazia até o fliperama, mas tinha um objetivo diferente. Dobrou a esquina e chegou no cruzamento, capturando a cena mais uma vez. Nabi ronronava tão alto que Leo podia ouvir de onde estava (na verdade, ele já conhecia o Garfield em live action o suficiente para imaginar como estaria ronronando) e Leornardo já encontrava-se quase babando na garota.
Ela era simplesmente o ser mais adorável do mundo todinho — e Nabi ficava em segundo! Tinha um rosto delicado, olhinhos brilhantes como diamantes e uma boquinha que fazia Leornardo não parar de pensar em como seria trocar beijinhos com ela, ou como ela deveria ficar fofa quando fazia biquinho, ou como ela deveria ficar bonita mordendo o lábio quando estava concentrada (e ele sequer sabia se ela fazia isso!), ou mais mil e um devaneios de mentes adolescentes apaixonadas. Para ele a garota era igualzinha um Jigglypuff, o que o deixava pensando em como ela ficaria cantando a mesma música. (Sim, ele era realmente viciado na franquia.)
Enquanto fitava a gatinha brincando com o gatinho com olhos de coração quase literais, acabou esquecendo de sua missão (ou perdendo a coragem de falar com ela). Mas, como diz o ditado, Leonardo Moura tem sorte no jogo para capturar pokémons raros com facilidade, mas azar no amor: a garota, depois de muito tempo sendo observada, acabou percebendo. E, pior ainda, olhou em sua direção.
Leornardo teve certeza que seria nesse momento que morreria e só não caiu para trás por um milagre. Na sua cabeça a garota com toda certeza o acharia um cara estranho e bizarro por ficar a observando assim de longe, e faria todo o sentido de sua parte. Mas ele não fazia por mal! Só não conseguia tirar os olhinhos da cena, então acabava perdendo a noção do tempo. Para tentar fingir que não era o estranho que achou que parecia, decidiu fazer o mais óbvio nessa situação: dar o seu melhor sorriso de mestre pokémon e andar confiante até ela (mesmo com as perninhas moles e tremendo feito vara verde).
— Oi. O Nabi é… seu? — Morrendo por detrás do seu boné, falou como quem não quer nada.
— Não, não. Eu só gosto de fazer carinho. — Ela olhou o gatinho e sorriu. Leo teve uma pequena pane pensando esseéosorrisomaisbonitoquejávinavida, tudo junto. — Mas meu prédio não deixa a gente adotar animais. — E o tão sonhado biquinho nos lábios da garota. A essa altura, o rosto de Leornardo estava rosa feito uma Chansey.
— Ah, que pena. — Ele suspirou, recebendo os olhos da garota de volta e tornando ao desespero. — D-digo, que bom! Porque eu tava pensando em levar o Nabi pra casa.
Aquela foi a primeira coisa a passar em sua cabeça. Não era mentira; se pudesse, Leo roubaria todos os gatos vadios do bairro e viveria com todos os 16 (que ele mesmo contou), mas não sabia se seus pais gostariam muito da ideia. Assim como pegar o número da gatinha, aquele era um de seus planos futuros que ele ainda precisava de muita coragem para cumprir. No entanto, a boca falou mais rápido que a cabeça e agora ele precisava dar um jeito.
— Sério? — Os olhinhos brilharam feito a lua cheia mais brilhante. — Fico feliz que alguém o adote, por mais que sempre tragam ração pra ele eu fico preocupada com ele nas noites frias.
— E com a rua!
— Sim, sem contar nos rumores de alguém que anda fazendo maldade com os bichanos no bairro daqui do lado. Nada impede desse coisa-ruim vir pro nosso bairro.
Leornardo sentiu o coração pesar, aquele era mais um motivo para tomar coragem e cuidar do bichano vadio.
— Eu não sabia disso, pobres gatinhos… — Apertou os olhos para que nenhuma lágrima saísse. — Vou levar ele pra casa agora mesmo!
A garota se levantou num pulo, segurando Nabi como se fosse um bebê, sorrindo de orelhinha à orelhinha.
