Trazentas Réplicas
Joana Tiago
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 17/04/16 18:17
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 5min
Apreciadores: 5
Comentários: 2
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Palavras: 614
[Texto Divulgado] "O Jarro De Carne" O recém formado doutor Haward, inicia sua jornada de trabalho ao lado de seu mentor. Juntamente com sua equipe, ele inicia um experimento que mudara, para sempre, o futuro da humanidade.
Não recomendado para menores de dezesseis anos
Notas de Cabeçalho

Esta é o conto que eu escrevi para um mini concurso já há algum tempo. Quando eu digo "algum tempo, estou a falar de dois ou três anos. O tema era "amor", mas eu quis ir por um lado mais negro.

Capítulo Único Trazentas Réplicas

Trezentas Réplicas

Tenho trezentas réplicas do teu rosto coladas ao longo das outrora enfadonhas paredes do meu quarto.

Seiscentos são os olhos que me fitam sem me ver todas as noites, delicadamente impressos em papel liso e brilhante. Eu gosto desses teus olhares. Nunca falham, nunca se desviam, nunca pestanejam.

Dois mil e setenta e cinco são os fios ruivos do teu cabelo, um tesouro que guardo numa caixinha de madeira que emana uma melodia tão doce como tu. Cabelos que me deste, meu amor, quando deixaste a tua escova desprotegida em cima do lavatório da casa de banho.

Tenho exactamente dezoito filmes onde apareces. Vídeos em que tu, sem saber, és a protagonista. Vejo-os todas as noites, sozinho, enquanto sonho em tocar pelo menos uma única vez na tua pele leitosa.

Mil e oitenta e dois foram as vezes em que te observei pela janela do teu quarto. Eu sei tudo sobre ti, amor, tal como um bom amante deve saber. Conheço o teu afeto por unicórnios de pelúcia, da tua paixão pelos livros de alguém cujo último nome é “Roberts”, do teu ódio por filmes de terror.

Sei que te deitas, em média, às dez horas da noite e que te levantas às oito. Lavas o cabelo todos os dias para o manter domado. Comes torradas e café ao pequeno-almoço enquanto vês desenhos animados americanos na televisão. Sais de casa por volta das nove horas da manhã e segues para o trabalho no teu carro.

Nunca te vou visitar ao trabalho. Precisas do teu espaço, não é verdade? Dou-te a liberdade que necessitas. Depois regressas para casa e voltamos à nossa rotina. Tu fazes o jantar e eu observo-te do lado de fora.

Por vezes levo a minha câmera fotografia, a fim de capturar mais um momento teu. Espero escondido no breu, desejoso de ver uma expressão ou um gesto que ainda não tinha na minha colecção.

E tu sabes, inconscientemente, que estou sempre lá. Viras a face na minha direcção e semicerras os teus belos olhos azuis, que eu amo. Mas não me vês, não podes, pois estou camuflado na escuridão e essa, querida, é a minha melhor amiga, nunca me denunciará. Infelizmente sentes-te incomodada com a minha presença e fechas as cortinas e tapas-me a vista.

E assim, derrotado, volto para o meu apartamento.

Nas raras ocasiões em que consigo infiltrar-me na tua casa, trago uma recompensa. Vinte e um são os objectos que obtive das minhas buscas. São coisas pequenas, bugigangas que não te farão falta mas que são como diamantes para mim. Acaricio-as na solidão, assim como uma mãe acarinha o seu filho moribundo. Cada objecto é um pedaço de ti e, quem sabe, se juntar coisas suficientes poderei chamar-te “minha”.

O amor que sinto por ti não tem limites. Quero-te de uma maneira infernal. O meu sangue arde e as minhas entranhas contorcem-se num grito agoniante que reflecte todo o meu desejo por ti. Ambiciono mais do que vinte e um objectos, dezoito filmes e dois mil e setenta e cinco fios de cabelo. Nos meus sonhos escondo-te do mundo para que só os meus olhos te possam contemplar, abraço-te até o nosso último suspiro e despedaço-te para te poder beijar em todo o lado, até por dentro.

Por enquanto, até ganhar coragem para te abordar, deito-me na cama e sonho contigo. Eu sei que um dia ficaremos juntos e seremos o casal perfeito, pois eu amo-te com todo o meu coração, cérebro e entranhas. Cada pedaço de mim pertence-te e quero que me pertenças.

Que sejas só minha.

Até lá…

Tenho trezentas réplicas do teu rosto coladas ao longo das outrora enfadonhas paredes do meu quarto.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Espero que tenham gostado!

Kisses.

Apreciadores (5)
Comentários (2)
Postado 17/04/16 18:47

Ah man, os tempos passados, onde ilustravas este texto e a nossa professora apenas dizia a palavra "bonito" a tudo o que se passava. <3

Postado 25/08/16 08:39 Editado 25/08/16 08:40

Satã... Teu texto foi de uma maestria tamanha que ao terminar o texto eu estava com o olhar vago, ainda a imaginar todas as cenas em minha (de)mente...

É um tipo de terror difícil de ser tecido: sutil, bizarro e perturbador sem ser pesado no sentido de carnificina. Ainda assim, consegues gerar tensäo e incômodo com tuas descrições verrossímeis e malevolamente eloquentes. É, de fato, um amor. Doentio, mas é.

Tua narrativa flui com facilidade, requinte e deturpação do que costuma ser dito normal aos olho do leitor que, incauto e rendido, só pode ir ficando cada vez mais surpreso e chocado. E tudo culmina em revelações inumanas e incríveis de desejo sombrio que nos arremete de volta ao início em um looping de sentimentos e pensamentos do stalker...

Simplesmente genial e perfeito! Que glorioso aprendizado tive hoje! Muitíssimo obrigado por compartilhar de seu talento e criatividade para conosco e meus inúmeros parabéns! Tu escreves MUITO!

Atenciosamente,

Um ser que é observado por Satan nas trevss, Diablair.