— Tó! — Estendeu o bichano, Leo aceitando quase automaticamente. Ele aceitaria qualquer coisa dela. — Eu sou Hanni, aliás. Acho que nem me apresentei. — Riu nervosa, corando um pouco. Quão mais coloridas as bochechas ficavam, mais ela parecia um Jigglypuff aos olhinhos brilhantes de Leornardo.
— E eu sou o Leornardo. — Deu seu melhor sorriso, tentando disfarçar que quase esqueceu de se aposentar.
Nabi se remexeu, se aconchegando em seus braços e voltando seu pensamento para “Como convencer meus pais?”. Hanni tirou da mochila verde-neon que mantinha nas costas um papelzinho e caneta, anotando rapidinho e lhe entregando.
— Aqui, é meu número. Me liga mais tarde, quero saber se o Nabi vai gostar da casa nova. Espero que sim.
Leornardo não sabia, mas o coraçãozinho da Jigglypuff de nome Hanni batia descompassado. O seu também bate apressado, sua mente flutua entre pensar o quão elegante era a garota ter um celular e o pequeno pânico apaixonado de perceber que ela estava lhe passando seu número. E ele nem sequer havia pedido!
Hanni apertava as alças da mochila como se elas pudessem a tirar dali sozinhas. Não podiam, então ela tinha que tomar seu rumo.
— Tenho que ir agora, a gente se fala mais tarde.
E andou o mais rápido que suas perninhas conseguiram.
Leo observou a garota se afastar por um tempo, até Nabi se remexer de novo em seus braços, fazendo-o perceber que agora tinha que cumprir seu destino.
Chegou em casa nervoso, dentes cerrados, o gato no peito o consolando como sua pelúcia do Snorlax. Não tinha pensado em nada para dizer, nenhuma desculpa como “Ele estava aqui na frente do prédio, será que é de alguém? Podemos procurar pelo dono!” ou nem mesmo a sinceridade de “Quero adotar esse gato gordo!” havia passado por sua cabeça.
— Filho! — A voz de seu pai soou atrás de si. — Que surpresa te ver por aqui, uma hora dessas pensei que ia estar no fliperama. Eu fui liberado mais cedo do trabalho então o jantar hoje é por minha conta… — O Senhor Moura tagarelava animado, até que seus olhos pousaram no serzinho laranja enquanto ele se livrava do terno desconfortável.
Seu pai, que tinha os mesmos olhos grandes e brilhantes que os de Leornardo, olhava estarrecido para o bichano. Leo perguntou a si mesmo se seria expulso de casa junto de Nabi, mas o seu pai fez um gesto implorando para pegar o gato no colo e ele não teve opção senão entregá-lo.
O Moura mais velho olhava o gato como se ele fosse verdadeiramente um presente dos deuses (e quem disse que não era?) e o ergueu igualzinho o Simba em Rei Leão.
— Sabe, Nono, tal pai, tal filho. Você leu minha mente, acho que está mesmo na hora de adotarmos algum bichinho para essa casa!
E se seguiram muitas horas de dois homens — ou um e meio, já que Leornardo era apenas um adolescente — preparando um apartamento e todos os seus cômodos para o bichano, como se fosse a chegada de um bebê, ou como se ele fosse o dono da casa. No fim das contas, é exatamente isso que os gatos acabam sendo.
Quando a mãe de Leornardo chegou do trabalho, à tardinha, tomou um susto vendo um gato laranja no sofá branquíssimo da casa. Mas Nabi era fofo demais para que a matriarca brigasse, ele podia espalhar seus pelinhos pelo sofá todo, os três membros da família limpariam de bom grado.
E tamanha foi a animação de Leornardo com a reação dos pais que esqueceu-se até do papelzinho guardado no bolso de seu casaco moletom. Enquanto os Moura tiveram um jantar animado e uma noite de revezamento de carícias na bolota de pelos laranja, os Pham aguentaram uma garotinha ansiosa que carregava seu telefone para cima e para baixo e seus biquinhos frustrados toda vez que checava seu celular e não havia ligação ou mensagem.